Out 4, 2013

O Mel no Tratamento de Feridas

Honey in Wound Treatment

 

Ana Raquel Dinis

Enfermeira nas Farmácias Holon

Corresponding author: araqueldinis@gmail.com

 

Resumo

O mel tem adquirido importância no tratamento de feridas devido às suas propriedades particulares, nomeadamente acidez, actividades antibacteriana, anti-inflamatória e antioxidante, e acções osmótica, desbridante e desodorizante.

Quando utilizado em apósitos é denominado mel medicinal, sendo produzido segundo critérios rigorosos. Deste modo é possível a sua utilização segura.

Existem diversos estudos sobre a aplicação de apósitos com mel em feridas agudas e crónicas, verificando-se bons resultados no tratamento de abcessos, queimaduras, enxertos, feridas infectadas, úlceras de perna, úlceras de pressão, feridas cirúrgicas e suas deiscências e úlceras de pé diabético.

Neste artigo são apresentados quatro casos onde a aplicação de apósitos com mel em feridas multitratadas se mostrou bastante eficiente. Embora seja necessária mais investigação, os apósitos de mel deverão ser considerados uma alternativa eficaz no tratamento de diferentes tipos de ferida, particularmente aquelas multitratadas e complexas.

Palavras-Chave

Mel; feridas; cicatrização; estudo de caso

Abstract

Honey has gained importance in wound treatment due to his particular properties such as acidity, antibacterial, anti-inflammatory and antioxidant activities and osmotic, debriding and deodorizing actions.

When used in wound dressings it is called medical grade honey and is produced using quality control criteria. Thus it can be used safely.

There are several studies about the use of honey as a wound dressing in acute and chronic wounds with good results in the treatment of abscesses, burns, donor sites, graft sites, infected wounds, leg ulcers, pressure ulcers, surgical wounds with and without dehiscence and diabetic foot ulcers.

This article presents four cases where honey dressings application proved to be quite efficient. Although further research is needed, honey dressings should be considered as an effective alternative treatment for different wound types, particularly chronic wounds and those with multiple treatment.

Keywords

Honey; wounds; healing; case study

 

Introdução

Há milhares de anos que o mel é utilizado pelo Homem nas mais diversas situações. Existem textos com mais de 4000 anos, onde é relatada a utilização de mel no tratamento de feridas (Cooper et al, 2009). Recentemente assistiu-se a um renascer do interesse pelo mel devido às suas propriedades promissoras. No quotidiano, o enfermeiro depara-se, por vezes, com a apresentação tardia de feridas, frequentemente num estado avançado de infecção e inflamação. Para prevenir o agravamento da infecção são usados os diversos apósitos disponíveis. Contudo, o uso constante dos mesmos produtos provoca habituação e consequente estagnação da evolução da ferida. O desenvolvimento de diferentes apósitos contendo mel constitui, assim, uma nova oportunidade no tratamento de diversos tipos de ferida, com especial ênfase nas feridas multitratadas.

As propriedades do mel

O mel é um produto natural composto por hidratos de carbono (75-80%), dos quais se destacam a glicose e a frutose, por água (17%), aminoácidos, minerais e vitaminas, os quais variam com o tipo de planta a partir do qual foi colhido o néctar. Estão descritas diversas propriedades do mel, as quais são abordadas em seguida (Cooper et al, 2009; Molan, 2011; Seckam & Cooper, 2013).

Acção osmótica

A acção osmótica do mel leva à saída de linfa dos tecidos profundos, melhora a oxigenação e permite um maior aporte de nutrientes às células do leito da ferida. Adicionalmente mantém o leito da ferida suficientemente húmido para que o apósito não adira, diminuindo assim a dor e o trauma associados à mudança do mesmo. Por outro lado, este ambiente húmido promove um desbridamento autolítico, sendo também benéfico para a cicatrização, sem permitir contudo um crescimento bacteriano no leito da ferida (Cooper et al 2009, Seckam & Cooper, 2013).

Actividade antioxidante

O mel apresenta uma grande quantidade de antioxidantes. Estes neutralizam os radicais livres, moléculas altamente reactivas causadoras de dano celular e produzidas durante a fagocitose. Estes radicais promovem oxidação, a qual vai activar protéases que destroem citoquinas, factores de crescimento e matriz extracelular, essenciais ao processo de cicatrização (Cooper et al 2009).

Acidez do mel

A acidez do mel é benéfica para o tratamento de feridas. Um meio ácido permite a dissociação de mais oxigénio ligado à hemoglobina para o leito da ferida, o qual é essencial para o crescimento de fibroblastos. A acidez também diminui a actividade das protéases melhorando, assim, a cicatrização.

Na prática clínica, na presença de inflamação, a aplicação de mel no leito da ferida sobre um terminal nervoso mais sensibilizado pode causar dor, a qual desaparece habitualmente ao fim de pouco tempo (Cooper et al, 2009; Molan 2011).

Acção desbridante

A existência de tecido desvitalizado no leito da ferida é prejudicial à cicatrização. A melhoria do fluxo linfático devido à acção osmótica do mel vai permitir a chegada de maior quantidade de plasminogénio ao leito da ferida. Concomitantemente, o mel inactiva o inibidor do activador do plasminogénio (PAI), permitindo que exista mais plaminogénio a ser convertido em plasmina, a qual digere a fibrina, sendo esta última a responsável pela aderência do tecido desvitalizado ao leito da ferida. O resultado final é a promoção do desbridamento autolítico (Molan, 2011; Seckam & Cooper, 2013).

Actividade anti-inflamatória

Existem diversos estudos que suportam a actividade anti-inflamatória do mel, havendo evidência que esta não se deva directamente às suas propriedades antibacterianas. A presença de um estado inflamatório moderado e de curta duração é imprescindível para iniciar o processo de cicatrização. Quando essa inflamação é excessiva, o número de neutrófilos e macrófagos aumenta, bem como as espécies reactivas de oxigénio (ROS) por eles produzidas, as quais causam dano celular. Por outro lado, o peróxido de hidrogénio, uma ROS, atrai mais neutrófilos, formando-se um ciclo vicioso. A actividade antioxidante do mel é capaz de quebrar este ciclo diminuindo, assim, a inflamação. Por outro lado, a acção desbridante do mel também contribui para a diminuição da inflamação, visto que o tecido desvitalizado estimula a resposta inflamatória (Cooper et al, 2009; Molan 2011).

Actividade antibacteriana

A actividade antibacteriana do mel deve-se ao seu alto teor de açúcar, baixo pH e produção enzimática de peróxido de hidrogénio. Em 1988, Peter Molan constatou que o mel de manuka (Leptospermum scoparium da Nova Zelândia) possui uma potente actividade antibacteriana não dependente de peróxido de hidrogénio. Vários estudos demonstraram que o mel de Leptospermum seleccionado consegue manter níveis significativos de actividade antibacteriana mesmo em feridas altamente exsudativas.

O mel possui actividade antibacteriana de largo espectro, sendo eficaz contra estirpes multirresistentes. Um estudo in vitro, realizado em 2009, sobre o efeito do mel em bactérias planctónicas e biofilmes sugere que o mel possui um efeito bactericida contra estes agentes patogénicos das feridas. Existem vários estudos sobre este assunto, porém necessitam de ser validados após o desenvolvimento de um teste fiável para detecção de biofilmes (Cooper et al, 2009; Seckam & Cooper, 2013).

Acção desodorizante

As bactérias metabolizam preferencialmente glicose. Porém, na sua ausência as bactérias anaeróbias metabolizam aminoácidos, resultando na produção de compostos de enxofre, aminas e amónias, causadoras de cheiro fétido nas feridas. A metabolização da glicose produz compostos com odor neutro, sendo este o motivo pelo qual a aplicação de mel nas feridas promove uma rápida diminuição de odor (Cooper et al, 2009).

Prevenção de cicatriz  hipertrófica

As espécies reactivas de oxigénio formadas durante o processo inflamatório estimulam a actividade fibroblástica, responsável pela produção de fibras de colagénio necessárias à cicatrização. Em situações em que a inflamação é prolongada há uma hiperprodução das ROS, que pode levar à hipergranulação e à fibrose. Atendendo a que o mel previne a formação de radicais livres, existe uma diminuição do risco de formação de cicatriz hipertrófica (Cooper et al, 2009).

O mel no tratamento de feridas

De modo a utilizar com segurança produtos com mel no tratamento de feridas é necessário cumprir alguns requisitos tais como, avaliação da quantidade de mel no produto e sua actividade antibacteriana, esterilização com radiação gama e seu registo como dispositivo médico.

Cooper (2009) refere diversos estudos sobre a aplicação de apósitos com mel em feridas agudas e crónicas, nos quais se obtiveram resultados promissores no tratamento de abcessos, queimaduras, enxertos de pele (região dadora e receptora), feridas infectadas, úlceras de perna, úlceras de pressão, feridas cirúrgicas, deiscências de feridas cirúrgicas e úlceras de pé diabético.

As diversas propriedades do mel permitem que este seja aplicado em tecido de epitelização, granulação, desvitalizado e necrótico. Porém, a frequência da troca de apósitos deverá ser estipulada de acordo com o nível de exsudado. É necessário atender à aplicação de apósitos com mel em feridas com tecido necrótico espesso, uma vez que ao estar afastado do fluido intersticial o mel irá desidratar ainda mais o tecido devido à sua acção osmótica.

 

Estudos de caso

Para este estudo foi efectuada uma colheita de dados dos utentes e caracterização da ferida, com registo de evolução escrito e fotográfico. Foram utilizados dois tipos de apósitos com mel medicinal. Os casos apresentados já realizavam terapia compressiva antes de ser implementado o tratamento com mel.

 

Caso 1 – Sra. M. F. G.

Mulher de 60 anos, com úlcera no maléolo interno da perna esquerda, a realizar tratamento desde 22/09/2010. Tem como antecedentes pessoais relevantes insuficiência venosa e acidente de viação, em 1974, com traumatismo da perna esquerda. Foram utilizados vários apósitos, nomeadamente hidrofibra simples e com prata, apósito não aderente com iodopovidona, entre outros, que a utente não tolerou devido a queixas álgicas intensas no local da lesão. O tratamento foi complementado com terapia compressiva desde o início. A 05/11/2010, altura em que iniciou tratamento com mel, a lesão apresentava essencialmente tecido desvitalizado e algum tecido de granulação, exsudado seroso em pequena quantidade, sem odor e sem edema.

Tratamento implementado

Limpeza com solução salina e aplicação de apósito hidroactivo em poliuretano com 30% de mel medicinal e ligadura de longa-tração. A 22/11/2010 foi mudada terapia compressiva para meia de compressão. A 02/12/2010 devido ao aparecimento de uma nova lesão foi alterado o tratamento para apósito de alginato não aderente impregnado com mel medicinal de manuka, mantendo-se a meia de compressão. A 10/01/2011 as lesões encontravam-se encerradas. A utente mantém utilização da meia de compressão. (Figuras 1 a 4)

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Figura 1 – 05/11/2010 – Dimensões: (1) 3×1,5cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 7.

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Figura 2 – 02/12/2010 – Dimensões: (1) 1,5x1cm; (2) 1×0,9cm; (3) 1x1cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 3.

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Figura 3 – 20/12/2010 – Dimensões: (1) 0,5×0,3cm; (2) 0,6×0,3cm; (3) encerrada. Exsudado ausente. Dor 5.

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Figura 4 – 10/01/2011 – Lesões encerradas.

 

 

 

Caso 2 – Sr. J. S.

Homem de 77 anos, com úlcera na face externa da perna direita, a realizar tratamento desde 01/2008. Como antecedentes pessoais relevantes apresenta insuficiência venosa e doença cardíaca. Durante os quase três anos de evolução da lesão foram aplicados inúmeros apósitos como: hidrofibra simples e com prata, apósito não aderente com e sem iodopovidona, sulfadiazina de prata, entre outros, sem sucesso na cicatrização. A 12/11/2010, dia em que iniciou tratamento com mel, a lesão apresentava essencialmente tecido de granulação, exsudado hemato-purulento em moderada quantidade, cheiro fétido e pele perilesional ruborizada.

Tratamento implementado

Limpeza com solução salina e aplicação de apósito de alginato não aderente impregnado com mel medicinal de manuka. Foi mantida a terapia compressiva com ligadura de compressão. Após 10 semanas com este tipo de tratamento a lesão encerrou e o utente iniciou utilização de meia de compressão. (Figuras 5 a 8)

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Figura 5 – 12/11/2010 – Dimensões: (1) 6x6cm. Exsudado hemato-purulento em moderada quantidade. Dor: 4.

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Figura 6 – 13/12/2010 – Dimensões: (1) 3,5x1cm; (2) 1×0,9cm; (3) 2,8×2,4cm. Exsudado sero-purulento em moderada quantidade. Dor: 4.

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Figura 7 – 13/01/2011 – Dimensões: (1) encerrada; (2) 0,5×0,3cm; (3) 1,3×0,3cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 2.

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Figura 8 – 31/01/2011 – Lesões encerradas.

 

Caso 3 – Sra. R. S.

Mulher de 84 anos, com úlceras no maléolo interno da perna direita, a realizar tratamento desde 07/12/2010. Os antecedentes pessoais relevantes são a arritmia cardíaca e a insuficiência venosa. Realizou tratamento com hidrofibra com prata, hidrogel e placa hidrocoloide, não tolerando nenhum devido a intensas queixas álgicas. A 31/12/2010 apresentava duas lesões com tecido desvitalizado, pele perilasional ruborizada, exsudado seroso em pequena quantidade e sem odor, tendo-se iniciado tratamento com mel.

Tratamento implementado

Limpeza com solução salina e aplicação de apósito hidroactivo em poliuretano com 30% de mel medicinal e meia de compressão. Na região perilesional foi aplicado um spray protector cutâneo. A 13/01/2011 devido à maceração da pele perilesional, foi alterado o tratamento para apósito de alginato não aderente impregnado com mel medicinal de manuka, mantendo-se a meia de compressão. A 14/03/2011 as lesões encontravam-se encerradas. A utente mantém utilização da meia de compressão. (Figuras 9 a 12)

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Figura 9 – 31/12/2010 – Dimensões: (1) 2×0,8cm; (2) 0,8×0,5cm. Exsudado seroso em moderada quantidade. Dor: 7.

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Figura 10 –­­­­­ 13/01/2011 – Dimensões: (1) 1,5×1,2cm; (2) 0,4×0,3cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 2.

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Figura 11 – 10/02/2011 – Dimensões: (1) 1,4×0,5cm; (2) encerrada. Exsudado seroso em moderada quantidade. Dor: 5.

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Figura 12 – 14/03/2011 – Lesões encerradas.

 

Caso 4 – Sra. E. S.

Mulher de 77 anos, com duas úlceras na face interna da perna esquerda, a realizar tratamento há 11 anos. Os antecedentes pessoais relevantes são insuficiência venosa, hipertensão arterial e dislipidémia. Destacam-se, também, como antecedentes familiares trombose venosa profunda na mãe e úlcera de perna no pai. Durante os anos de tratamento foram utilizados incontáveis tipos de apósitos, sendo o último a hidrofibra com prata. A 24/01/2011, quando iniciou tratamento com mel, a lesão proximal apresentava tecido de granulação e desvitalizado e a lesão distal essencialmente tecido desvitalizado, pele perilesional ruborizada, o exsudado era seroso em pequena quantidade e sem odor.

Tratamento implementado

Limpeza com solução salina e aplicação de apósito de alginato não aderente impregnado com mel medicinal de manuka. Foi mantida a terapia compressiva com ligaduras de curta-tracção. Ao fim de doze semanas com este tratamento, a lesão proximal encontrava-se encerrada e a lesão distal com aproximadamente metade do tamanho. (Figuras 13 a 16)

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Figura 13 – 24/01/2011 – Dimensões: (1) 1,5×1,5cm; (2) 1,5x1cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 4.

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Figura 14 – 07/02/2011 – Dimensões: (1) 1,2x1cm; (2) 1,6×0,6cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 4.

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Figura 15 – 24/03/2011 – Dimensões: (1) encerrada; (2) 1,7×0,4cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 3.

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Figura 16 – 11/04/2011 – Dimensões: (1) encerrada; (2) 1×0,4cm. Exsudado seroso em pequena quantidade. Dor: 3.

Considerações finais

Os casos apresentados, embora distintos, evoluíram favoravelmente podendo constatar-se que o mel apresenta, globalmente, propriedades vantajosas para a resolução de feridas com diferentes características. A rápida cicatrização foi uma surpresa positiva, principalmente no segundo caso onde se verificou o encerramento em 10 semanas de uma lesão com quase três anos de evolução.

O apósito hidroactivo em poliuretano com 30% de mel medicinal revelou uma rápida acção desbridante e redução da dor no local da ferida. Porém, a sua humidade excessiva, bem como o tipo de adesivo foram prejudiciais para a pele perilesional, ainda que tenha sido aplicado um spray protector cutâneo. O apósito de alginato não aderente impregnado com mel medicinal de manuka teve uma boa resposta nos vários tipos de tecido, levando a uma rápida cicatrização. Infelizmente verificou-se um aumento da dor no leito da ferida em dois dos casos, no momento da mudança do apósito. Torna-se, assim, fundamental escolher o tipo de apósito em conformidade com as características das feridas, para que se possa optimizar o tratamento com o mínimo de efeitos adversos.

Um processo cicatricial mais rápido acarreta benefícios para o utente devolvendo-lhe autonomia e qualidade de vida e, também, para a Instituição de Saúde através da diminuição dos gastos em recursos materiais e humanos. Os apósitos com mel devem, portanto, ser considerados como opção, particularmente nas feridas multitratadas.

No futuro será importante a realização de mais ensaios clínicos com grupos de controlo e amostras significativas, de modo a validar as vantagens e desvantagens no uso de mel nos diferentes tipos de ferida, comparativamente a outros apósitos usados como tratamento de primeira linha. Embora existam indícios de que o mel possa desempenhar um papel importante na eliminação e prevenção da formação de biofilmes é necessária maior investigação sobre este problema particularmente importante e de difícil solução.

Referências bibliográficas

Cooper, R., Molan, P., White, R. (2009). Honey in Modern Wound Management. Malta: Wounds UK.

Molan, P. C. (2011). The evidence and the rationale for the use of honey as a wound dressing. Wound Practice and Research 19(4), 204–220.

Seckam, A., & Cooper R. (2013). Understanding how honey impacts on wounds: an update on recent research findings. Wounds International , 4 (1), 20-24.

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Out 4, 2013

Efeito da estimulação cognitiva na sintomatologia depressiva e qualidade de vida de idosos.

The effect of cognitive stimulation on depressive symptomatology and quality of life of elderly people.

Efecto de la estimulación cognitiva en la sintomatologia depressiva y calidad de vida de ancianos.

Autores: João Apóstolo1; Anabela Carvalho2; Cátia Tavares3; Daniela Cardoso4; Maria Carvalho5; Tiago Baptista6.

1: Enfermeiro, PhD, Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, UICISA:E. apostolo@esenfc.pt

2, 3, 5 e 6: Enfermeiros, colaboradores da UICISA:E – Unidade de Investigação em Ciências da Saúde. Enfermagem. anabela-carvalho@live.com.pt; catialtavares@hotmail.com; mariacarvalho15@gmail.com; t_batista@sapo.pt

4: Enfermeira, Research Grant Holder Portugal Centre for Evidence-Based Practice: an Affiliate Centre of the Joanna Briggs Institute (UICISA:E), Portugal. dcardoso@esenfc.pt

Corresponding author: Rua José Alberto Reis – Coimbra – Apartado 7001, 3046-851 Coimbra – Portugal, apostolo@esenfc.pt, 239 487 217

Resumo

Objetivo: avaliar o efeito da estimulação cognitiva (EC) na sintomatologia depressiva e na qualidade de vida (QdV) de idosos residentes na comunidade na região centro de Portugal.

Métodos: Estudo de natureza quase-experimental, pré-teste e pós-teste, sem grupo de controlo, em 33 idosos (idade média 74,45, DP 6,97 anos). Utilizadas a escala de depressão geriátrica (GDS-15) e EUROHIS-QOL-8. Os idosos, em 2012, foram sujeitos a 14 sessões de estimulação cognitiva (programa “Fazer a diferença”), de 45 a 60 minutos cada, 2 vezes por semana, durante 7 semanas.

Resultados: A avaliação realizada no pré-teste permitiu classificar 27,30% dos idosos com perturbação depressiva, valor que reduziu para 15,20% no pós-teste. Adicionalmente 60,61% dos idosos melhoraram a sintomatologia depressiva. A diferença de médias da GDS-15 do pré para o pós-teste foi de -1,64. Esta diferença é evidente nos indivíduos com escolaridade igual ou superior a 5 anos. Apesar de 60,61% percecionarem uma melhor QdV após a intervenção, os resultados não permitem afirmar sobre a eficácia da EC nesta variável.

Conclusões: É possível concluir que a EC é eficaz na melhoria da sintomatologia depressiva, especificamente nos idosos com escolaridade superior a 5 anos. Sugerem-se novos estudos randomizados controlados, com amostras de maior dimensão, com manutenção e follow-up em que sejam estudadas as diferenças em função de variáveis sociodemográficas reforçando e clarificando estes resultados. Não obstante, aconselha-se a implementação da EC como componente do cuidado a idosos.

Palavras-chave: Estimulação cognitiva; Idoso; Idoso de 80 Anos ou mais Depressão; Qualidade de vida

Abstract

Aim: to evaluate the effect of cognitive stimulation (CS) in depressive symptomatology and quality of life (QoL) community elderly residents in the central region of Portugal.

Methods: Quasi-experimental study with pre- and post-test, without a control group, in 33 elders (mean age of 74.45, SD 6.97). The Geriatric depression scale-15 and EUROHIS-QOL-8 were used. The elders, in 2012, were subjected to 14 sessions of cognitive stimulation (“Making a difference” program), 45 to 60 minutes each, twice a week for 7 weeks.

Results: The assessment in pre-test allowed classifying 27.30% of elderly with depressive disorder, a figure which fell to 15.20% in the post-test. Additionally, 60.61% of the elderly improved depressive symptoms. The mean difference of the GDS-15 from pre to post-test was -1.64. This difference is evident in individuals with education less than 5 years. Although 60.61% perceive better QoL after intervention results do not allow stating the effectiveness of EC this variable.

Conclusions: It is possible to conclude that the CS is effective in improving depressive symptomatology which is evident in individuals with education superior to 5 years. We suggest new randomized controlled trials with larger samples, maintenance and follow-up in which the differences are studied as a function of sociodemographic variables strengthening and clarifying these results. Nevertheless, we recommend the implementation of the CS as a component of elderly care.

Keywords: Cognitive stimulation; Aged; Aged, 80 and over; Depression; Quality of life.

Introdução

Portugal, em conformidade com outros países industrializados e desenvolvidos, apresenta uma população envelhecida decorrente do aumento da esperança média de vida.

A sintomatologia depressiva é comum entre os idosos mas é frequentemente não diagnosticada ou não tratada. Diferentes números de prevalência são relatados na literatura internacional. Em Portugal, os resultados são escassos, mas um estudo piloto revelou que 54,79% dos idosos residentes na comunidade apresentavam perturbação depressiva – Geriatric Depression Scale-15>5 (Apóstolo, 2013).

A evidência revela que as pessoas com depressão têm maior risco de desenvolverem distúrbios cognitivos e demência (Rosness, Barca e Engedal, 2010) e que os idosos com perturbação depressiva apresentam maior incapacidade ao nível da memória verbal e visual, capacidade de execução e velocidade de processamento da informação, bem como atrofia cerebral, por exemplo no hipocampo, amígdala e córtex orbito frontal medial, associado a perdas cognitivas (Egger et al., 2008). Revela ainda que estes idosos são confrontados com um conjunto de consequências negativas, incluindo declínio funcional, perda de energia para realizar as atividades de vida diária, marcada incapacidade e fragilidade e diminuição da qualidade de vida (QdV) (Fiske, Wetherell & Gatz, 2009).

A QdV é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a perceção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (WHOQOL Group, 1994). É um conceito subjetivo dependente do nível sociocultural, da faixa etária e das aspirações pessoais do indivíduo. No estudo desenvolvido em 999 idosos do Reino Unido, as relações sociais e a saúde foram consideradas as áreas mais importantes para a QdV, sendo referidos ainda outros aspetos como o papel social, bem-estar, habitação, finanças e independência (Bowling et al., 2003).

Em consonância com a posição anterior, nos adultos mais velhos, tem sido relatada uma grande variedade de fatores relacionados com a QdV, incluindo sintomas depressivos, função física, saúde percebida, condições ambientais e idade (Halvorsrud et al., 2010). Os resultados do estudo destes autores revelaram que a QdV é pior nos idosos com sintomas depressivos.

Os resultados de Woods et al. (2006) evidenciam que a participação em atividades de estimulação cognitiva (EC) está associada a melhorias na QdV, em áreas funcionalmente relevantes, incluindo ganhos nas relações interpessoais, níveis de energia e habilidades para realizar tarefas. Mais ainda, as melhorias na pontuação de QdV foram mediadas pela melhoria da cognição. As mulheres e as pessoas com baixo valor basal de QdV beneficiam mais com a intervenção.

A EC pode representar uma potencial e promissora intervenção para a redução dos sintomas depressivos e da vulnerabilidade depressiva (Raes, Williams e Hermans, 2009; Niu et al., 2010). Os investigadores, apesar de reconhecerem que os efeitos neuroprotectores da EC na promoção da plasticidade cerebral e da reserva cognitiva são desconhecidos, não descartam a hipótese da promoção da neurogénese (La Rue, 2010).

Uma recentemente revisão sistemática da literatura revelou que um pequeno número de estudos evidenciou que a EC pode ser associada, entre outras, a melhorias na QdV e na comunicação dos idosos. No entanto os resultados não suportam a eficácia da EC no humor (Woods et al., 2012).

Outros estudos como o de Fernández-Prado et al. (2011) mostraram alterações significativas no grupo submetido a treino cognitivo, o que demonstra um melhor desempenho cognitivo e da perceção da QdV.

A EC permitirá maximizar as funções cognitivas intactas e os recursos das funções que, embora diminuídas, não estejam totalmente perdidas, de modo a prolongar a independência e a QdV do indivíduo (Mitchell  & Shiri-Feshki, 2009; Woods et al. 2012).

Assume-se que a EC possa ajudar a diminuir a sintomatologia depressiva presente nos idosos com carência de socialização, falta de participação de atividades sociais e físicas. A participação destes em atividades voltadas para a memória e para o exercício das funções cognitivas permitirá retardar o desenvolvimento da doença e/ou a produção de formas de adaptação às novas situações vivenciadas (Souza e Alvarengas, 2010).

Neste enquadramento, temos por objetivo avaliar o efeito da aplicação do Programa de Estimulação Cognitiva – “Fazer a Diferença” (PEC-FD) na sintomatologia depressiva e na QdV de idosos inseridos em coletividades e centros de dia e verificar a relação entre o estado mental e a sintomatologia depressiva.

Metodologia

Estudo Quase-experimental, com pré-teste e pós-teste.

Hipótese do estudo: Idosos residentes na comunidade submetidos ao programa de estimulação cognitiva “Fazer a Diferença” apresentam níveis de sintomatologia depressiva mais baixos e de QdV mais elevados.

Amostra: Idosos residentes na comunidade, selecionados em dois Centros de dia de carácter rural e numa coletividade de carácter urbano, do Concelho de Coimbra, Portugal. Nos Centros de Dia foram selecionados todos os indivíduos que o frequentam. Na coletividade foram abertas, publicamente, inscrições para a participação no PEC-FD. Apesar de a amostra ser não probabilística, estes locais estão inseridos em contexto rural, semi-rural e urbano da região centro de Portugal, garantindo um painel representativo da população.

Características da Amostra

A análise de poder feito à priori determinou um tamanho de amostra de 31 sujeitos. Devido ao atrito foram selecionados 45 idosos (38 mulheres e 7 homens) segundo os seguintes critérios de inclusão: reformados, idade superior a 60 anos e capacidade para participar em atividades de grupo durante pelo menos 45 minutos. A média de idades dos participantes foi de 75,29 anos (mínimo 63 e máximo 92) DP de 7,64 anos.

Por apresentarem mais de três faltas ao programa ou não concluírem a avaliação do pós-teste não foram incluídos na análise 12 indivíduos (11 mulheres e 1 homem). Os 33 participantes incluídos na análise apresentavam as seguintes características: 27 mulheres e 6 homens; média de idade de 74,45 anos (mínimo 63 e máximo 87) e DP 6,97 anos. Os diferentes níveis de escolaridade nos três locais distribuem-se da seguinte forma: na Coletividade, 41,67% tinham 4 ou menos anos de escolaridade; 29,17% de 5 a 9 anos; 12,50% de 10 a 12 anos e 16,67% completaram o ensino superior. No Centro de Dia A, 85,71% tinham 0 a 4 anos e 14,29% apresentavam escolaridade superior. Já, no Centro de Dia B, a totalidade da população (100%) tinha 4 ou menos anos de escolaridade.

Os participantes selecionados na comunidade, antes e durante a aplicação do PEC-FD, participaram em outras atividades recreativas e de lazer, nomeadamente, Ginástica, Yoga, Chi Kung, Hidroginástica, Natação e Canto coral.

Instrumentos de Avaliação

No contexto destes resultados, o instrumento de colheita de dados é composto pelas versões portuguesas das escalas Geriatric Depression Scale-15 (GDS-15), EUROHIS-QOL-8 e por questões sobre história prévia de sintomatologia depressiva e utilização de medicação antidepressiva.

Geriatric Depression Scale – 15 (GDS-15): é uma versão curta da escala original que foi elaborada por Sheikh e Yesavage (1986), versão portuguesa (Apóstolo, 2011). É uma escala de heteroavaliação composta por quinze itens, com duas alternativas de resposta (sim ou não – itens 1, 5, 7, 11 e 13 são invertidos) consoante o modo como a pessoa se tem sentido ultimamente, em especial na última semana. É calculado um score global e uma pontuação superior a 5 pontos indica a existência de perturbação depressiva (Cavaleiro et al., 2013).

Na amostra em estudo a GDS-15 revelou consistência interna aceitável (Alfa de Cronbach de 0,78 e 0,79 no pré e pós-teste, respetivamente).

EUROHIS-QOL-8 (Power, 2003) versão portuguesa (Pereira et al., 2011) é uma medida de QdV composta por oito itens, e desenvolvida a partir dos instrumentos genéricos WHOQOL-100 e WHOQOL-Bref. Cada um dos domínios (físico, psicológico, das relações sociais e ambiente) encontra-se representado por dois itens. O resultado é um índice global, calculado a partir do somatório dos oito itens, sendo que a um valor mais elevado corresponde uma melhor perceção da QdV. Todas as escalas de resposta têm um formato de cinco pontos, variando, por exemplo, entre “Nada” e “Completamente” (Pereira et al., 2011).

Na amostra do estudo que apresentamos a EUROHIS-QOL-8 apresentou valores de alfa de Cronbach de 0,74 e 0,76 no pré e pós-teste respetivamente.

Intervenção

O programa de EC “Making a Difference: An Evidence-based Group Programme to Offer Cognitive Stimulation Therapy (CST) to People with Dementia” (Spector, et al. 2006), adaptado para português por Apóstolo e Cardoso (2013) foi usado como intervenção de EC.

O programa foi aplicado ao longo de sete semanas, de Maio a Junho de 2012, com duas sessões semanais de cerca de 45 a 60 minutos cada, ocorrendo em locais adequados. As sessões foram organizadas e geridas pelos autores em cinco grupos de seis a oito idosos.

Os temas principais das 14 sessões foram: 1ª Jogos físicos; 2ª Sons, 3ª Infância; 4ª Alimentação; 5ª Questões atuais; 6ª Retratos/Cenários; 7ª Associação de palavras; 8ª Ser Criativo; 9ª Classificação de objetos; 10ª Orientação; 11ª Usar o dinheiro; 12ª Jogos com números; 13ª Jogos com palavras; 14ª Jogos de equipa (Quiz).

Análise Estatística

Para verificar os pressupostos para a utilização de testes paramétricos, utilizámos o teste Kolmogorov-Smirnov, assumindo que a variável em questão segue distribuição normal na população. As medidas estatísticas utilizadas foram o teste t para amostras emparelhadas bem como estatísticas descritivas de resumo (média e desvio padrão) e frequências absolutas e relativas. Foi ainda utilizado o teste de Wilcoxon para comparar a evolução dos sujeitos em relação à escolaridade, uma vez que o tamanho da amostra por grupo é reduzido.

Procedimentos Éticos

O projeto foi aprovado pelas instituições e pela Comissão de Ética da Unidade Investigação em Ciências da Saúde – Enfermagem, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (Ref. Nº P12-11/2010).

Cumpridos os princípios éticos subjacentes e pedido consentimento informado por escrito.

Resultados

A avaliação diagnóstica, realizada no pré-teste, permitiu verificar que 45,45% afirmaram história prévia de depressão e 39,39% afirmaram tomar medicação antidepressiva. Durante as sete semanas em que durou a aplicação do programa não houve alteração da terapêutica antidepressiva.

A avaliação realizada no pré e no pós-teste 27,30% e 15,20% dos idosos, respetivamente, apresentavam sintomatologia depressiva (GDS-15>5) verificando-se, portanto, uma melhoria da condição clínica dos idosos com a aplicação do programa.

Os dados apresentados na tabela 1 resultam dos testes de hipótese das variáveis sintomatologia depressiva e QdV. São expostos os valores da média e desvio padrão avaliados no pré-teste (t1) e pós-teste (t2) bem como a análise da evolução, com recurso aos valores obtidos nos testes t para amostras emparelhadas.

A diferença de médias, avaliadas em t1 e t2 evidência que o programa foi eficaz em relação à sintomatologia depressiva (diferença de médias da GDS-15 foi de -1,64), mas não há evidência dessa eficácia na melhoria da QdV percebida.

[Inserir Tabela 1]

Efetuámos, ainda, uma análise mais detalhada com o objetivo de observar o efeito, no sentido clínico, da estimulação cognitiva nas variáveis em causa (tabela 2).

No respeitante à sintomatologia depressiva é possível verificar que 60,61% dos indivíduos evoluíram positivamente, 21,21% evoluíram negativamente e 18,18% não sofreram qualquer evolução. Relativamente à QdV verifica-se que 60,61% dos indivíduos evoluíram positivamente, 30,30% evoluíram negativamente e 9,09% não sofreram qualquer evolução.

[Inserir Tabela 2]

Não obstante o reduzido número de sujeitos em cada grupo analisámos, ainda, a evolução da sintomatologia depressiva e da QdV em função da escolaridade.

Na tabela 3, é possível verificar, que só em relação aos indivíduos com escolaridade superior ou igual a cinco anos há evidência da eficácia da intervenção na sintomatologia depressiva.

Examinando a evolução dos casos, no que diz respeito à variável sintomatologia depressiva apresentaram uma evolução positiva 59,09% dos idosos com escolaridade igual ou inferior a 4 anos e 63,64% dos idosos com escolaridade igual ou superior a 5 anos. No respeitante à QdV apresentaram uma evolução positiva 54,55% dos idosos com escolaridade igual ou inferior a 4 anos e 72,73% dos idosos com escolaridade igual ou superior a 5 anos.

[Inserir Tabela 3]

Discussão

Algumas limitações deste estudo carecem de ser referenciadas e discutidas. A amostra é não probabilística, mas apesar desta fragilidade, os locais selecionados estão inseridos em contexto rural, semi-rural e urbano da região centro de Portugal, garantindo um painel representativo da população. A perda de 12 elementos da amostra e a diferença nas características dos idosos dos três locais alvo do estudo podem constituir fragilidade nesta investigação. Ainda, como limitação, é de referir a falta de homogeneidade da amostra relativamente ao sexo (amostra maioritariamente feminina). A falta de grupo de controlo que permitiria um estudo randomizado controlado teria também acrescentado robustez ao estudo.

É ainda de considerar o reduzido número de sujeitos por grupo de escolaridade fazendo com os resultados decorrentes desta análise deva ser lida no contexto desta fragilidade. Assim há necessidade de mais investigação comparando a eficácia do programa em função da escolaridade dos indivíduos, bem como de outras variáveis sociodemográficas, como o sexo, o estado civil ou suporte social dos idosos. De facto, os fatores de risco para perturbação depressiva nos idosos são, entre outros, o sexo feminino, a baixa escolaridade, estado civil (divorciado ou viúvo) e fraca rede social (Luppa et al., 2012).

Em relação ao objetivo e à hipótese do estudo, os resultados sugerem que há diferença nos valores do pré e pós-teste na avaliação realizada com a GDS (a diferença de médias da GDS-15 foi de -1,64; 60,61% dos indivíduos evoluíram positivamente). A avaliação realizada no pré-teste permitiu classificar 27,30% dos idosos com perturbação depressiva, valor mais baixo do revelado pelo estudo de Apóstolo (2013) já referido na introdução.

A evidência não permite afirmar sobre a eficácia da intervenção na QdV percebida. No entanto não se deve menosprezar os resultados obtidos, já que 60,61% percecionam uma melhor QdV. Adicionalmente, a melhoria da QdV percebida é maior nos que têm escolaridade igual ou superior a 5 anos.

Como já foi referido na parte introdutória deste artigo os estudos apresentam ainda algumas lacunas sobre a eficácia da EC quer no humor, quer na QdV pelo que são necessários mais estudos. A recentemente revisão sistemática da literatura que sintetiza a evidência nesta temática revelou, num pequeno número de estudos, que a EC pode ser associada a melhorias na QdV e na comunicação dos idosos. No entanto os resultados não suportam a eficácia da EC no humor (Woods et al., 2012).

Outros estudos, não incluídos naquela revisão, como o de Almeida et al. (2010), com idosos residentes na comunidade, evidencia que os idosos que participam de grupos de convivência apresentam melhor QdV e menor ocorrência de depressão quando comparados a idosos que não participam de grupos de terceira idade. Ainda, os resultados de Fernández-Prado et al. (2011) revelaram a eficácia da EC na perceção da QdV.

Os aspetos mais valorizados pelos idosos responsáveis pela QdV dos idosos estão relacionados com as suas relações sociais e a saúde. Analisando o conteúdo das atividades proporcionadas pelo PEC-FD pensamos que é nestes aspetos que mais poderá haver mudanças significativas nos grupos e indivíduos que neles participam.

De facto, a nossa avaliação da implementação do programa ao logo das 14 sessões permite-nos concluir sobre o êxito que tem nos participantes. Este deve-se à interação do grupo, ao desenvolvimento de relações pessoais positivas entre os participantes e à dimensão lúdica proporcionada pelas atividades, que ao mesmo tempo permitem a estimulação das diferentes funções cognitivas (memória, linguagem, praxia, gnosia e função executiva). Estas atividades lúdicas e de interação do grupo podem ajudar a substituir os processos de pensamento negativo, característicos de sintomas depressivos, por um estilo cognitivo mais positivo, como é apoiado por Apóstolo (2010).

Conclusão

É possível concluir que a EC é eficaz na melhoria da sintomatologia depressiva o que é evidente nos indivíduos com escolaridade mais elevada. (diferença de médias da GDS-15 foi de -1,64; 60,61% dos indivíduos evoluíram positivamente).

Apesar de não ser evidente que a EC é eficaz na QdV, 60,61% dos mesmos evoluíram positivamente na QdV percebida.

Face a estes resultados sugerimos o desenvolvimento de novas investigações que invistam na compreensão da diferença de resultados obtidos, como já referido na discussão, utilizando amostras homogenias, de maior tamanho para que se possam estudar as diferenças em função das variáveis sociodemográficas referidas e aumentar a validade externa do estudo.

Não obstante as limitações apresentadas, o desenvolvimento deste estudo proporciona a abertura de novas vertentes de investigação acerca desta problemática, que é diminuta em Portugal, possibilitando que novos dados beneficiem o impacto sobre a prática clínica, assumindo por base a evidência nacional e o confronto dos resultados nacionais com os internacionais.

Do mesmo modo, em próximos trabalhos, será apresentada a aplicação do PEC-FD seguido de manutenção.

 

Referências bibliográficas

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Tabelas

Tabela 1 – Evolução da sintomatologia depressiva e da QdV nos idosos em função da intervenção.

Variável

Tempos

Evolução

Pré-teste (t1)

Pós-teste (t2)

Sintomatologia depressiva

s

s

t = 3,072; p = 0,004

4,52

3,13

2,88

2,80

QdV

28,73

3,89

29,42

3,61

t = -1,459; p = 0,154

Tabela 2 – Evolução dos indivíduos em relação à sintomatologia depressiva e à QdV em função da intervenção

Evolução

Variáveis

Evolução positiva

Evolução negativa

Sem evolução

Total

Sintomatologia depressiva

20

7

6

33

QdV

20

10

3

33

Tabela 3 – Evolução comparativa, por escolaridade, na sintomatologia depressiva e na QdV em função da intervenção.

Evolução

Evolução positiva

Evolução negativa

Sem evolução

Total

z

p

Variáveis

Escolaridade

Sintomatologia depressiva

≤ 4 anos

13

6

3

22

-1,747

0,081

≥ 5 anos

7

1

3

11

-2,254

0,024

QdV

≤ 4 anos

12

8

2

22

-0,563

0,574

≥ 5 anos

8

2

1

11

-1,812

0,070

 Artigo6-revista julho2013

 DECLARAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DE AUTOR E DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Segundo o critério de autoria do International Committee of Medical Journal Editors, os autores contribuíram para o manuscrito nos seguintes termos:

João Apóstolo – Contribuí substancialmente para a concepção e planeamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho e da revisão crítica do conteúdo; participei da aprovação da versão final do manuscrito.

(João Luís Alves Apóstolo)

Anabela Carvalho – Contribuí substancialmente para a concepção e planeamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho e da revisão crítica do conteúdo; participei da aprovação da versão final do manuscrito.

(Anabela Cristina Sequeira Fernandes de Carvalho)

Cátia Tavares – Contribuí substancialmente para a concepção e planeamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho e da revisão crítica do conteúdo; participei da aprovação da versão final do manuscrito.

(Cátia Vanessa Lameirinhas Batista Tavares)

Daniela Cardoso – Contribuí substancialmente para a concepção e planeamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho e da revisão crítica do conteúdo; participei da aprovação da versão final do manuscrito.

(Daniela Filipa Batista Cardoso)

Maria Carvalho – Contribuí substancialmente para a concepção e planeamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho e da revisão crítica do conteúdo; participei da aprovação da versão final do manuscrito.

(Maria João da Conceição Carvalho)

Tiago Baptista – Contribuí substancialmente para a concepção e planeamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho e da revisão crítica do conteúdo; participei da aprovação da versão final do manuscrito.

(Tiago Miguel Dias Batista)

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Out 4, 2013

 “Prestação de cuidados a netos e suas implicações na Qualidade de Vida dos Avós”

Provision of care for grandchildren and their implications on Quality of Life of Grandparents”

“Cuidar a los nietos y sus implicaciones en la Calidad de Vida de los abuelos”

Orlanda EsperançaI, Manuela LeiteII, Prazeres GonçalvesIII

 

 


I Masters Program in Psychogerontologist, Institute of Health Science/CESPU, Gandra, Portugal

II PhD, Psychology Department, Investigation Unit of Psychology and Health (UniPSA), Investigation Center of Health Science (CICS), Institute of Health Science/CESPU, Gandra, Portugal

III PhD, Science Department, Investigation Unit of Psychology and Health (UniPSA), Investigation Center of Health Science (CICS), Institute of Health Science/CESPU, Gandra, Portugal

 

 

 

Correspondence:

Orlanda Esperança

Rua Central de Vandoma, nº. 269

4585-772 Vandoma – Paredes

E-mail: orlandafesp@hotmail.com

 

Conflict of interest: There is no conflict of interest to report by any of the author

ABSTRACT

OBJECTIVES: The main aim was based on the analysis of the impact of caring for grandchildren on Grandparents’ Quality of Life.

METHODS: Two research protocols were implemented to 300 individuals. The A protocol to the CG (N = 150) and B to NCG (N = 150). Both were composed by the scale of the Quality of Life “WHOQOL-Bref”, and the A contemplated also the quiz “Caregivers Grandparents ”. The sample was collected in the northern region of the country.

RESULTS: The CG show high satisfaction towards the care provided (M = 3.38), a good relationship with the grandchild’s parents (M = 2.60), and Family Functioning (M = 2.54). It is highlighted the Leisure Activities (M = 2.47) for its higher value concerning the tasks of care. Grandparents’ age correlates negatively, poorly and significantly with the Basic Care (p <.001) and Instrumental (p <.001). Grandchildren’s age also correlates statistically in a negative and significant way with Basic Care (p = .001), the Satisfaction with Care (p = .012), and Family Functioning (p = .008). Concerning the QL, the CG show better QL when compared with the NCG, not only totally (p = .001) but also in the following dimensions: Environment (p = .013), Physics (p = .001), Social Relationships (p <.001), Psychological (p = .024). In general, the several dimensions of the WHOQOL-Bref and of the questionnaire Caregivers Grandparents, show positive correlations, and statistically significant with the: Study Support (p = .003), Leisure activities (p <.001), Relationship grandchild’s parents (p = .044), and Family Functioning (p <.001).  In contrast, were verified negative, weak and significant correlations with the Difficulties in Care (p <.001), and with the Health Problems (p <.001), which tend to decrease.

CONCLUSION: Taking care of grandchildren seems to play a positive role in the Caregivers Grandparents’ QL, it gives them a sense of usefulness and continuity.

KEYWORDS: Grandparents, grandchildren, health, quality of life.

RESUMO

OBJETIVOS: O principal objetivo consistiu na análise das repercussões da prestação de cuidados a netos, na Qualidade de Vida dos avós.

MÉTODO: Foram aplicados, dois protocolos de investigação a 300 indivíduos. O protocolo A aos AC (N=150) e o B aos ANC (N= 150). Ambos eram compostos pela escala da Qualidade de Vida “WHOQOL- Bref”, e o A contemplava ainda o questionário “Avós/Avôs Cuidadores”. A amostra foi recolhida na região Norte do país.

RESULTADOS: Os AC apresentam uma elevada Satisfação nos cuidados prestados (M=3.38), um bom Relacionamento com os pais do Neto (M=2.60), e Funcionamento Familiar (M=2.54). Destacam-se as Atividades de Ócio (M=2.47) pelo valor mais elevado nas tarefas de cuidados. A idade dos Avós correlaciona-se de forma negativa, fraca e significativa com os Cuidados Básicos (p<.001) e Instrumentais (p<.001). A idade dos netos também se correlaciona de forma negativa e estatisticamente significativa com os Cuidados Básicos (p=.001), a Satisfação para com os Cuidados (p=.012), e Funcionamento Familiar (p=.008). No que diz respeito à QV, os AC apresentam melhor QV comparativamente com os ANC, quer total (p=.001),  quer nas várias dimensões: Meio Ambiente (p=.013), Física (p=.001), Relações Sociais (p<.001), Psicológica (p=.024). De forma geral, as várias dimensões do WHOQOL- Bref e do questionário Avós/Avôs Cuidadores, demonstram correlações positivas, e estatisticamente significativas com: Apoio no Estudo (p=.003), Atividades de Ócio (p<.001), Relacionamento Pais do neto (p=.044), e Funcionamento Familiar (p<.001). Por oposição, constataram-se correlações negativas, fracas e significativas com as Dificuldades nos Cuidados (p<.001), e com os Problemas de Saúde (p<.001), na medida em que tendem a diminuir.

CONCLUSÃO: A prestação de cuidados a netos parece desempenhar um papel positivo na QV dos avós cuidadores, proporciona-lhes um sentimento de utilidade e continuidade

PALAVRAS-CHAVE: Avós, netos, cuidados, qualidade de vida.

Introdução:

Os progressos alcançados pelo desenvolvimento em geral, e pelas ciências da saúde em particular, são os responsáveis pelas atuais tendências demográficas. Nas últimas décadas, o aumento da esperança de vida, associada a uma diminuição da taxa de natalidade, tem conduzido ao envelhecimento da população (DGS, 2006).

Com o aumento significativo da esperança média de vida, é cada vez mais comum a coexistência de várias gerações de uma mesma família, pais, filhos, avós e até mesmo famílias onde há bisavós (Castiello, Villarejo & Truchado, 2007). Desta forma, as oportunidades de interação e manutenção da relação avós netos [RAN] aumentaram (Triadó, Martinez & Villar, 2000). Tal como nos referem Dias, Costa e Rangel (2005): «…a maior expetativa de vida do ser humano tornou possível a convivência entre avós e netos por um longo período, o que não ocorria há algumas décadas atrás. Existe, inclusive, a possibilidade da convivência com a quarta geração, a dos bisavós…» ( p. 159).

A vivência dos avós enquanto tema de investigação, emergiu na década 40 e 50, aumentando consideravelmente na década 80 (Smith, 1991). Segundo Gratton e Haber (1996), este interesse deve-se: ao aumento da esperança média de vida, ás novas estruturas familiares, à participação da mulher no mercado de trabalho, que levam à necessidade de encontrar espaços de supervisão para os seus filhos, sendo os avós uma das alternativas possíveis (Dias & Silva, 1999). Estes fatores, conduziram a alterações nas estruturas familiares, através da verticalização familiar, possibilitando a convivência de mais gerações num mesmo ambiente e espaço (Triadó, 2005), repercutindo-se no envolvimento e participação dos avós na vida familiar (Dias, Costa, & Rangel, 2005), e nas relações entre avós, pais e netos nas situações de cuidado e educação das crianças (Dias, Hora, & Aguiar, 2010).

Por sua vez, estas mudanças conduziram a transformações profundas na forma como se vê o papel dos avós, sentindo-se a necessidade de redefinir e reajustar, os diversos papéis no seio da família (Osuna, 2006). Nunca os avós foram tão jovens e ativos, encontrando-se muitas das vezes ainda integrados no mercado de trabalho, acarretando uma sobreposição de papéis e responsabilidades para estes avós. Estes estão mais presentes na vida dos netos, pela possibilidade de acompanhamento nas várias fases do seu ciclo desenvolvimental, desde o seu nascimento, infância, adolescência, até à idade adulta (Ferland, 2006; Triadó, 2005).

Tornar-se avô/avó, é cada vez mais uma experiência da meia-idade, e não apenas dos mais velhos (Szinovacz, 1998). Isto representa uma transformação na imagem estereotipada dos avós, coligada à idade avançada e saúde precária. Estes deixam de ser vistos como passivos, debilitados e pouco disponíveis, passando a ser considerados elementos ativos (Pinazo, 1999), constituindo uma fonte de produção de bens ou serviços: voluntários como cuidar dos netos e remunerada através de trabalho sénior (Rozario, Morrow & Hinterlong, 2004). Ao cuidar dos netos, permitem maior disponibilidade e otimização do desempenho profissional aos filhos. Para além disso, a sua “jovialidade”, proporciona-lhes um maior contexto relacional (Castro, 1998).

São várias as investigações, que têm salientado duplo contributo dos avós no desenvolvimento dos netos: direto enquanto parceiros interativos, prestadores de cuidados primários e apoio emocional, confidentes, companheiros, transmissores do legado familiar e nacional, fornecedores de estimulação cognitiva e afetiva; e indireto enquanto fontes de apoio social e material aos pais dos netos (Creasey & Koblewski, 1991; Hamm & Milan, 2003; Smith, 1995; Tinsley & Parke, 1987; Tomlin, 1998). São ainda considerados, veículos de transmissão intergeracional de competências parentais (Smith, 1995).

Os papéis assumidos pelos avós, tendem a ser diferentes dos desempenhados pelos pais, geralmente associados à função de educadores (Castro & Ruschel, 1998). Os avós, podem desempenhar um papel mais tolerante, assumindo uma posição única que lhes permite dar amor, conselhos e ser companheiro (Hamm & Milan, 2003). É esta possibilidade de acompanhamento dos netos, isenta de responsabilidades parentais, que torna indubitavelmente o estatuto dos avós tão especial (Ferland, 2006).

Para os avós, os netos são objeto de um amor incomensurável, e fonte de renovação de si mesmos e da família, representando uma oportunidade de fazer tudo o que não se pôde fazer com os próprios filhos (Ferland, 2006). Para além disso, o vínculo com os netos tende a ser idealizado, servindo como uma defesa contra as aflições perante a morte inevitável. É a oportunidade de reparar a própria vida através da imortalidade genética por meio de uma identificação seletiva das qualidades dos netos (Colarusso,1990).

Os avós da contemporaneidade, são mais ativos e saudáveis que os predecessores, assumem novos papéis, muito além de demandas voltadas para o processo de envelhecimento (Sampaio, 2008). Espera-se que sejam os principais agentes socializadores das crianças, precedido dos pais, tendo em consideração que a transformação das mesmas num ser social, constitui uma tarefa familiar (Gomes, 1994). É claro que a proximidade geográfica entre os pais e os avós, facilita este processo (Dias & Silva, 2003).

Além da função socializadora, os avós são fonte de apoio emocional e instrumental (Araújo & Dias, 2002), sobretudo das crianças em idade escolar, assumindo muitas vezes, papeis vinculados ao acompanhamento dos netos na escola na ausência dos pais. Não obstante, a casa dos avós constitui um espaço para a construção, e a vivência das relações de amizade, cumplicidade, afeto e brincadeira (Barros, 1987).

Segundo Barranti (1985), a relação dos avós com os netos está associada a um papel caloroso e amigável, caracterizado pela gratuidade de atenção amor e carinho. A criança que convive e dialoga com os avós, aprende a valorizar a sua cultura e os valores, tendo em consideração o contínuo entre o processo de viver e envelhecer (Mendes, 2004).

Nas trocas geracionais, os avós atuais têm características diferentes das gerações anteriores, sendo os avós mais jovens tendencialmente mais divertidos e participativos. Os mais velhos, para além de se revelarem mais distantes, reclamam ajuda por parte dos netos (Pinazo, 1999).

Efetivamente não se pode escolher o momento em que se será avó, mas pode-se escolher o tipo de relação que se deseja estabelecer com os netos. Tal dependerá de fatores como a relevância do papel de avó/ avô no seu sentido de identidade, ou seja, a necessidade de se ser relembrado no futuro; a necessidade de dar continuidade geracional à família; o valor que atribui ao facto de lhe ser permitido participar na educação dos netos e pela importância atribuída ao reviver experiências de vida passadas (Ferland, 2006).

Tendo por base estes pressupostos Osuna (2006), considera a existência de quatro estilos de avós, que variam ao longo da vida e diferem entre si, segundo cada neto. São elas: (1) a permissiva – que se preocupam em fazer o que é moralmente correto com seus netos, mimando-os e sendo tolerantes; (2) a simbólica – preocupa-se em fazer o que é moralmente correto; (3) a individualista – vê nos netos o caminho para se manter ou converter em solitária; e (4) a tirana – coloca ênfase no aspeto da relação em ser avó-general.

Para Neugarten e Weinstein (1964), os avós podem ser categorizados como: (1) Formais: os que apresentam um comportamento rígido, tradicional e autoritário; (2) Brincalhão: estilo relaxado e não autoritário na relação com os netos, percepcionando-os como fonte de prazer; (3) Substituto: os que assumem responsabilidades e os cuidados diários dos netos: (4) Reservatório de sabedoria: prestam informação sobre as raízes familiares e são os guardiões da história familiar; e (5) Distante: raramente vêem os netos, eventualmente em ocasiões como natal, aniversários, casamentos e funerais.

A dialética relacional entre avós e netos para Ferland (2006), assume diferentes contornos à medida que o desenvolvimento se produz, pelo que é imperativo entender os diferentes tipos de relacionamento numa perspectiva desenvolvimental. Á medida que a criança cresce a sua relação com os avós evolui. Nos primeiros anos de vida da criança (0 aos 5 anos), o laço afetivo entre avós-netos manifesta-se através de ternura e de afeto que se estabelece sobretudo durante o jogo e atividades quotidianas. O amor e afeto podem assumir diversas formas, e deixar recordações muito variadas na memória do neto. Dos 5 aos 12 anos, em idade escolar, a criança gosta de contar coisas sobre si e sente-se interessante quando os avós lhe dedicam o tempo necessário para a ouvirem. Neste período os seus interesses expandem-se, a criança é curiosa em relação ao que passa ao seu redor e tem uma sede de conhecimentos que procura satisfazer, podendo esta, ser satisfeita pelos avós. Contudo, dos 12 aos 18 anos, no mundo da adolescência e construção da sua personalidade, há um distanciamento dos pais por uma emancipação afetiva e financeira. As prioridades são dirigidas aos amigos, tendo menos tempo para os avós, podendo no entanto o adolescente, nomear um dos avós como confidente.

Salienta-se o facto de nem sempre a RAN, se pautar pelo regozijo e harmonia. Se por um lado, a presença das avós pode ser percebida como prazerosa e educativa, por outro, pode ser considerado como conflituosa, já que implica confronto de poder e autoridade pelas diferenças na conceção das práticas educativas exercidas pelos pais (Falcão & Salomão, 2005).

Também para os avós, nem sempre constitui fonte de prazer. A inserção da mulher no mercado do trabalho, e subsequentes reestruturações familiares, transformaram o caráter voluntário e esporádico do papel de alguns avós, em atos diários que envolve esforço físico, emocional e económico de forma significativa (Miguel, Palomares, & Blanco, 2012). Nestas circunstâncias, os avós são impelidos a assumirem a responsabilidade de criar e educar os netos, seja auxiliando os filhos em tarefas domésticas, seja substituindo-os na tarefa de educar e cuidar dos netos (Triadó, Villar, Solé, Osuma & Celdrán, 2006).

Por conseguinte, apesar do relacionamento intergeracional, e o prazer no papel de avó poderem ajudar a melhorar a qualidade de vida do idoso, compensando a vida solitária parece que na forma de estabelecimento da RAN, o grau de responsabilização no seu desenvolvimento e educação, poderão influir no nível de satisfação para com o desempenho do papel de avós e subsequentemente na sua qualidade de vida (Emick & Hayslip, 1999 in Veleda, Neves, Baisch, , Santos, & Soares, 2006).

OBJETIVOS

O principal objetivo, consistiu na análise das repercussões da prestação de cuidados a netos na Qualidade de Vida dos avós, tendo-se definido como objetivos específicos, a compreensão da frequência dos cuidados prestados aos netos, sentimentos, perceções, satisfação e dificuldades decorrentes dos mesmos.

MÉTODO

  • Amostra

Trata-se de uma mostra de conveniência, recolhida em vários pontos da região Norte do país. É constituída por 300 sujeitos, divididos em dois grupos, Grupo de avós que prestam cuidados aos netos – avós cuidadores (AC) (n=150), e o grupo de avós não cuidadores (ANC) (n=150). Como critério de inclusão, foi defenido para ambos os grupos, a condição de ser avô, sendo que no grupo AC a prestação de cuidados a um dos netos era condição obrigatória. Nos ANC, estes não podiam prestar cuidados de forma sistemática a nenhum dos netos no momento da recolha da amostra.

Na caracterização da amostra, verifica-se em ambos os grupos um predomínio do género feminino (AC 84.7%; ANC 56.7%), e da condição de casado (AC= 74.7%; ANC= 68%), precedido dos viúvos (AC= 16%; ANC= 21.3). No que concerne à idade, os AC apresentam uma média de 64.78 anos (DP=7.02), oscilando entre os 39 e os 77 anos. Análogamente, os ANC apresentam uma média de idades de 62.61 anos (DP=6.57; Min:45 anos, Max: 83 anos).

As habilitações literárias, revelaram que no grupo AC o grau de escolaridade é igual ou inferior a 6 anos (65.3%) com uma média de 6.10 anos (DP=3.94), e no grupo ANC a maioria apresenta um grau igual ou inferior a 5 anos (62.3%) com uma média de 4.84 anos (DP=3.74). Salienta-se o nível baixo de analfabetismo (AC=8%; ANC=10%).

Quanto ao estatuto ocupacional, a amostra é maioritariamente reformada   (AC= 40.70%;ANC= 42%), seguindo-se a condição de doméstica no grupo AC (25.3%), e trabalhadores a tempo inteiro no grupo ANC (30%). Note-se que no grupo AC (76.7%) não possuem uma atividade profissional. A análise do rendimento mensal familiar, revelou que o grupo AC aufere melhores rendimentos, comparativamente com o grupo ANC, tendo em consideração a percentagem de rendimentos inferiores a 300€ (AC=10%; ANC=19.3%), e superiores a 1200€ (AC=26.7%; ANC=16.7%).

No que concerne à avaliação subjetiva do seu estado de saúde, verifica-se no grupo AC que a maior parte dos sujeitos consideram ter uma saúde “regular” (48%), precedida de “boa” (35.3%) e “excelente” (11.3%). Apenas um número muito reduzido (4.7%) consideram o seu estado de saúde “mau”. Ao nível da “perceção comparativa do estado de saúde com pessoas da mesma idade” a maioria avalia a sua saúde como similar à saúde dos indivíduos da sua idade (78%), sendo que (17.3%), consideram-na superior.

Quanto à caracterização dos netos alvos de cuidados, 56% são do género feminino, com idades compreendidas entre 1 e 13 anos, representando uma média de idades 7.49 (DP= 3.2). A linhagem dos netos é predominantemente materna (58%).

  • Instrumentos

Como meio de operacionalização do presente estudo, e coerentemente com os objetivos e natureza da investigação, foram elaborados e aplicados dois protocolos de investigação: Protocolo A, direcionado aos AC, e Protocolo B para os ANC. Ambos os protocolos eram constituídos comummente pelo Consentimento Informado, o questionário Sociodemográfico e o WHOQOL – Bref, sendo que, o protocolo A contemplava ainda o questionário “Avós/avôs Cuidadores”.

O Questionário Sóciodemográfico (Esperança & Leite, 2010), permitiu a caracterização dos avós, sendo uma mais-valia para a análise das variâncias sociais e demográficas.

O Questionário da Qualidade de Vida – WHOQOL- Bref (Vaz Serra, Canavarro, Simões, Pereira, Gameiro & Quartilho, 2006), teve como objetivo avaliar a QV Total (máximo de 100 pontos), agrupada em quatro dimensões individualizadas: meio ambiente, física, psicológica, relações sociais. É composto por 24 facetas da QV, sendo que, cada uma das facetas consta numa descrição de um estado, comportamento, capacidade, perceção ou experiência subjetiva, que compõem os 4 domínios descritos. É constituído por 26 itens, sendo que, 24 itens conduzem à avaliação de uma dimensão específica da QV e os restantes 2 itens representam questões gerais (uma referente à avaliação global da QV e outra à satisfação com a saúde) que não são contabilizadas nos domínios. As respostas ao questionário são obtidas através da escala do tipo Likert, em que o participante indica a sua concordância ou discordância, pontuada de 1 a 5. O resultado de cada domínio é calculado com base na média dos resultados obtidos nas questões que constituem o instrumento.

O Questionário Avós/Avôs Cuidadores (Esperança & Leite, 2010), corresponde à versão portuguesa do questionário “Abuelos Cuidadores” (Triadó, Celdrán, Conde, Montoro, Pinazo & Villar, 2008).Trata-se de um instrumento que permite descrever e caraterizar os cuidados prestados por avós/avôs aos seus netos, através de várias dimensões (e.g. tipo de cuidados, intensidade, circunstâncias, satisfação, dificuldades, estado de saúde, ajudas nos cuidados prestados, funcionamento familiar, e comportamentos problemáticos do neto cuidado).

 Procedimento:

Para operacionalização do presente estudo, tomou-se em linha de conta determinados procedimentos, nomeadamente, a tradução e retroversão do questionário Abuelos Cuidadores para a língua portuguesa, a aplicação dos instrumentos, e por fim o tratamento estatístico dos dados recolhidos.

O processo de tradução e retroversão foi realizado em duas fases. Primeiramente, a Tradução Inicial, consistiu na tradução direta da versão original espanhola do questionários Abuelos Cuidadores para a língua portuguesa. Na segunda fase, realizou-se a Retroversão, sendo a mesma efetuada por um tradutor oficial para a língua espanhola, sem conhecimento do questionário original e sem formação na área da saúde. Este processo determinou a compatibilidade e adequabilidade do instrumento à lingua portuguesa, mantendo-se por conseguinte, a integridade do instrumento inicial.

A recolha dos dados ocorreu em vários pontos da região Norte do país, sendo a entrega e recolha dos protocolos efetuada pela investigadora. Explicado os objetivos e obtido o consentimento informado, estes foram auto-preenchidos pelos avós, exceptuando os analfabetos os quais foram preenchidos pela investigadora após leitura em voz alta.

No tratamento dos dados recorreu-se ao software informático SPSS, versão 21, utilizando-se a estatística descritiva (M, DP, frequências) e inferencial paramétrica (teste t para amostras independentes) e correlacional (do tipo Pearson).

RESULTADOS

Caracterização da RAN

No que concerne à prestação de cuidados aos netos, verifica-se que esta ocupa em média 5.34 dias/semana (DP=1.37), num total médio de 24.37 horas/semana (DP=12.089). As “questões laborais dos filhos” (66.7%), surgem como principal causa da prestação semanal de cuidados aos netos, verificando-se que a maioria considera possuir uma relação de qualidade com os pais dos netos (“boa” – 47.3%; “excelente” -39.3%). Apenas uma ínfima parte (N=4) descrevem a relação como “má” ou “muito má”, e que provavelmente decorre/motiva a custódia legal dos netos.

A Tabela 1, sintetiza os resultados obtidos no questionário “Avó/avôs Cuidadores”, permitindo-nos analisar a média de frequência de respostas a um conjunto de itens que caracteriza, os cuidados prestados pelos AC aos netos, assim como, um conjunto de aspetos inerentes da prestação de cuidados.

Tabela 1[1]– Distribuição de frequências das dimensões do Questionário Avós/Avôs Cuidadores, desenvolvidas pelos AC (N=150).

Dimensões do Questionário Avó/Avôs Cuidadores

Media (1-4)

Tarefas de cuidados

2.26

Cuidados Básicos

2.21

Cuidados Instrumentais

2.28

Apoio Estudo

1.96

Atividades Ócio

2.47

Disciplina

2.38

Comportamentos problemáticos do neto

1.68

Ajuda nos cuidados

1.62

Sentimento de Responsabilidade

1.94

Relacionamento Pais do Neto

2.60

Satisfação nos cuidados

3.38

Dificuldades decorrentes nos cuidados

1.32

Funcionamento Familiar

2.54

Problemas Emocionais

1.99

Relativamente às Tarefas de Cuidados levadas a cabo pelos AC, as Atividades de Ócio (M=2.47) foram as que obtiveram valores mais elevados, seguindo-se a Disciplina (M=2.38); Cuidados Instrumentais (M=2.28), Cuidados Básicos (M=2.21), e finalmente o Apoio ao Estudo (M=1.96).

Nas Atividades de Ócio, o maior destaque está associado a atividades como: “passearem juntos” (M=3.35), assim como “verem televisão” (M=2.91) (70%). Paralelamente, as menos executadas pelos AC, prendem-se essencialmente com tarefas de “pintar/desenhar juntos” (M=1.75).

Ao nível dos Cuidados Básicos, constatamos que a tarefa mais executada pelos AC é “dar-lhe de comer” (M=2.68) (66%), e as menos executadas estão associadas a “dar-lhe banho” (M=1.93), e “acordá-lo de manhã” (M=1.97).

Quanto aos Cuidados Instrumentais, as tarefas incidem sobretudo na preparação da comida (M=2.88), e vigilância (M=2.64), por oposição a “lavar e passar roupa” (M=1.97) e “levá-lo ao médico” (M=1.82).

Em termos de Disciplina, verifica-se que os AC tendem a não castigar (M=1.73), nem dar palmadas (M=1.57), apesar de exercerem ações de repreensão (M=2.41). Contudo, são os elogios (M=3.29), e as recompensas (M=2.89), os mais frequentes na ação disciplinar.

No Apoio no Estudo, os AC tendem essencialmente a controlar a execução dos trabalhos de casa (M=2.07), com uma menor implicação ao nível de “ajuda a fazer os TPC” (M=1.85).

Relativamente à caraterização dos Comportamentos Problemáticos do neto alvo de cuidados, verifica-se uma média baixa (M=1.68) da ocorrência dos mesmos, encontrando-se associados à sua irrequietude (“muito irrequietos” (M=2.37). Salienta-se a baixa ocorrência de problemas mais disruptivos, tais como “Insulta ou diz palavrões” (M= 1.16); “é agressivo” (M=1.20).

Analogamente, o nível de Ajuda nos Cuidados, também é baixa (M=1.62), e quando existe, estas provêm essencialmente da “ajuda do parceiro” (M=2.62) e de “outros familiares com que convivem” (M=2.58), sendo escassos os casos em que recebem “assistência legal/ jurídica” (0.7%); “ajuda do estado ou outras instituições” (7.3%); ou “ajuda económica ou material dos meus filhos” (28.7%).

No que concerne ao Sentimento de Responsabilidade, verifica-se um resultado moderado (M=1.94), constatando-se que grande parte dos AC (M=2.45), se considerarem na “obrigação de cuidar do neto(a)”. Para além disso, 95.3%, nunca se sentiram “incomodados/as quando cuido do meu neto(a) em lugares públicos” (), nem consideram ser “uma desonra para a minha família ter de cuidar do meu neto(a)” (98.7%).

O Relacionamento com os Pais do neto é considerado como bom (M=2.60), sentindo-se apoiados pelos mesmos na prestação de cuidados aos netos (M=3.17), falando com os mesmos acerca de assuntos que afetam o neto (M=2.99), orientando-os quanto forma de tratamento (M=2.29). Por conseguinte, o nível de conflituosidade é relativamente baixo (M=1.94), comparativamente às outras dimensões.

O nível de Satisfação nos Cuidados é elevado (M=3.38), considerando que “o neto(a) é a alegria da minha casa” (M=3.51), e de aferirem que se “deixasse de tomar conta do neto(a) sentiriam muito” (M=3.53).

Quanto às Dificuldades Decorrentes dos Cuidados, verifica-se que os AC não apresentam grandes dificuldades (M=1.32). Salienta-se o facto de a maioria ter classificado como “nunca” as afirmações: “o dia em que deixar de cuidar do neto(a) será uma libertação” (96%); “cuidar do meu neto/a tem criado problemas de espaço na minha casa” (97.3%).

Quanto ao Funcionamento Familiar, estes consideram possuir um bom funcionamento (M=2.54), coligado à existência de confiança uns nos outros (M=3.15), e há existência de sentimentos negativos na família (M=1.53).

Relativamente a Problemas Emocionais, os AC (M=1.99) revelam uma avaliação bastante positiva apesar da média, isto, tendo em consideração que (62%) nunca se sentiram sozinhos; (66.7%) nunca consideraram “que a vida não vale a pena ser vivida”, (46.7%) não se consideram menos úteis à medida que envelhecem, e (59.3%) consideram por vezes que “à medida que envelhece, as coisas são melhores do que se esperava”.

 

 

Estudo Correlacional entre As dimensões do Questionário Avós Cuidadores e outras Variáveis

A Tabela 2, apresenta-nos o estudo correlacional entre as várias dimensões do questionário “Avós/Avôs Cuidadores”

Tabela 2- Estudo Correlacional do tipo Pearson, entre as dimensões do Questionário Avós/Avôs Cuidadores.

Dimensões do questionário Avós/ Avôs Cuidadores

CB CI AE AO DSP KN AJC STR RPN STF DFC

PS

CB[2] 1

CI[3] .682*** 1    
AE[4] .061 .296*** 1    
AO[5] .312*** .336*** .395*** 1    
DSP[6] .343*** .470*** .211** .340*** 1    
KN[7] .186* .170* -.006 .120 .267** 1    
AJC[8] .140 .106 .055 .084 .184* -.036 1    
STR[9] .218** .298*** .100 .074 .280** -.038 .416 1    
RPN[10] .207* .123 .225** .156 .174* -.002 .300*** .362*** 1  
STF[11] .130 .128 .012 .391*** .219** -.139 .056 .096 -.099 1  
DFC[12] -.041 .056 -.072 -.196* -.015 .329*** -.035 -.003 -.197* -.430*** 1  
PS[13] .142 .167* -.118 -.104 .098 .360** -.142 -.088 -.286*** .034 .381*** 1
FM[14] .244** .260** .045 .243** .448*** -.030 .160 .187* -.007 .498*** -.141 -.090

* p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001

Os Cuidados Básicos, correlacionam-se de modo positivo, fraco e significativo com um aumento: das Atividades de Ócio (r=.312; p<.001), da Disciplina (r=.343; p<.001), os Comportamentos Problemáticos dos netos (r=.186; p=.023), Sentimento de Responsabilidade (r=.218; p=.003), Relacionamento com os pais do neto (r=.207; p<.011) e com o Funcionamento Familiar. Ressaltando uma correlação positiva, moderada e significativa com o aumento dos Cuidados Instrumentais (r=.682; p<.001).

De igual modo, os Cuidados Instrumentais correlacionam-se de modo positivo, fraco e significativo com o aumento: do Apoio no Estudo (r=.296; p<.001), das Atividades de Ócio (r=.336; p<.001), da Disciplina (r=.470; p<.001), Sentimento de Responsabilidade (r=.298; p<.001), Problemas de Saúde (r=.167; p=.041) e Funcionamento Familiar (r=.260; p=.002). Ou seja, quanto mais evidentes, e necessários os Cuidados Instrumentais, maior é a tendência para aumentar os cuidados ao nível do Apoio no Estudo, assim como, as Atividades de Ócio, Disciplina, o Sentimento de Responsabilidade e funcionamento familiar.

Em termos de Apoio no Estudo, verifica-se a existência de uma correlação positiva, fraca e significativa com as necessidades de apoio em termos de Disciplina (r=.211; p=.009), Atividades Ócio (r=.395; p<.001) e Relacionamento com os pais do neto (r=.225; p=.006).

Por outro lado, as Atividades de Ócio, levam a uma maior: Satisfação nos cuidados prestados (r=.391; p<.001), exigência em termos de Disciplina (r=.340; p<.001), e Funcionamento Familiar (r=.243; p=.003), sendo estas relações estatisticamente significativas. Por sua vez o aumento das Atividades de Ócio diminui de modo significativo as dificuldades decorrentes dos cuidados prestados (r=-.191; p=.016).

Ao nível da Disciplina, estão patentes correlações positivas, fracas e significativas, à medida que esta aumenta, tendem a aumentar os Comportamento problemático dos netos (r=.267; p=.001), bem como, a Ajuda nos Cuidados (r=.184; p=.024), o Sentimento de Responsabilidade         (r=.280; p<.001), o Relacionamento com os pais do neto (r=.174; p=.034) , a Satisfação nos cuidados prestados (r=.219; p=.007) e o Funcionamento Familiar (r=.448; p<.001).

Os Comportamento Problemático do neto, revelou uma correlação positiva, fraca e significativa com: as dificuldades nos cuidados prestados            (r=.329; p<.001), e problemas de saúde (r=.360; p<.001). Ou seja, os comportamentos problemáticos, tendem a aumentar as dificuldades nos cuidados, e ao nível dos problemas de saúde nos AC.

No que concerne à Ajuda nos cuidados, esta correlaciona-se de forma positiva, fraca e significativa, à medida que esta aumenta, aumenta paralelamente o Sentimento de Responsabilidade (r=.416; p<.001), o Relacionamento com os pais do neto (r=.300; p<.001) e o Funcionamento Familiar (r=.161; p=.046). O Aumento da Responsabilidade, leva ao aumento do Relacionamento Familiar (r=.362; p<.001) e Funcionamento Familiar (r=.187; p=.022), sendo igualmente pautadas com diferenças significativas.

O facto dos AC evidenciarem um Relacionamento positivo com os pais do neto alvo de cuidados, reflete-se numa associação negativa, fraca e significativa a diminuição das Dificuldades nos Cuidados decorrentes dos cuidados prestados pelos AC aos netos (r=-.197; p=.066), e diminuição dos problemas de saúde dos AC (r=-.286; p<.001).

A Satisfação com os Cuidados prestados, correlaciona-se de forma negativa, fraca e significativa com a diminuição das Dificuldades nos Cuidados            (r=-.430; p<.001) e de forma positiva, fraca e significativa com o aumento do Funcionamento Familiar (r=.498; p<.001).

As Dificuldades decorrentes dos cuidados, contribuem para a diminuição do funcionamento familiar (r=-.141; p=.040), por oposição, ao aumento de Problemas de Saúde dos AC (r=.381; p<.001), de modo significativo.

A tabela seguinte, permite-nos um estudo correlacional entre as várias dimensões avaliadas pelos questionário “Avós/Avôs Cuidadores” e as idades dos avós e netos.

Tabela 3 – Correlação linear de Pearson entre a idade dos AC (N=150) e dos netos com as dimensões do Questionário Avós/Avôs Cuidadores.

Avós/Avôs Cuidadores

 

Idade

 

 

Avós

Netos

 

Dimensões  do Questionário

Avós/ Avôs Cuidadores

Tarefas de Cuidados

 

Cuidados Básicos

-.335***

-.274**
Cuidados Instrumentais

-.354***

-.003
Apoio Estudo

.027

.452***
Atividades Ócio

-.016

.012
Disciplina

-.088

.089
Comportamentos problemáticos do Neto

-.018

-.052
Ajuda nos cuidados

-.146

.003
Sentimento de responsabilidade

-.052

.043
Relacionamento com Pais do Neto

.149

.020
Satisfação com os cuidados

-.045

-.204*
Dificuldades nos cuidados

-.063

.097
Funcionamento familiar

-.160

-.215**
Problemas de Saúde

-.101

.018
Problemas emocionais

-.086

.072

* p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001

A análise da Tabela 3 permite-nos constatar que são poucas as dimensões que apresentam correlações estatisticamente significativas entre as várias dimensões do questionário, e a idade dos AC e respetivos netos.

Verificam-se correlações negativas, fracas e estatisticamente significativas com a idade dos AC ao nível dos Cuidados Básicos (r=-.335; p<.001), Cuidados Instrumentais (r=-.354; p<.001). Com o aumento da idade dos AC, há uma diminuição destes cuidados por parte dos avós. Analogamente, o mesmo é corroborado em relação à idade dos netos ao nível dos Cuidados Básicos pela sua diminuição (r=-.274; p=.001), paralelamente à diminuição da Satisfação nos Cuidados (r=-.204; p=.012), e diminuição do Funcionamento Familiar      (r=-.215; p=.008). Por sua vez, o aumento da idade dos netos, revela uma correlação positiva, fraca e significativa com o Apoio ao Estudo               (r=.452; p<.001).

Estudo comparativo entre os AC e ANC no que concerne aos resultados obtidos no WHODOL-Bref

Na caraterização da QV dos grupos, AC e ANC (Tabela 4), os resultados encontrados revelam diferenças estatisticamente significativas entre ambos os grupos.

Tabela 4- Teste t Student para amostras independentes, AC e ANC, relativamente ao WHOQOL – Bref e respetivas dimensões.

WHOQOL – Bref

Tipo de Avó/Avô

 

 

 

AC, N= 150

M (DP)

ANC, N= 150

M (DP)

 

 

 

t (298)

 

P

QV Total

 

89.05 (10.50)

84.03 (14.80)

 

3.39

**

Dimensões Relações Sociais

 

58.56 (19.64)

49.28 (22.31)

 

3.82

***

Psicológica

 

60.33 (9.93)

57.39 (12,35)

 

2.28

*

Física

 

66.33 (13.96)

60.45 (17.07)

 

3.27

**

Meio Ambiente

 

56.13 (11.52)

52.35 (14.45)

 

2.50

*

* p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001

Ao nível da escala de QV Total, os resultados médios da escala revelam que os AC (M= 89.05; DP= 10.50) apresentam uma QV Total superior, aos ANC ANC (M= 84.03; DP= 14.80), sendo estas diferenças estatisticamente significativas (t (298)=3.39, p=.001). O mesmo se verifica relativamente às diferentes dimensões da QV: Relações Sociais (AC M= 58.56; DP=19.64; ANC M= 49.28; DP= 22.31); Psicológica (AC M= 60.33; DP= 9.98; ANC M= 57.39; DP=12.35); Física (AC M= 66.33; DP= 13.96; ANC M= 60.45; DP=17.07); e Meio Ambiente (AC M= 56.13; DP= 11.52; ANC M= 52.35; DP=14.45). À semelhança da QV Total,também todas as dimensões apresentam diferenças estatísticamente significativas: Relações Sociais (t (298)=3.82, p<.001); Psicológica (t (298)=2.28, p=.024); Física (t (298)= 3.27, p=.001); e Meio Ambiente (t (298)=2.50, p=.013)

A Tabela 5, apresenta-nos os resultados obtidos no estudo correlacional, entre as dimensões dos cuidados prestados (avós/avôs cuidadores) e a qualidade de vida (Whoqol-Bref) dos AC.

Tabela 5- Estudo Correlacional de Pearson, entre as dimensões do Questionário Avós/Avôs Cuidadores e a escala WHOQOL – Bref, no grupo AC.

Avós/Avôs Cuidadores

WHOQOL – Bref

Total

Dimensões

Amb. Física Psic. Social

Dimensões Questionário Avôs/Avós Cuidadores

Tarefas de Cuidados:          

 

Cuidados Básicos .040 -.043 .040 .079 .072
Cuidados Instrumentais .066 .026 .096 .030 .046
Apoio Estudo .243** .289*** .106 .222*** .172*
Atividades Ócio .466*** .526*** .236** .312*** .395***
Disciplina .037 .066 -.094 .052 .175*
Comportamento problemático do Neto -.087 -.073 -.075 -.093 .014
Ajuda nos cuidados .019 -.013 -.012 .101 .006
Sentimento de Responsabilidade .051 .056 .058 .039 -.023
Relacionamento com Pais do Neto .165* .049 .244** .122 .040
Satisfação com os cuidados .427*** .392*** .193* .342*** .502***
Dificuldades nos cuidados -.476*** -.357*** -.326*** -.460*** -.403***
Funcionamento familiar .360*** .327*** .237** .196* .405**
Problemas de Saúde -.329*** -.099 -.502*** -.183* .142
Problemas emocionais -.377*** -.193* -.405*** -.336*** -.197*

* p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001

Relativamente ás Tarefas de Cuidados, levadas a cabo pelos AC aos seus netos, constatamos correlações positivas, fracas e estatísticamente significativas entre o Apoio ao Estudo ao nível da QV Total (r=.243; p=.003), bem como nas dimensões: Ambiente  (r=.289; p<.000), Psicológica (r=.222; p=.006) e Relações Sociais (r=.172; p=.035). As Atividades de Ócio, também se correlacionam de forma fraca a moderada, positiva e estatísticamente significativa com a QV Total (r=.466; p<.001); dimensão Física (r=.236; p=.004), Psicológica (r=.312; p<.001); e nas Relações Sociais (r=.395; p<.001). Destacando-se ainda, uma correlação positiva e moderada na dimensão Meio Ambiente (r =.526, p<.001).

O Relacionamento com os pais dos netos, revelam uma correlação positiva, fraca e significativa com a QV Total (r=.165; p=.044), e na dimensão Física (r=.244; p<.001). Quanto melhor tende a ser o relacionamento com os pais dos netos, melhor tende a ser a QV dos AC.

Na Satisfação decorrente dos cuidados prestados, está patente uma correlação positiva, fraca igualmente significativa ao nível global, QV Total (r=.427; p<.001), e na dimensão Física (r=.342; p<.001) e Meio Ambiente (r=.392; p<.001). Destacando-se uma correlação positiva e moderada na dimensão das Relações Sociais (r=.502; p<.001).

Quanto às Dificuldades inerentes, depara-se com diferenças significativas nos cuidados prestados aos netos. Pois evidencia-se uma correlação negativa e fraca na QV Total (r=-.476; p<.001), e respetivas dimensões: Meio Ambiente (r=-.357; p<.001), Física (r=-.326; p<.001), Psicológica (r=-.460; p<.001) e Relações Sociais (r=-.403; p<.001), igualmente significativas. O registo torna evidente que quanto menor são as dificuldades nos cuidados, maior tende a ser a QV dos AC.

Ao nível do Funcionamento Familiar, verificamos uma correlação positiva, fraca e significativa, de forma análoga em toda a escala, ao nível global QV Total (r=.360; p<.001), ambiente (r=.327; p<.001), física (r=.237; p<.001), psicológica (r=.196; p=.016) e social (r=.405; p<.001), sendo todas significativas.

Relativamente aos Problemas de Saúde, a tendência revela uma correlação negativa, fraca e significativa, relativamente à QV Total (r=-.329; p<.001),  e nível Físico (r=-.502; p<.001). De forma negativa e moderada ao nível Psicológico (r=-.183; p=.025). Quanto menores os problemas de saúde, maior tende a ser a QV dos AC.

Por sua vez, ao nível de Problemas Emocionais vivenciados pelos AC, sobressai uma correlação negativa, fraca e significativa, face à QV Total       (r=-.377; p<.001), e respetivas dimensões associadas:  Meio Ambiente           (r=-.193; p=.018), Física (r=-.405; p<.001), Psicológica (r=-.336; p<.001) e Relações Sociais (r=-.197; p=.016). A QV tende a aumentar face à diminuição dos problemas emocionais.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O objetivo do presente estudo, incidiu, na compreensão das atribuições e frequências dos cuidados prestados aos netos, sentimentos e perceções (satisfação e dificuldades) inerentes à prestação de cuidados, no sentido de perceber o impacto que os mesmos têm na QV dos AC. Neste contexto, realizou-se uma análise comparativa com um grupo de ANC, ao nível da QV.

De acordo com Araújo e Dias (2002), as atividades realizadas entre avós e netos, depende de um conjunto de variáveis, das quais se destaca a idade e género dos avós e netos, a linhagem familiar, a situação profissional e as relações familiares.

Iniciemos a discussão, caraterizando sumariamente os AC, comparativamente aos ANC. Trata-se de uma população relativamente jovem tendo em consideração a esperança média de vida atual; feminina; instruída, sendo ínfimos os casos de analfabetismo. Vários possuem inclusive o grau de licenciatura. Para além disso, os rendimentos médios auferidos indicam-nos uma situação económica razoável, o que por sua vez poderá eventualmente justificar o nível de inatividade profissional, o que lhes permite uma maior disponibilidade efetiva para se dedicarem à prestação de cuidados. Aliás parece-nos ser a situação profissional o grande motivador da prestação de cuidados aos netos, advinda da disponibilidade dos avós e da indisponibilidade parental motivada pelas questões laborais, transformando os avós num recurso imprescindível na conciliação da vida familiar e profissional (Pérez, 2004; Miguel et al, 2012).

A sobre saliência da linhagem materna na nossa amostra, comparativamente à paterna, vai de encontro à literatura (e.g. Triadó & Villar, 2005), que revela uma tendência preferencial direcionada para os avós maternos (Castañeda, Sánchez, Sánchez & Blanc, 2004), motivado pela existência de um laço privilegiado entre mãe e filha, facilitando o relacionamento dos netos com os avós maternos (Gauthier, 2002). Dias e Silva (2003), referem que as avós maternas são consideradas como figuras mais importantes e menos distantes que as avós paternas. Para além disso, os avós maternos parecem mais envolvidos na educação dos netos quando comparados com os avós paternos (Van Rast, Verscueren & Marcoen,1995), o que explica a intervenção dos AC nas várias esferas da vida dos netos, desde os cuidados básicos, e instrumentais, ao apoio ao estudo e mesmo ao nível da disciplina.

É claro que a qualidade da relação estabelecida entre os avós e os pais (geração intermédia), influiu nos resultados obtidos, tendo em consideração que os mesmos funcionam como mediadores do contato nesta relação entre avós e netos (RAN), podendo inibi-la ou facilita-la (Goodman, 2007), uma vez que, a qualidade da RAN está associada às relações bem sucedidas com a geração intermédia (Stella, 2010), o que se verifica na nossa amostra.

A idade dos avós e dos netos influenciam os níveis de cuidados, tendo em consideração que a mesma determina a capacidade dos primeiros em prestar cuidados, e as necessidades de cuidados dos segundos, em consonância com a fase de desenvolvimento em que se encontram. De acordo com o estudo desenvolvido por Triadó, Villar, Solé, Osuna e Celdrán (2006), à medida que ambos avançam na idade, diminui o nível de prestação de cuidados. Por conseguinte, a disparidade de faixas etárias dos netos da nossa amostra (1 aos 13 anos), justifica a variabilidade de ações de cuidado levada a cabo pelos avós, dos quais se destacam ao nível dos cuidados básicos “dar de comer”; dos cuidados instrumentais “preparar a comida” e “vigiá-lo”; no apoio ao estudo o “controlo dos TPC”; nas atividades de ócio, o “passear” e “ver TV”, e na disciplina, ações muito mais positivas (e.g. elogios e recompensas), comparativamente às coercivas, sendo típico nos avós. Recorde-se que a isenção de responsabilidades parentais (Ferland, 2006), lhes permite assumir uma postura mais descontraída e prazerosa para com os netos, o que por sua vez se verifica nos elevados níveis de satisfação decorrente dos cuidados prestados e do funcionamento familiar. O baixo nível de comportamentos problemáticos por parte dos netos, também contribuirá para esta satisfação, assim como, os níveis baixos de dificuldades associados á prestação de cuidados, evidenciados no estudo correlacional entre as várias dimensões avaliadas.

O estudo correlacional entre as dimensões do questionário “Avós/avôs Cuidadores”, e a idade dos netos e dos avós, demonstra-nos que á medida que aumenta a idade dos avós, diminui a prestação de cuidados básicos e instrumentais. Estes resultados vão de encontro á literatura, que nos refere que os avós mais novos apresentam uma maior proximidade emocional, aumentando a probabilidade de serem mais ativos e comprometidos na relação (Triadó, 2000). No que concerne á idade dos netos, verificam-se correlações estatisticamente significativas e negativas com os cuidados básicos, satisfação para com os cuidados e funcionamento familiar, sendo perfeitamente compreensível, tendo em consideração que a relação avós netos assume contornos diferentes consoante as necessidades desenvolvimentais destes (Silverstein e Marenco, 2001). Os netos pré adolescentes parecem ser mais fáceis de cuidar e de conviver com os avós, enquanto que, os netos mais velhos tendem a desenvolver outros laços, nomeadamente com os seus grupos de pares (Bales, 2002). Note-se que, á medida que a idade avança, os avós passam a ser percepcionados como distantes e menos como guardiões, guias familiares e mediadores de conflitos (Triadó, Martinez & Villar, 2000).

No que concerne á QV, verifica-se que os AC apresentam níveis mais elevados e estatisticamente significativos de QV Total e em todas as suas dimensões (Física, Psicológica, Relações Sociais e Meio Ambiente), comparativamente aos ANC. Tendo em conta estes resultados, podemos considerar que a prestação de cuidados a netos promove a qualidade de vida dos avós. Tais ilações são suportadas pelo elevado número de correlações estatisticamente significativas entre as várias dimensões da QV e do questionário “Avós cuidadores”.

Uma análise detalhada das mesmas, demonstra-nos que o apoio ao estudo promove a QV Total, permitindo aos avós contribuir para o desempenho escolar e formação do carácter da criança, bem como, com o seu desenvolvimento pessoal (Harwood, Hewstone, & Raman, 2006). Aliás, o apoio ao estudo também surge como promotor das dimensões Meio Ambiente, Psicológica e Relações sociais, provavelmente motivado pelo aumento do sentimento de auto-eficácia.

O mesmo se verifica com as atividades de ócio, correlacionando-se de forma positiva, estatisticamente significativa com todas as dimensões da QV. Este efeito positivo, provavelmente advém do facto de as mesmas constituírem um meio privilegiado de contacto com os netos, consolidando os laços de afetividade. Para além disso, permite-lhes simultaneamente dissipar sentimentos de solidão frequentemente associados á terceira idade (Emick & Hayslip, 1999 cit in Veleda, Neves, Baisch, Vaz, Santos, & Soares, 2006).

A satisfação para com os cuidados, assim como, o bom funcionamento familiar, também se correlacionam de forma positiva e estatisticamente significativa com todas as dimensões da QV. Tal seria de esperar, tendo em consideração o elevado nível de satisfação com os cuidados; a qualidade da relação entre os avós e a geração intermédia, permitindo-lhes desempenhar um papel ativo na vida dos netos; o baixo nível de dificuldades na prestação de cuidados, assim como, uma valorização positiva do seu estado de saúde em geral (físico e psicológico). Estes resultados, explicam inclusive a existência de correlações negativas e estatisticamente significativas entre algumas dimensões da QV e as dificuldades nos cuidados; problemas de saúde; e problemas emocionais.

CONCLUSÕES

A prestação de cuidados a netos parece desempenhar um papel positivo na QV dos avós cuidadores, proporciona-lhes um sentimento de utilidade e continuidade.

 

Bibliografia

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[1] A presente tabela encontra-se mais pormenorizada no Apêndice A

[2] Cuidados Básicos;

[3] Cuidados Instrumentais;

[4] Apoio ao Estudo;

[5] Atividades de Ócio:

[6] Disciplina;

[7] Comportamentos problemáticos do neto;

[8] Ajuda nos cuidados prestados;

[9] Sentimento de Responsabilidade;

[10] Relação com pais do neto;

[11] Satisfação decorrente dos cuidados prestados ao neto;

[12] Dificuldade decorrente dos cuidados prestados ao neto;

[13] Problemas de saúde

[14] Funcionamento Familiar

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Out 3, 2013

Expectativas de Responsabilidade Filial e Orientação da Responsabilidade no Cuidado aos Idosos 

Expectations of Filial Responsability and Guidance of Responsability in Care for the Elderly

Expectativas de Responsabilidad Filial y la Orientación de la Responsabilidad en el Cuidado de los Ancianos

 

Marta Gama (Enfermeira no Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE – pólo Hospital de Santa Maria) 

RESUMO

Muitos desenvolvimentos demográficos e estruturais ocorreram nas relações intergeracionais, os quais provocaram um impacto nas ligações familiares, tais como o aumento da longevidade e as alterações da dinâmica estrutural e social da família, tendo sido colocado em causa a vitalidade das obrigações familiares e solidariedade familiar, nomeadamente entre pais e filhos adultos.

Assim, com este estudo pretendeu-se verificar a presença de solidariedade entre pais e os seus filhos adultos, assim como as expectativas de responsabilidade filial dos pais e as suas opiniões e preferências no que se refere à orientação da responsabilidade para família/ serviços públicos no cuidado aos idosos. De forma a alcançar os objectivos, foi aplicado um questionário a 97 alunos, da Universidade Sénior da Póvoa de Santa Iria, com 55 ou mais anos e que tivessem pelo menos um filho adulto.

Foi possível chegar à conclusão de que existe solidariedade entre pais e filhos adultos, assim como os pais consideram que existe uma responsabilidade mista (família/Estado) no cuidado aos idosos e que preferem os apoios formais em detrimento dos informais (familiares) – contrariando a orientação familística. Contudo, apesar disso continuam a apresentar expectativas elevadas em relação à responsabilidade que os filhos devem ter para com os pais, nomeadamente a nível da dimensão de apoio emocional, sendo a dimensão de apoio instrumental a excepção. Desta forma, é possível concluir que há uma tendência por parte da população inquirida em preferir a complementaridade de apoios formais e informais, com consequente especialização de tarefas: instrumental e emocional, respectivamente.

PALAVRAS-CHAVE: solidariedade familiar; normas filiais; preferências no cuidado; familismo; responsabilidade dos serviços públicos.

ABSTRACT

Intergenerational relations have been affected by demographical and structural changes that had impact on family relationships. The increase in life expectancy and the changes in the families’ structural and social dynamics have put at risk the vitality of family obligations and solidarity, namely between parents and adult children.

Therefore, this research aimed at studying the existence of solidarity between parents and adult children as well as the parents’ expectations towards their children’s responsibilities and their views and preferences on family and welfare state responsibility as far as elderly people are concerned. In order to achieve this, a questionnaire was devised and subsequently applied to 97 participants attending the Universidade Sénior in Póvoa de Santa Iria, aged 55 or older, with at least one adult child.

The results indicate that there is solidarity between parents and adult children and that parents consider that both the family and the state should share the responsibility towards elderly people. Moreover, the study proves that formal support is preferred to the detriment of an informal one (family), which contradicts the familistic approach. However, parents evince high expectations as far as children responsibility towards them is concerned, specially in terms of emotional support. This does not apply, however, to the instrumental support domain. In conclusion, the study indicates that the participants tend to prefer the complementariness of formal and informal support with subsequent task specialisation: instrumental and emotional, respectively.

KEY WORDS: family solidarity; filial norms; care preferences; familism; welfare state responsibility.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento da população é um fenómeno progressivo que se prevê, através dos estudos demográficos, que vá continuar e, inclusivamente aumentar. Este dado coloca exigências e desafios a nível económico, social, de investigação e de intervenção. Em paralelo ao processo de envelhecimento da sociedade, também é possível verificar alterações nas estruturas familiares, nas ligações sociais e no modo de viver da população idosa.

A orientação da vida social da família e o valor ligado à sociabilidade fazem desta o principal ponto de referência do processo do envelhecimento, sendo que as necessidades dos idosos são melhor entendidas dentro do contexto da família. De facto, a família é uma célula fundamental, enquanto lugar privilegiado de trocas intergeracionais. É aí que as gerações se encontram, se interajudam e completam de forma intensa.

Ao longo dos últimos dois séculos, drásticas alterações ocorreram na natureza e força das ligações familiares. Nos dia de hoje, torna-se uma prioridade das necessidades individuais o comprometimento para com a sobrevivência e o bem-estar económico da família. A orientação instrumental relativamente à família tem sido gradualmente substituída por uma orientação mais individualista e afectiva, dando-se uma enorme ênfase às necessidades individuais e felicidade pessoal. Este desenvolvimento levantou preocupações no que diz respeito à vitalidade das obrigações familiares e à força das ligações familiares.

A imagem transmitida pelos media sobre as relações entre as gerações, a qual reflecte a opinião pública, está associada à separação entre os membros, no que diz respeito aos jovens, encarados como individualistas flexíveis que mudam de trabalho frequentemente, o que faz com que estes se afastem cada vez mais dos seus pais. Desta maneira, segundo esta ideia, os filhos nem têm tempo ou vontade para estar com os seus pais (Szydlik, 2008). Tendo em conta estas perspectivas, é sugerido que com o aumento da população idosa a viver só e os seus filhos a residirem em diferentes cidades, acabe por haver um risco de isolamento social a partir do momento em que os filhos se afastam e abandonam as suas obrigações sociais e o seu compromisso para com os seus pais idosos, confiando no Estado. Embora a orientação individual para o ‘Estado’ ou para a ‘família’ como prestadores de apoio estar intimamente relacionada com a cultura, as preferências individuais e normas (se existir uma opção disponível) também vão variar (Motel-Klingebiel, Tesch-Roemer e Kondratowitz, 2005).

Estas afirmações baseadas no fim da família extensa de outrora, foram no entanto prematuras. Estudos de relações familiares intergeracionais revelaram que os filhos adultos não estavam isolados dos seus pais, pois não só mantinham contacto frequente com estes, assim como existia uma troca de inter-ajudas, mesmo quando estavam separados por longas distâncias geográficas (Lowenstein e Ogg, 2003; Dykstra, 2006; Szydlik, 2008). Também Bengtson (2000 in Lowenstein e Ogg, 2003) refere que os sociologistas familiares têm comprovado empiricamente que a família contemporânea mantém coesão familiar intergeracional, não se verificando uma substituição do apoio familiar pelos serviços públicos, mas antes um encorajamento daqueles por parte destes (Lowenstein e Ogg, 2003; Kohli, Künemund e Vogel, 2005).

Portanto, com todas as alterações demográficas, sociais e familiares que decorreram ao longo das últimas décadas, torna-se imperativo assegurar e contribuir para a verdadeira realidade de solidariedade e coesão existente na família, assim como analisar as expectativas e as preferências dos indivíduos no que diz respeito às crenças normativas sobre o apoio, tendo como pergunta de partida para o presente estudo: “Quais são as expectativas dos indivíduos com 55 ou mais anos em relação às responsabilidades filiais e as suas opiniões/preferências no que diz respeito à orientação da responsabilidade para o apoio familiar e de serviços públicos?”

Feita a apresentação do tema, importa delinear os objectivos do estudo e os principais eixos que compõem o estudo, o qual tem como objectivos:

  • Analisar a solidariedade familiar actual existente entre os filhos adultos e os seus pais, no que diz respeito à proximidade geográfica, a nível de contacto estabelecido, à proximidade afectiva, a nível do consenso e do apoio instrumental;
  • Identificar a existência de uma orientação famílistica, através do apoio de crenças normativas sobre a responsabilidade filial, da responsabilização familiar no cuidado aos idosos e das preferências pelo apoio familiar em detrimento do apoio formal;

A centralidade deste tema relaciona-se com a importância de conhecermos as bases de solidariedade familiar intergeracional, estabelecidas entre pais e filhos, na vida adulta, assim como conhecer as crenças normativas, expectativas e preferências dos pais (indivíduos com 55 ou mais anos). É evidente que os resultados do estudo não podem ser extrapolados para a população portuguesa em geral, contudo é possível extrair deste informações muito ricas sobre as solidariedades intergeracionais, expectativas e orientação da responsabilidade no cuidado aos idosos.

SOLIDARIEDADE FAMILIAR INTERGERACIONAL – CONSTRUÇÃO DO MODELO TEÓRICO

Na década de 70, Vern Bengtson e os seus colegas começaram a elaborar uma construção da solidariedade orientada para o indivíduo e apontada às relações entre as gerações familiares (Black e Bengtson, 1974, in Hammarström, 2005). Esta construção de solidariedade foi originalmente desenvolvida para sumarizar vários comportamentos e sentimentos que pareciam caracterizar as relações pai-filho ao longo do curso de vida e focava-se em questões de coesão ou integração, conceptualizando a solidariedade familiar como uma interacção entre as três dimensões de solidariedade associativa, afectiva e consensual. Black e Bengtson (1974, in Hammarström, 2005) inspirados pelo conceito de solidariedade mecânica de Durkheim e enfatizando a similaridade de valores, os seus pressupostos basearam-se no facto da similaridade ideológica entre membros familiares (solidariedade consensual) reforçar e ser reforçada por altos níveis de afectos e associação. Estas dimensões foram assumidas como tendo elevados níveis de correlação entre elas e assim constituindo dimensões de uma construção única de ordem superior (Hammarström, 2005).

O modelo original no qual a solidariedade constitui uma construção única de ordem superior foi abandonado, através da investigação levada a cabo por Bengtson e Roberts (1991). Para além das três dimensões de solidariedade originais (associativa, afectiva e consensual), os autores incluíram mais três dimensões – solidariedade normativa, funcional e estrutural – colocando a solidariedade consensual como uma variável independente. Neste estudo, Bengtson e Roberts (1991) concluíram que a solidariedade não poderia ser vista como uma construção única uma vez que a única correlação significativa encontrada foi entre o afecto e a associação, enquanto o consenso diferia das outras componentes da solidariedade. Desta forma, Bengtson e Roberts (1991) reformularam o modelo de modo a apenas comprometer conexões entre as diferentes dimensões de solidariedade, deixando assim de olhar para a solidariedade como uma composição simples e linear de associação, afecto e consenso. Assim, Bengtson (2001: 8) afirma que a utilização da construção teórica de solidariedade intergeracional é para “[…] caracterizar as dimensões comportamentais e emocionais da interacção, coesão, sentimento e suporte entre os pais e filhos, avós e netos, ao longo da vida”. Bengtson e os seus colegas (Bengtson, Landry e Mangen, 1988; Bengtson e Roberts, 1991) identificam assim seis dimensões do modelo de solidariedade:

  • Solidariedade estrutural

Um dos aspectos mais facilmente observados e objectivamente determinados da solidariedade familiar ou coesão aparenta ser a estrutura de relações familiares intergeracionais. Dentro do contexto do sistema de família intergeracional, a estrutura familiar é vista como uma função de oportunidade. A estrutura familiar é definida como o padrão de papéis relacionais (redes de parentesco: número de filhos e netos; estado civil dos membros familiares; género dos filhos e netos; idade dos filhos em cada núcleo familiar) ressaltados por constrangimentos espaciais (proximidade: a actual distância em quilómetros da casa do inquirido à casa do avô, pai, filho ou neto referido; e as categorias funcionais, que são indicadoras do quão difícil ou do tempo consumido por uma visita ao parente).

  • Solidariedade afectiva

A construção do afecto, em particular, a solidariedade afectiva entre membros da família, é um assunto familiar e complexo. Na nossa existência do dia-a-dia todos nós somos tocados pelo afecto nas nossas relações interpessoais. A solidariedade afectiva deriva da construção geral do sentimento, sendo este um padrão de sentimentos socialmente definido que indica uma relação particular com um objecto social e é acompanhado por um comportamento socialmente apropriado. É nominalmente definida como a natureza e extensão do sentimento positivo em relação a outro membro da família. Os tipos e quantidades de sentimento positivo determinam a qualidade das relações entendidas por cada membro da família.

  • Solidariedade associativa

A solidariedade associativa é definida como o grau segundo o qual os membros da família partilham actividades com outros membros da família. A um nível teórico, esta definição inclui uma partilha de actividade intergeracional. O contacto entre membros da família é por vezes face-a-face, enquanto que noutras alturas a associação é limitada ao contacto indirecto (por escrito, ou por telefone).

  • Solidariedade consensual

Na solidariedade familiar são analisadas várias características da família em busca de traços que promovem a sua coesão. Uma destas dimensões é o grau de similaridade de valores e a opinião consensual entre os pais e os seus filhos. A dimensão consensual foca-se em valores, opiniões e orientações entre as gerações.

  • Solidariedade funcional

O apoio instrumental, como a troca de dinheiro, bens e serviços é um aspecto chave na solidariedade familiar, sendo a troca definida como acto de dar e receber assistência entre membros familiares de diferentes gerações. O foco reside na quantidade de assistência que as pessoas dão e recebem do sistema familiar intergeracional. Dar e receber é um aspecto de interdependência entre membros familiares. Apesar de a troca ser uma componente de solidariedade familiar ela é causa e consequência de outros aspectos da dinâmica familiar, como por exemplo: poder, igualdade e justiça na família.

  • Solidariedade Normativa

As normas familiares podem ser definidas como aqueles padrões de comportamento que governam e medeiam as interacções intrafamiliares e as expectativas da família como um sistema social. Tais normas moldam expectativas e atitudes e definem comportamentos próprios e equitativos de acordo com o tipo e grau de obrigações filiais. A responsabilidade filial refere-se às obrigações que os filhos adultos sentem em responder às necessidades básicas dos seus pais, enfatizando o dever, protecção e equidade. Assim, a solidariedade normativa diz respeito às expectativas referentes às obrigações filiais e parentais, bem como às normas sobre a importância dos valores familísticos, conceptualizando o grau de percepção de responsabilidade filial (familismo).

Apesar das normas estabelecerem padrões de comportamento e estabelecerem as expectativas que guiam o comportamento, elas não são uniformemente aplicadas. Diferentes normas podem ser utilizadas por certos indivíduos ou as mesmas normas poderão ser aplicadas de formas distintas, dependendo do nível atribuído ou atingido pelo indivíduo dentro do grupo. Género, idade e status ocupacional, mudanças demográficas, mudanças na sociedade, estrutura familiar, bem como o aumento da natureza multicultural da nossa população são características que influenciam a mudança e a forma como as normas serão aplicadas, pelo que as normas familiares não são estáticas.

SOLIDARIEDADE NORMATIVA: EXPECTATIVAS E ORIENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE FILIAL/FAMILIAR E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Bengtson e seus colegas distinguiram seis tipos de solidariedade, sendo as expectativas sobre como os membros familiares se comportam uns com os outros uma importante dimensão da vida familiar, a qual foi denominada de solidariedade normativa. A solidariedade normativa refere-se às normas que dão ênfase à primazia das relações na família, sendo definida como o grau de consenso intergeracional em relação à responsabilidade familiar e de força do comprometimento no desempenho dos papéis e no reconhecimento das obrigações familiares (Bengtson, Landry e Mangen, 1988; Bengtson e Roberts, 1991). Em todas as conceptualizações de solidariedade normativa, as expectativas de responsabilidade filial desempenham o papel de componente central, independentemente do consenso destas expectativas. Este conceito refere-se à dimensão que os membros familiares jovens e de meia-idade são esperados que prestem assistência aos seus pais idosos, e que dêem prioridade às necessidades destes em relação às suas (Lee, Netzer e Coward, 1994). Já Van der Pas (2006) define expectativas filiais como a reflexão de normas sociais gerais, um conjunto de crenças sobre como as pessoas se devem comportar em determinadas situações. Assim, pode-se concluir que as expectativas de responsabilidade filial consistem em crenças normativas sobre os deveres e obrigações dos filhos adultos para com os seus pais idosos, em momentos de necessidades. Bengston e Roberts (1991) sugeriram que um passo lógico no desenvolvimento da teoria é examinar as trocas dinâmicas nas relações intergeracionais e como elas se relacionam nas normas familiares.

As obrigações familiares são culturalmente descritas como expectativas normativas, as quais podem ser definidas em termos de dever e sentimentos de obrigação altruísta baseados no parentesco ou razões morais, a nível social, ou em termos de reciprocidade e afectividade, a nível individual (Wijckmans e Bavel, 2010). Tanto as normas gerais como as crenças pessoais podem afectar a conduta individual, e ambas estão inter-relacionadas (Ganong e Coleman, 2005; Gans e Silverstein, 2006).

É importante focalizar as obrigações familiares uma vez que estas são indicativas do actual funcionamento das famílias. Primeiramente, sentimentos de obrigação podem ter um importante impacto nas provisões de apoio, pois quanto mais forte for o sentimento de obrigação de um membro familiar a prestar um determinado tipo de apoio a outro membro familiar, é mais provável que aquele membro familiar preste realmente esse apoio em caso de necessidade (Lee, Neetzer e Coward, 1994). Ikkink, Tilburg e Knipscheer (1999) chegam mesmo a afirmar que as normas não são efectivas até que as necessidades de apoio surjam por parte dos pais idosos. Em segundo lugar, sentimentos de obrigação são uma importante medida para avaliar trocas actuais na família, pois os membros familiares irão avaliar o apoio que recebem dos membros familiares à luz do que sentem que esses outros membros familiares estariam obrigados a dar (Lee, Neetzer e Coward, 1994). Se os membros familiares não corresponderem às expectativas, isto poderá implicar uma redefinição desta relação familiar em particular ou a uma redefinição dos próprios sentimentos de obrigação familiar, possivelmente levando a uma anulação do apoio. Neste sentido, expectativas sobre as obrigações familiares e trocas familiares actuais são interdependentes e muitas vezes reforçam-se mutuamente.

A maior critica à ideia de que as pessoas geralmente têm um forte sentimento de obrigação familiar é apresentada por Finch e Mason (1991), em que na maioria dos casos, da amostra britânica, não existia um consenso claro da subsistência das normas familiares. Em muitos casos, os inquiridos sugeriram que as pessoas não eram obrigadas a tomar conta dos seus parentes, mas que essa função de apoio deveria ser tomada, por exemplo, pelo Estado. Emerge assim, uma outra conceptualização da solidariedade normativa no que diz respeito às expectativas de responsabilidade familiar versus responsabilidade do Estado Providência. Desta forma, na orientação do Estado Providência as crenças normativas dos indivíduos inclinam-se para a responsabilidade do Estado e as suas preferências favorecem os serviços formais relativamente ao apoio familiar. Na situação oposta, temos a orientação da responsabilidade familiar em que as crenças normativas dos indivíduos inclinam-se para a responsabilidade familiar e as suas preferências favorecem os serviços informais relativamente aos serviços formais (Motel-Klingebiel, Tesch-Roemer e Kondratowitz, 2005).

Ao longo dos últimos 30 anos, e primeiramente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, aumentaram o número de estudos de relações familiares intergeracionais entre a gerontologia e a sociologia familiar. Uma das razões principais para este interesse nas relações familiares ao longo de gerações poderá ser as exigências de crescimento nas famílias geradas pela alteração na estrutura etária da população juntamente com as restrições nas despesas públicas relativamente a pagamentos financeiros para cuidados de saúde aos mais idosos. Assim, para guiar a investigação pretendida, é adoptado neste estudo o paradigma da solidariedade intergeracional, por duas razões principais. Primeiramente, o paradigma da solidariedade representa na sociologia da família um dos esforços a longo prazo para desenvolver e testar uma teoria da integração familiar, sendo que o modelo da solidariedade guiou muitas das pesquisas sobre as relações intergeracionais adultas ao longo das últimas décadas (por exemplo, Lee, Netzer e Coward, 1994; Lowenstein e Ogg, 2003; Dykstra [et. al.], 2006; Lowenstein, 2007). Em segundo, as medidas baseadas nas dimensões de solidariedade incluem uma ferramenta válida e confiável de forma a avaliar a força das obrigações familiares intergeracionais (Bengtson, Landry e Mangen, 1988; Bengtson e Roberts, 1991). Desta forma, é delineado o modelo de análise do presente estudo, o qual se pode observar na figura n.º 1.

Fig. n.º 1: Modelo de Análise

 

METODOLOGIA

A população alvo a partir da qual foi efectuado o estudo, foram os alunos da Universidade Sénior da Póvoa de Santa Iria, em que o total de alunos que frequenta a Universidade é de 343 indivíduos com uma idade de 55 ou mais anos e/ou reformados a residir em localidades do concelho de Vila Franca de Xira (Póvoa de Santa Iria, Vialonga, Forte da Casa e Alverca), sendo que 14 destes alunos apenas leccionam no pólo que se situa em Vila Franca de Xira, os quais não foram abrangidos pelo estudo. A escolha da amostra teve como critério os indivíduos terem pelo menos um filho adulto vivo, com idade superior a 18 anos. Foi comunicado em cada sala de aula, durante uma semana em Novembro de 2010, a minha presença na Universidade Sénior e o objectivo da mesma, sendo que colaboraram no estudo apenas aqueles que se disponibilizaram para responder ao questionário, perfazendo no total 97 questionários completos e 3 incompletos.

A recolha de dados circunscreveu-se apenas a um único período no tempo (Novembro de 2010), sendo a sua configuração definida de desenho transversal. Dado que o estudo visa analisar as expectativas de responsabilidade filial, de uma população específica, e a sua orientação da responsabilidade familiar e do Estado no cuidado aos idosos, o seu carácter é naturalmente descritivo. Assim, para a análise dos dados utiliza-se o método quantitativo, recorrendo-se ao inquérito por questionário de administração directa como técnica de recolha de dados.

No que se refere à elaboração do questionário, pode-se dizer que neste estão implícitos três subconjuntos. A primeira parte do questionário é composta por variáveis de caracterização, (género, idade e estado civil), assim como por variáveis socioeconómicas (habilitações literárias, situação perante o trabalho, rendimento mensal, contexto familiar) e variável de estado de saúde.

Na segunda parte do questionário analisam-se as cinco dimensões do modelo de solidariedade intergeracional no que diz respeito à relação com o filho ‘focal’, sendo que é pedido ao inquirido que seleccione um dos dois critérios explícitos: 1 – é o filho que ajuda mais o pai nas AVD’s; 2 – é o filho que o pai vê mais frequentemente. Tal como afirmam Lee, Neetzer e Coward (1994: 561) este “procedimento de selecção garante que o filho focal é aquele com quem o pai tem o máximo de oportunidades de troca de ajuda”. Assim os instrumentos utilizados para avaliar as dimensões de solidariedade intergeracional são de duas fontes distintas: para avaliar as dimensões de solidariedade estrutural, associativa, afectiva e consensual recorre-se ao instrumento utilizado no Projecto OASIS por Lowenstein e Ogg (2003) e para avaliar a dimensão de solidariedade funcional recorre-se ao instrumento empregue por Lee, Neetzer e Coward (1994).

Na terceira parte do questionário analisa-se a sexta dimensão do modelo de solidariedade – solidariedade normativa – avaliando as expectativas de responsabilidade filial, através do instrumento utilizado por Van der Pas (2006), e a orientação da responsabilidade familiar / Estado Providência através do instrumento descrito por Daatland e Herlofson (2003).

Posteriormente, a informação retirada dos questionários foi codificada e inserida na base de dados do SPSS, para descrição dos resultados e análise interpretativa dos mesmos, à luz dos pressupostos teóricos.

CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO INQUIRIDA

Do total de 97 inquiridos que constituem a amostra foi possível obter um conjunto de informações sociográficas dos indivíduos que leccionam na Universidade Sénior. Desta forma, a amostra é constituída por 44 homens e 53 mulheres com uma idade compreendida entre 55 e 81 anos, com uma média de 65 anos. É possível verificar que são os homens que apresentam uma idade mais elevada, em relação às mulheres.

No que diz respeito ao estado civil, verifica-se que a maioria dos inquiridos são casados (75, 3%), assumindo algum destaque os viúvos (17,5%) e por último, salienta-se a fraca expressividade dos divorciados (6,2%) e separados (1%). É possível verificar que no que se refere aos inquiridos viúvos, 28,3% são do género feminino face aos 4,5% do género masculino. É possível verificar que a faixa etária em que se evidencia maior prevalência de viúvos é entre os 70 e 74 anos de idade (representando 35,3% do total de viúvos).

Em relação ao agregado familiar é possível observar que a maioria dos inquiridos coabita com o cônjuge/companheiro (47, 4%), tendo também importante expressividade os que coabitam com cônjuge/companheiro e filho (25,8%) e ainda os que vivem sós (20,6%), sendo que do total da população inquirida verifica-se que 26,4% mulheres e 13,6% homens vivem em situação isolada, sendo que a maioria dos que vivem sós são viúvos (70%).

Quando questionados sobre o nº de filhos, foi possível constatar que quase metade da população tem apenas um filho (48,5%), e ainda com grande expressividade os que têm dois filhos (41,2%), tendo pouco destaque os que têm três e quatro filhos (respectivamente, 7,2 e 3,1%) (Anexo III). A maioria dos inquiridos afirmou ter netos (75,3%), revelando com maior expressividade os que apresentam um e dois netos (respectivamente, 26,8 e 30,9%).

No que se refere às características profissionais e económicas, verifica-se que 28,9% apresentam habilitações literárias a nível do 3.º Ciclo de escolaridade e que 82,5% são reformados. O rendimento económico da população constitui um indicador importante para determinar a dependência económica face a terceiros. É possível verificar que o rendimento mensal médio da população inquirida se situa entre os 700 e 1000 euros, sendo que 23,7% da nossa amostra apresenta um rendimento mensal superior a 1500 euros, para além de que as mulheres tendem a apresentar um rendimento mensal inferior ao dos homens.

Por fim, no que diz respeito ao estado de saúde, a maioria dos inquiridos refere considerar o seu estado de saúde razoável (59,8%) ou bom (33%), tendo fraca expressividade a classificação de muito bom e mau (respectivamente 4,1 e 3,1%). Verifica-se uma semelhança entre géneros, contudo os homens tendem a considerar o seu estado de saúde melhor em relação às mulheres.

Do total da amostra, 51,5% dos inquiridos afirmaram apresentar um problema de saúde com uma duração de mais de 6 meses, sendo as doenças mais referidas, por ordem de importância, a hipertensão, diabetes, osteoporose, doenças do foro cardíaco, gástrico e reumático, hipercolesterolémia, doença oncológica, problemas de coluna, alergias, hipotiroidismo e apneia do sono. Contudo, apenas 19,6% dos inquiridos afirmou limitação causada pela doença/ problema de saúde nas AVD’s, em que 52,6% referiu que essa limitação não era severa.

SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ENTRE PAIS E FILHOS ADULTOS

Primeiramente, é feita uma caracterização sociográfica do filho adulto, verificando-se que 51,5% são do género masculino e 48,5% são do género feminino, com idades compreendidas entre os 20 e os 54 anos de idade (uma média de 36 anos de idade), em que a maioria são licenciados (62,9%) e estão empregados (90,7%) e 52,6% são casados, verificando contudo uma forte expressividade a nível dos solteiros (30,9%). Visto a população analisada ser independente e não necessitar de ajuda nas actividades de vida, quase a totalidade dos inquiridos com mais de um filho (98%) optou pelo critério do “filho que vê com mais frequência”, sendo que apenas um indivíduo optou pelo critério do “filho que o ajuda mais nas suas AVD’s”.

A nível da solidariedade estrutural, pode-se verificar que os filhos adultos vivem razoavelmente próximos dos seus pais, uma vez que cerca de metade da amostra (48,5%) vive a menos de 10 minutos ou entre 10 e 29 minutos do seu filho, verificando-se ainda que 24,7% dos filhos adultos reside com os seus pais.

No que diz respeito à solidariedade associativa, é possível constatar que os pais vêem frequentemente o seu filho, sendo que mais de metade dos inquiridos vê o seu filho uma vez por dia ou mais ou algumas vezes por semana (62,9%). Contudo 10,3% dos inquiridos referem ver os seus filhos mais ocasionalmente, nomeadamente aqueles que vivem no estrangeiro, embora haja um caso em que o inquirido refere que “ só me visita se precisa de mim ou quando eu convido e mesmo assim por vezes recusa o convite”.

Ainda no que se refere à solidariedade associativa, ao analisar a frequência com que os inquiridos estabelecem contacto telefónico com o seu filho é possível verificar que estes falam frequentemente com o seu filho, sendo que a maioria dos inquiridos estabelece contacto telefónico com o seu filho uma vez por dia ou mais ou algumas vezes por semana (74,2%). Ainda a referir que 13,4% dos inquiridos nomearam outra situação, sendo a situação “quando necessário” a opção de 11,3% uma vez que a maioria destes inquiridos reside com o seu filho, não tendo grande necessidade de estabelecer contacto telefónico frequentemente.

No que concerne à solidariedade afectiva pode-se verificar que mais de metade dos inquiridos e o seu filho adulto têm uma proximidade afectiva muito elevada ou extremamente elevada (52,6%), existindo apenas um inquirido que afirma apresentar um grau baixo de proximidade afectiva.

A nível da solidariedade consensual apesar da maioria dos inquiridos considerar que os seus valores e opiniões são bastante e muito semelhantes (36,1 e 25,8%, respectivamente) com os do seu filho adulto, 19,6 e 13,4% dos inquiridos consideram que apenas são um pouco semelhantes ou que não são muito semelhantes, respectivamente.

No que diz respeito à solidariedade funcional, pode-se verificar que os apoios, mais referidos pela população inquirida, que os filhos adultos prestaram nos últimos 12 meses, foram presentes sem ser dinheiro (42,3%), conselho numa decisão (37%) e ajuda nas tarefas domésticas ou pequenas tarefas (33%). É de salientar que 19,6% dos pais referiram não ter recebido ajuda por parte do seu filho adulto.

Quanto aos apoios que os pais prestaram ao seu filho adulto, nos últimos 12 meses, foram por ordem de importância presentes sem ser dinheiro (48,3%), assistência financeira em presente ou empréstimo, ajuda nas tarefas domésticas (42,3%) e conselho numa decisão (38,1%). Verifica-se também uma forte expressividade no que diz respeito a tomar conta das crianças (28,9%). Apenas 5,2% dos pais referiram não ter ajudado o seu filho adulto, sendo que foram os pais que prestaram mais apoio ao seu filho adulto, em relação ao apoio prestado por este aos seus pais.

Apenas 24,7% dos inquiridos afirmou ter um dos seus pais vivo, sendo que 70,8% destes inquiridos presta algum tipo de apoio a um dos seus pais ou a ambos (correspondendo a 17,5% do total da população inquirida), situando-se 70,6% na faixa etária dos 55 aos 64 anos de idade. No que diz respeito ao tipo de apoio prestado: acompanhamento, visitas, apoio nas tarefas domésticas, apoio financeiro e apoio no transporte foram os apoios mais enunciados, por ordem de importância.

Assim 70,8% dos inquiridos, que tem um dos seus pais vivo, presta apoio a este ajudando simultaneamente o seu filho adulto, pois metade destes inquiridos dá apoio ao seu filho adulto em tarefas domésticas, dá presentes sem ser em dinheiro e assistência financeira em presente ou empréstimo (58,8%, 52,9% e 47,1%, respectivamente), e 1/3 dos inquiridos dá apoio ao seu filho adulto tomando conta dos netos.

SOLIDARIEDADE NORMATIVA

A pesquisa da solidariedade normativa é feita através primeiramente do estudo das expectativas de responsabilidade filial e posteriormente da orientação da responsabilidade familiar versus Estado no cuidado aos idosos.

Desta forma, para a análise das expectativas de responsabilidade filial foram redigidas 16 afirmações, inseridas em quatro dimensões (emocional, instrumental, informativa e contacto), em que os inquiridos tinham de indicar se discordavam totalmente, discordavam, não concordavam nem discordavam, concordavam ou se concordavam totalmente. Sendo assim, a apresentação dos resultados vai ser apresentada através das quatro dimensões.

Quanto à análise da responsabilidade familiar e do Estado no cuidado aos idosos foi estudado a quem os inquiridos impunham responsabilidade no apoio instrumental (apoio financeiro, apoio nas tarefas domésticas e apoio no cuidado pessoal) a idosos com necessidades e as preferências pessoais dos inquiridos no que diz respeito às suas preferências habitacionais e na proveniência de apoio em caso de necessidade.

Verificou-se que a nível da dimensão emocional pode-se verificar que a maioria dos inquiridos concorda com as afirmações, ou seja tem uma grande expectativa a nível da dimensão emocional, sendo que apenas a afirmação “os filhos devem sentir-se responsáveis pelos seus pais” originou mais divergência, pois 27,8% dos inquiridos não concorda nem discorda, 17,5% discordam e 4,5% discordam totalmente da afirmação.

No que diz respeito a nível da dimensão instrumental é possível verificar que a opinião dos inquiridos é bastante divergente. Apenas é possível verificar que a maioria dos inquiridos concorda e concorda totalmente em que “os filhos devem cuidar dos seus pais doentes” (55, 7 e 17,5%, respectivamente) e que “em situação de emergência, os filhos devem acolher os seus pais em sua casa” (54,6 e 16,5%, respectivamente). Pelo contrário não apresentam expectativas no que concerne às restantes afirmações, pois os inquiridos não concordam nem discordam com estas, chegando mesmo a discordar que os filhos devem providenciar apoio financeiro, abdicar do seu tempo livre, ajustar a sua situação profissional e a sua situação em sua casa para ajudar os pais (17,5%, 26,8%, 36,1% e 22,7%, respectivamente).

No que se refere à dimensão de contacto, é possível verificar que os pais apresentam altas expectativas, uma vez que a maioria concorda que “os filhos devem telefonar regularmente” e que “os filhos que vivem perto dos seus pais devem visitá-los pelo menos uma vez por semana” (66% para ambas as afirmações). Contudo quase a maioria dos inquiridos (47,4%) não concordou nem discordou que “os filhos devem viver próximo dos seus pais”, sendo que 7,2% discordaram e 6,2% discordaram totalmente.

Por fim, quanto à dimensão informativa é possível constatar que os inquiridos apresentam altas expectativas no que concerne a esta dimensão, uma vez que em todas as afirmações a maioria concorda que os filhos devem aconselhar, controlar a qualidade de cuidado e familiarizar os seus pais com serviços prestadores de cuidados de saúde (54,6%, 67% e 71,1%, respectivamente).

No que diz respeito à responsabilidade atribuída pela população inquirida à família ou ao Estado, a nível dos apoios financeiro, nas tarefas domésticas e no cuidado pessoal a idosos que necessitam de apoio, foi possível verificar que a maioria dos inquiridos (77,3%, 79,4% e 76,3%, respectivamente) considerava que tanto o Estado como a família deviam suportar essas responsabilidades.

Quanto às preferências pessoais habitacionais, a maioria dos inquiridos refere preferir residir numa instituição (54,6%), contudo mais de 1/3 dos inquiridos refere preferir residir com os seus filhos (38,1%), caso não pudesse viver de forma independente.

Também a nível das preferências pessoais no que diz respeito à proveniência de apoio em caso de necessidade de ajuda a longo prazo, a maioria dos inquiridos referiu que preferia receber ajuda de serviços organizados (73,2%), sendo que apenas 23,7% preferia que esta viesse de familiares.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Com a caracterização da população inquirida é possível verificar que a maioria dos inquiridos é casada. Contudo constata-se com alguma expressividade que uma parcela da população inquirida é viúvos, sendo na sua grande maioria inquiridos do género feminino. Este resultado pode relacionar-se com a sobremortalidade masculina, referida por Carrilho e Patrício (2005), em que a esperança de vida é mais elevada nas mulheres do que nos homens. É possível verificar também que a faixa etária em que se evidencia maior prevalência de viúvos é entre os 70 e 74 anos de idade (representando cerca de 1/3 do total de viúvos), idade próxima da esperança de vida para os homens.

A nível do agregado familiar verifica-se que metade da população inquirida reside com cônjuge/companheiro e ¼ desta reside com cônjuge/companheiro e filho, tendo de se ter em conta que a média de idade da população inquirida é de 65 anos. Contudo mesmo assim, ainda é possível verificar alguma expressividade dos que vivem sós, verificando-se que são as mulheres as que mais vivem em situação isolada e que a maioria dos que vivem sós são viúvos. Esta situação está provavelmente associada à sobremortalidade masculina e à maior esperança de vida feminina (Guerreiro, 2003). Também é possível verificar que tanto os inquiridos como os seus filhos adultos têm predominantemente um ou dois filhos, justificando a baixa acentuada da fecundidade ao longo das últimas décadas, pois tal como afirmam Carrilho e Patrício (2005) em 2004 a descendência média é de 1,4 filhos por mulher, assim como se verifica uma diminuição média do tamanho da família.

Através da análise da solidariedade familiar intergeracional foi possível constatar que os filhos adultos não estavam isolados dos seus pais, pois não só mantinham contacto frequente com estes, assim como existia uma troca de inter-ajudas, à semelhança do que demonstraram outros estudos empíricos (Lowenstein e Ogg, 2003; Dykstra, 2006; Szydlik, 2008). Assim, é possível verificar que os resultados da solidariedade estrutural demonstram que os filhos adultos vivem próximo dos seus pais, contrariando a ideia de que os membros familiares vivem cada vez mais afastados uns dos outros, sendo que cerca de metade da população inquirida vive a menos de 10 minutos ou entre 10 e 29 minutos do seu filho adulto. Estes resultados vão de encontro aos do estudo de Dykstra [et al.] (2006) em que a média de distância entre os membros familiares mostrou-se ser relativamente baixa, assim como o de Hank (2005) em que a maioria dos inquiridos vivia próximo do seu filho e o de Lowenstein e Ogg (2003) no qual mais de metade dos pais viviam entre 10 a 30 minutos dos seus filhos. Contudo no que se refere à coabitação é possível verificar que ¼ da população inquirida reside com o seu filho adulto e o cônjuge, ao contrário de outros estudos como de Rein (1994) e de Lowenstein e Ogg (2003), nos quais se verificou um declínio da coresidência entre as gerações, apesar dos filhos adultos residirem próximo dos seus pais idosos. Neste último estudo é necessário ter em conta que foi em Espanha que se verificou um maior nível de coresidência (cerca de ¼ da população espanhola inquirida), verificando-se valores semelhantes também no estudo de Gil (1999) apoiando o argumento de que a coresidência é mais comum nos países mediterrâneos. Hank (2005) também refere a predominância da coresidência nos três países mediterrâneos comparados com os outros países investigados. Contudo também tem de se ter em conta a faixa etária dos inquiridos que abrange os indivíduos com 55 ou mais anos, ou seja o estudo ainda engloba indivíduos de meia-idade, sendo que nesta fase da vida muitos dos filhos adultos ainda residem com os pais, como se verifica no estudo em que dos 25 inquiridos que reside com o seu cônjuge e o seu filho, 16 destes encontram-se entre a faixa etária dos 55 aos 64 anos de idade. Este facto está relacionado com os filhos saírem cada vez mais tarde de casa dos pais uma vez que demoram mais a ter a sua independência financeira devido ao “alongamento da formação escolar e do correspondente atraso de entrada na vida adulta activa.” (Almeida [et. al.], 1998: 46) e consequentemente também está relacionado com o aumento da idade média do primeiro casamento (Fernandes, 1997, Almeida [et. al.], 1998, Carrilho e Patrício, 2005).

No que diz respeito à solidariedade associativa, verificou-se que os pais estabelecem contacto face-a-face e telefónico frequentemente com o seu filho, sendo que a população inquirida estabelece mais frequentemente contacto telefónico do que contacto face-a-face. Estes resultados vêm de encontro com a realidade empírica que comprovou que os pais e filhos adultos estabelecem contactos regulares (Rein, 1994; Gil, 1999; Lowenstein e Ogg, 2003; Hank, 2005; Dykstra [et. al.], 2006, Hatton-Yeo, 2007 e Szydlik, 2008).

No que concerne à solidariedade afectiva, mais de metade dos inquiridos e o seu filho adulto têm uma proximidade afectiva muito elevada ou extremamente elevada, o que vem de encontro com os estudos realizados por Lowenstein e Ogg (2003) e Szydlik (2008).

A nível da solidariedade consensual apesar da maioria dos inquiridos considerar que os seus valores e opiniões são bastante e muito semelhantes com os do seu filho adulto, cerca de 1/3 da população inquirida considera que apenas são um pouco semelhantes ou que não são muito semelhantes. À semelhança também no estudo de Lowenstein e Ogg (2003) foi possível verificar que era em Espanha que os indivíduos apresentavam um menor índice de consenso, em comparação com os outros países (Noruega, Inglaterra, Alemanha e Israel).

No que diz respeito à solidariedade funcional, foi possível verificar que foram os pais que prestaram mais apoio, em relação ao apoio que os filhos adultos prestaram aos seus pais. Este resultado vem contra a investigação de Dykstra [et. al.] (2006), no qual se verificou que existe a mesma quantidade de ajuda de pais para filhos como dos filhos para os pais, e contra os estudos de Attias-Donfut (1993, in Rein, 1994) e Lowenstein e Ogg (2003), em que foi possível concluir que os pais claramente prestavam menos apoio do que recebiam por parte dos seus filhos adultos. Uma das possíveis razões para este resultado pode estar relacionada com a faixa etária da população inquirida (com 55 ou mais anos) em que esta poderá prestar mais apoio aos seus filhos ou estes podem depender mais dos seus pais, sendo que em todos os estudos empíricos a idade dos pais é mais avançada. Outra razão possível depreende-se com o facto de serem apenas os pais a relatarem a troca de ajudas existentes entre eles e os seus filhos adultos, sendo que pode acontecer que o apoio não seja reconhecido pelo receptor tal como afirmou Dykstra [et. al.] (2006) ao constatar que os filhos referiram prestar mais apoio aos pais do que os pais referiram receber por parte dos filhos. Também Ikkink, Tilburg e Knipscheer (1999) afirmaram na sua investigação que tanto os filhos como os pais tinham tendência a reportar que davam mais ajuda do que recebiam. Do mesmo modo, foi possível constatar que houve mais pais a afirmar que não receberam nenhum apoio por parte dos seus filhos, do que o contrário. É possível verificar que noutros estudos empíricos também os inquiridos referem, com alguma expressividade, não receber qualquer tipo de apoio por parte dos seus filhos (Lowenstein e Ogg, 2003 e Szydlik, 2008).

A nível dos apoios especificamente verifica-se que existe uma relativa similaridade de troca de apoios entre pais e filhos adultos a nível do conselho, tarefas domésticas, presentes sem ser dinheiro e transporte, o que não se verifica a nível do apoio financeiro. São os pais que prestam mais apoio financeiro aos seus filhos adultos do que o contrário, tal como se verificam nos estudos empíricos de Attias-Donfut (1993, in Rein, 1994), Gil (1999) e Dykstra [et. al.] (2006). Outro tipo de apoio também prestado aos filhos adultos referido por mais de ¼ dos pais está relacionado com o cuidado aos netos. Nos estudos de Gil (1999) e Szydlik (2008) verifica-se que os pais prestam este tipo de apoio aos seus filhos, verificando-se contudo resultados superiores nas investigações levadas a cabo por Dykstra [et. al.] (2006) e Attias-Donfut, Ogg e Wolff (2005).

Verifica-se que apenas ¼ da população inquirida pertence à geração ‘pivô’, ao contrário do que era esperado, uma vez que segundo Attias-Donfut, Ogg e Wolff (2005) na actualidade esta geração é numericamente muito elevada, muito devido ao aumento da esperança de vida. Contudo grande maioria destes inquiridos pertence a uma geração ‘pivô’ activa, em que afirma prestar algum tipo de apoio a um ou ambos os pais em simultâneo com a ajuda prestada ao seu filho adulto (tarefas domésticas, presentes, assistência financeira e cuidar dos netos, por ordem de importância). Já na investigação levada a cabo por Attias-Donfut, Ogg e Wolff (2005) apesar de se verificar um elevado número de indivíduos pertencentes à geração ‘pivô’, apenas 1/5 destes pertencia a uma geração ‘pivô’ activa. Quanto à idade em que se encontra esta geração, verifica-se que a maioria pertence à faixa etária dos 55 aos 64 anos de idade, estando ligeiramente em desacordo com Attias-Donfut, Ogg e Wolff (2005), os quais afirmam que nos países mediterrâneos esta geração aumenta a partir do final dos 60 anos de idade.

Com estes resultados pode-se concluir que existe solidariedade entre pais e filhos, verificando-se que, de uma maneira geral, os pais não estão distantes fisicamente nem afectivamente dos seus filhos adultos, estabelecendo contactos frequentes, e que existe uma troca mútua de inter-ajudas de pais para filhos e vice-versa. Também se conclui que apesar de a geração ‘pivô’ ser uma minoria da população inquirida, grande parte desta pertence a uma geração ‘pivô’ activa.

No que diz respeito às expectativas de responsabilidade filial, verificou-se que, de uma maneira geral, os pais apresentam elevadas expectativas tanto a nível das dimensões emocional, contacto como informativa. Contudo a nível da dimensão instrumental, a população inquirida está pouco de acordo que os filhos devam providenciar apoio financeiro, abdicar do seu tempo livre, ajustar a sua situação profissional e a sua situação em sua casa para ajudar os pais. Estes resultados vão ao encontro do estudo realizado por Van der Pas (2006) em que o autor concluiu que os pais interpretavam o papel filial como aquele que inclui uma grande quantidade de discussão de assuntos e contacto com os filhos, assim como os pais apreciavam bastante estar familiarizados com os recursos de saúde disponíveis e em receber apoio emocional dos seus filhos. Também foi possível verificar no estudo de Van der Pas (2006) que a maioria dos pais não estava de acordo com os filhos terem de ajustar as suas situações laborais e familiares para os ajudarem, como também achavam que os filhos não tinham o dever de lhes prestar assistência financeira.

Ao contrário do que era esperado, no que se refere à responsabilidade atribuída pela população inquirida à família/Estado a nível de apoio instrumental a um idoso que necessita de cuidado, foi possível concluir que a maioria considera que existe uma responsabilidade mista, ou seja, responsabiliza tanto o Estado como a família a nível dos três domínios (apoio financeiro, apoio nas tarefas domésticas e apoio no cuidado pessoal). Já estudos empíricos demonstram que os países do Sul da Europa, como Espanha, Itália ou Grécia, apresentam um padrão semelhante uma vez que estão mais inclinados a responsabilizar a família pelo cuidado, estando mais divergentes no que se refere ao apoio financeiro a idosos que necessitem desse apoio (Lowenstein e Ogg, 2003; Lopes, 2006; Fokkema, Bekke e Dykstra, 2008). No mesmo seguimento é possível constatar com os resultados obtidos no estudo que a seguir à responsabilização mista, a responsabilidade recai sobre o Estado e só por último recai sobre a família.

Também ao contrário do que era esperado, são os resultados obtidos a nível das preferências pessoais no cuidar em caso de necessidade. Assim, quanto às preferências pessoais habitacionais, a maioria dos inquiridos referiu preferir recorrer a serviços formais (instituição) caso não pudesse viver de forma independente, apesar de mais de 1/3 dos inquiridos preferir residir com os seus filhos. Estes resultados vão contra os resultados de Lopes (2006), a qual concluiu que a maioria dos inquiridos dos países do sul da Europa, como Grécia, Espanha e Portugal, preferiam a co-habitação com os seus filhos e uma minoria preferia os serviços formais. No mesmo sentido, Daatland e Herlofson (2003) concluíram que a maioria dos inquiridos espanhóis preferiam co-residir com um filho, ao contrário dos inquiridos dos restantes países analisados (Noruega, Israel, Alemanha e Inglaterra).

No que concerne às preferências pessoais no que diz respeito à proveniência de apoio em caso de necessidade de ajuda a longo prazo, também foi possível verificar que a maioria dos inquiridos referiu que preferia receber ajuda de serviços organizados, sendo que menos de ¼ da população inquirida preferia que esta viesse de familiares. Estes resultados não vêm ao encontro das conclusões de Lopes (2006) a qual refere que os idosos preferem principalmente o cuidado familiar, verificando um elevado índice de preferências na proveniência de apoio familiar em países do Sul da Europa, como Portugal, Espanha, Grécia ou Itália. Também Daatland e Herlofson (2003) verificam que são os inquiridos espanhóis que mais preferem receber apoio por parte de familiares ao invés de serviços formais, ao contrário dos inquiridos dos quatro restantes países analisados.

Assim, pode-se concluir que a população inquirida não apresenta uma orientação familística, não só por demonstrar preferência pelo apoio formal em detrimento do apoio informal e de considerar tanto o Estado como a família responsáveis no cuidado aos idosos, mas também por se verificar que apresenta baixos níveis de expectativas de responsabilidade filial no que diz respeito ao domínio instrumental, sendo que não abdica do apoio que espera receber por parte dos seus filhos nomeadamente no domínio emocional e informativo, nos quais apresenta elevados níveis de expectativas de responsabilidade filial. De certa forma, estes resultados acabam por ir ao encontro da teoria de complementaridade de apoios, pois pode-se depreender que os inquiridos demonstram preferência para que haja complementaridade entre o apoio familiar e serviços públicos, sendo que os serviços ao partilharem a sobrecarga do cuidado com a família reforçam o comprometimento desta, assim como os destinatários do cuidado também estão mais receptivos a aceitar a ajuda familiar uma vez que se sentem menos um peso para a família, tal como sustentam Lowenstein e Ogg (2003) e Van der Pas (2006). Estes resultados também podem levar-nos à variante da hipótese de complementaridade – a teoria de especialização familiar, na qual as redes formal e informal especializam-se em distintas competências, sendo que as famílias se concentram no apoio emocional e os serviços públicos no apoio instrumental (Van der Pas, 2006). Lowenstein e Ogg (2003), assumem que este modelo se baseia na ideia Parsoniana da diferenciação estrutural da família moderna, pois o apoio sócio-emocional substitui o apoio instrumental no cerne da família pós moderna.

Desta forma, pode dizer-se que os objectivos propostos inicialmente foram alcançados.

Porém, existem algumas limitações no estudo, nomeadamente no que se refere à opção de considerar apenas o filho ‘focal’ na avaliação da solidariedade intergeracional, uma vez que não é possível ter noção da solidariedade existente entre pais e com cada um dos seus filhos adultos. Os critérios utilizados para a “escolha” do filho ‘focal’ também acabam por apresentar fraquezas, pois os pais podem dar e receber apoio de um filho com o qual estejam menos vezes em contacto.

Também a avaliação da solidariedade intergeracional apenas segundo a opinião dos pais acaba por não poder mostrar a verdadeira realidade de troca de inter-ajudas entre pais e filhos adultos. Assim como, as solidariedades afectiva e consensual poderiam ter sido avaliadas por um método qualitativo, a complementar ao método quantitativo, uma vez que são dimensões em que se baseia a relação humana, sendo possível obter resultados mais fiáveis e fidedignos.

Possíveis recomendações a futuros estudos passariam por a avaliação da solidariedade intergeracional não ser realizada somente através da opinião dos pais, como também dos seus filhos, permitindo obter uma fonte de informação mais rica e um confrontamento de respostas (pais-filhos e filhos-pais). Outra sugestão seria a avaliação da relação intergeracional, não avaliando apenas a solidariedade como também outras dimensões das relações intergeracionais, como o conflito e ambivalência, permitindo assim obter um quadro completo da relação familiar.

Com este estudo pretendeu-se verificar a presença de solidariedade entre gerações, assim como as expectativas de responsabilidade filial dos pais com 55 ou mais anos e as opiniões e preferências no que se refere à orientação da responsabilidade da família/ responsabilidade estatal no cuidado aos idosos. Foi possível verificar que os pais consideram que existe uma responsabilidade mista (família e Estado) e que preferem os apoios formais em detrimento dos informais (familiares), sendo que apesar disso continuam a apresentar expectativas elevadas em relação à responsabilidade que os filhos devem ter para com os pais, à excepção do apoio instrumental. Os resultados obtidos devem fazer com que haja uma reflexão sobre os serviços públicos disponíveis à população idosa portuguesa e perceber que cada vez mais se torna imperativo a intervenção do Estado na promoção de novas políticas públicas no cuidado aos idosos e um aumento do número e qualidade das estruturas institucionais de apoio aos idosos. Com este estudo verificou-se o desejo de uma complementaridade de apoios (formais e informais), pois assim os idosos não sentem que sobrecarregam a sua família, ficando mais receptivos em receber ajuda da família. Ao verificar-se uma menor expectativa a nível da dimensão de apoio instrumental e maior a nível das dimensões emocional/informativo, e pelo facto dos pais preferirem que o apoio instrumental provenha de serviços públicos, pode-se dizer que está presente a hipótese de especialização familiar, uma vez que os pais demonstram vontade em que a família e os serviços desempenhem papéis diferentes no cuidar, em que as famílias concentram as suas tarefas no apoio emocional/informativo e os serviços públicos no apoio instrumental.

O mito da família portuguesa familística sofre mutações, nomeadamente a nível das suas preferências pessoais no cuidado na velhice, sendo que estamos perante uma sociedade em que o cuidado familiar domina presentemente. Embora não seja possível extrapolar os resultados obtidos para a realidade nacional, deve-se valorizar os mesmos, pois as preferências pessoais da população inquirida justificam uma inter-ligação dos apoios formais e informais de forma integrada, assim como uma remodelação e expansão dos serviços/apoios formais aos idosos.

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Out 3, 2013

Mª João Neto[1]

Judite Corte-Real[2]

 

Resumo

Neste trabalho, pretendeu-se averiguar a prevalência da depressão, em pessoas idosas institucionalizadas, bem como, a sua rede de suporte social. Os resultados da aplicação da Escala da Depressão Geriátrica (GDS) e do Questionário de Apoio Social (SSQ-6) em 25 pessoas idosas institucionalizadas, revelam que 48% dos inquiridos apresentam depressão ligeira e 24% depressão grave. Relativamente à rede de suporte social, verifica-se que a maioria dos participantes (56%) inclui uma a duas pessoas na sua rede de apoio, 40% mais do que duas pessoas e apenas um inquirido menciona não ter ninguém. Constatou-se uma correlação significativa, negativa moderada entre a depressão e satisfação com o suporte social: quanto maior a satisfação com o suporte social, menor a pontuação na escala de depressão. Atendendo a que mais de 50% da população idosa, institucionalizada, apresenta sintomatologia depressiva, seria pertinente estudar variáveis contextuais que contribuam para o bem-estar destas pessoas.

 

Palavras-chave: envelhecimento; depressão; institucionalização; suporte social.

The Elder institutionalized: Depression and social support

 Abstract

The study has the objective to determine the prevalence of depression in institutionalized elderly, as well as their social support network. The results of application of the GDS and the SSQ-6, in 25 institutionalized elderly, shows that 48% of respondents have mild depression and 24% severe depression. For the social support network, it appears that most participants (56%) includes one or two people in your support network, 40% more than two people and only one surveyed stated they had none. There was a moderate negative significant correlation between depression and satisfaction with social support: the greater the satisfaction with social support, lower scores on the depression scale. Since over 50% of institutionalized elderly population presents symptoms of depression, it would be pertinent to study contextual variables that contribute to the welfare of these people.

Keywords: aging; depression; institutionalization; social support.

Introdução

 O envelhecimento é um processo complexo de mudanças biológicas, psicológicas e sociais, que se iniciam no momento do nascimento e se prolongam ao longo da vida. O envelhecimento é definido pela OMS como o “prolongamento e término de um processo representado por um conjunto de modificações fisiomórficas e psicológicas ininterruptas à ação do tempo sobre as pessoas”. A OMS descreve ainda a pessoa idosa como: “ (…) todo o indivíduo com idade superior a 65 anos independentemente do estado de saúde e sexo” (OMS).

A importância de estudos sobre o envelhecimento, tem vindo a crescer ao longo das últimas décadas, pelo aumento da esperança média de vida, que tem levado a um crescimento significativo de pessoas idosas na população, em geral. Atualmente, verifica-se a existência de um número progressivamente superior de pessoas muito idosas, situadas por alguns autores na denominada quarta idade, ou seja, pessoas com idades superiores a 80 anos (Oliveira, Freire & Giaretta, 1999).

A par do aumento exponencial da população idosa, em Portugal, tem-se verificado uma diminuição da população mais jovem nas últimas décadas, chegando aquela a representar, em 2006, 17,3% da população total e a população jovem apenas 15,5% (INE, 2007). Como consequência do envelhecimento populacional, o número de pessoas idosas dependentes, por vezes institucionalizadas, tem aumentado, assim como perturbações de natureza depressiva, podendo-se observar, nesta área, prevalências entre os 15% e os 50% (Segal, 2005). Estes fatores, requerem que se reflita sobre o envelhecimento e os mecanismos através dos quais podemos promover uma maior qualidade de vida para a pessoa idosa.

Na nossa sociedade considera-se, frequentemente, o idoso como um ser dependente e doente, condenando-o, por vezes a uma solidão extrema (Ribeirinho, 2005), a que acrescem dificuldades de natureza financeira que diminuem a sua qualidade de vida.

Se a quarta idade traz consigo várias patologias e um decréscimo das competências de adaptação (Baltes & Smith, 1997), por outro lado, verifica-se que o suporte familiar é cada vez mais reduzido, devido ao crescente aumento de mulheres no mercado de trabalho e consequente indisponibilidade das famílias, para cuidarem das suas pessoas idosas, optando-se frequentemente pela institucionalização. Segundo Slepoj (2000) a “família baseia-se hoje mais na satisfação de desejos do que na assistência recíproca” (p.89); fatores como o envelhecimento da população e consequente aumento de pessoas idosas dependentes, a integração das mulheres no mundo profissional, o menor número de filhos, a focalização dos indivíduos no sucesso profissional, entre outros, levaram à desresponsabilização do papel da família como cuidadora primária, passando o “dever” dos filhos de prestarem assistência aos seus pais, para um novo grupo profissional, o do “cuidador formal”(Casado & López, 2001, cit. por Martinéz, 2005).

Os cuidados formais distinguem-se dos informais por estes serem prestados por familiares ou pessoas próximas, enquanto que os primeiros são disponibilizados por organizações (públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos) em lares, centros de dia ou em regime de apoio domiciliário. Considera-se que os cuidadores formais têm competências técnicas e/ou clínicas que os capacitam para um trabalho baseado na abordagem holística do envelhecimento (Hye-cheon et al., 2009), requerendo-se destes profissionais competências multidisciplinares e aptidões práticas, que proporcionem saber reconhecer problemas cognitivos, sociais e familiares (Kaskie, Gregory & Gilder, 2009), assim como facultar cuidados de saúde, além de satisfazer as necessidades básicas da pessoa idosa.

Segundo autores como Vieira (2003) as instituições voltadas para o cuidado de pessoas idosas “têm uma função social indiscutível, por vezes vital, na organização e no funcionamento da sociedade” (p. 23).

A institucionalização, uma realidade cada vez mais presente na vida da pessoa idosa, tem sido um tema muito focado pela literatura científica, dadas as mudanças havidas neste domínio, desde há algumas décadas e a necessidade de se conhecerem os fatores a ela associados, o seu impacto na vida das pessoas idosas, assim como a necessidade de se fomentar o conhecimento de práticas que promovam o bem-estar destas pessoas.

Em 2004 os dados oficiais apontavam para 56.535 pessoas idosas, institucionalizadas, em 1517 Lares de Terceira Idade legais, representando 3.2% das pessoas idosas (INE, 2007). Em Portugal, a institucionalização é feita maioritariamente através de entidades privadas lucrativas e não lucrativas; destas últimas ressalvam-se as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) que surgiram em 1976 e, são até hoje, as instituições que disponibilizam um maior número de serviços para a população idosa, desde centros de convívio (focados na prevenção do isolamento e manutenção das relações sociais), aos centros de dia (onde são disponibilizados essencialmente serviços associados à alimentação, higiene e outros cuidados básicos, durante o dia, permitindo à pessoa idosa manter-se em sua casa ou com a sua família, mesmo que esta não lhe possa prestar cuidados durante o dia), serviços de apoio domiciliário (este tipo de cuidados incluem desde a satisfação das necessidades básicas a cuidados de saúde, permitindo-se à pessoa idosa continuar a viver em sua casa), até aos lares de terceira idade, com um carácter mais permanente, onde se prestam uma variedade de serviços, como o alojamento temporário ou permanente, alimentação, cuidados de saúde, higiene e conforto, atividades de convívio e animação social, assim como ocupação dos tempos livres (Despacho Normativo nº 12/98 de 25 de Fevereiro, Carvalho, 2006).

Embora a institucionalização seja geralmente rejeitada e temida pela maioria das pessoas idosas, existem famílias que por motivos financeiros ou emocionais, não têm capacidade de cuidar dos seus familiares; assim embora possa ser considerada negativa, a verdade é que a institucionalização frequentemente pode promover uma maior sensação de segurança (Pimentel, 2001), principalmente se resultar de perdas na autonomia, causadas por patologias físicas, perda de cônjuge, carências de apoio social, isolamento ou vivências habitacionais negativas (Pimentel, 2001).

 Na sequência da institucionalização, algumas famílias mantêm um contacto regular com a pessoa idosa, por telefone ou através de visitas; outras, com maior frequência, abandonam-na ou excluem-na do meio familiar, o que potencia fortemente a sua solidão. Barroso e Tapadinhas (2006) verificaram uma predominância da solidão, em pessoas idosas em situação de institucionalização, em relação aos não institucionalizados, observando-se nalguns estudos uma diferença de 50% na depressão, no sentido de ser superior nas pessoas institucionalizadas (Black, Rabins, German, McGuire, & Roca, 1997; Rabins, et al., 1996).

A depressão, considerada uma perturbação do humor, revela-se como de difícil diagnóstico em pessoas idosas (Martins, 2008), devendo, frequentemente segundo este autor, ser considerada presente quando houver sintomatologia depressiva, dissociada de causas orgânicas e quando os tratamentos clínicos não promovem melhorias da situação. A dificuldade de diagnóstico está relacionada com reações normais às perdas físicas e cognitivas que ocorrem com o envelhecimento (Conn, 2005; Giron et al., 2005; Mulsant & Ganguli, 1999; Salzman, 1999; Tierney, McPhee & Papadakis, 2003).

A depressão varia a nível da severidade e duração, podendo mesmo tornar-se incapacitante, sendo geralmente recorrente e acompanhada por sintomatologia física e psicológica. Numa fase inicial de depressão o indivíduo apresenta sintomas típicos como: humor triste constante, perturbações do sono, perdas a nível do apetite, de peso (excecionalmente aumento), do interesse ou prazer pelas atividades comuns, ou ainda de energia e consequente fadiga, pensamentos de autorrecriminação e culpa, perturbações de concentração e de tomada de decisões, diminuição da libido e por vezes ansiedade, irritabilidade, agitação e/ou lentidão (APA, 2002; Sabanés, 1994; Wilkinson, Moore & Moore, 2003). Em casos de depressão grave podem ainda ocorrer ideações suicidas, planos ou mesmo tentativas de suicídio; recusa em alimentar-se; delírios e/ou alucinações (Wilkinson et al., 2003). Em termos clínicos a perturbação é diagnosticada quando estão presentes cinco ou seis sintomas dos referidos.

A depressão pode interferir com o dia-a-dia do indivíduo, levando a uma maior tendência para ver a vida de forma pessimista, a alguma incapacidade em sentir alegria ou satisfação, observando-se perturbações nas relações e atividades sociais, em domínios como o sexual ou profissional, o que por sua vez contribui para a depressão decorrente da sensação de fracasso nessas áreas. Porém, há pacientes que não aparentam tristeza, veiculando os sintomas para perturbações somáticas, como dores físicas, de cabeça, cansaço, perturbações do apetite ou do sono, inibição ou problemas dermatológicos, entre outros.

As ideações suicidas são muito frequentes na depressão grave e é relevante notar que as tentativas de suicídio são prevalentes em indivíduos em tratamento, porque existe um retorno de energia e capacidade de agir que a pessoa não tem quando está em depressão profunda (Gleitman, 1999).

Sabe-se que a depressão nas pessoas idosas é uma perturbação que é sub-diagnosticada e por isso insuficientemente tratada (Demétrio, 2005; Conn, 2005; Giron et al., 2005; Mulsant & Ganguli, 1999; Salzman, 1999), estando também relacionada com um risco severo de suicídio (Conwell, 1997).

Tem-se verificado uma alta prevalência de depressões atípicas nas pessoas idosas, pelo que muitas vezes não se enquadram nos critérios de classificação definidos por manuais como o DSM-IV e o CID 10 (Cohen & Eisdorfer, 1997 cit. por Martins, 2008).

Uma das características das depressões atípicas é a “depressão sem tristeza” (Gallo, Rabins, Lyketsos, Tien, & Anthony, 1997), com presença de apatia, perturbações percebidas a nível cognitivo, ansiedade, somatização e preocupação excessiva com o corpo (Martins, 2008); será também importante referir ainda a associação entre a depressão e a demência, uma vez que estas se têm mostrado frequentemente concomitantes, com quase um terço de pacientes com demência a apresentar depressão (Maynard, 2003).

Vários estudos apresentam diversos valores de predominância da depressão em pessoas idosas, devido ao conceito de depressão adotado, em cada estudo e ao uso de diferentes métodos de avaliação (Kerber, Dyck, Culp & Buckwalter, 2005); as percentagens referidas variam entre 12.6% e 44% (Jones, Marcantonio & Rabinowitz, 2003; Rovner et al., 1991).

Mulsant e Ganguli (1999) revelam que a depressão atinge aproximadamente 15% dos idosos não institucionalizados, subindo para 30% a 40% em indivíduos com doença de Alzheimer. Os valores apresentados predominam no sexo feminino, sendo duas vezes superior aos homens; porém acredita-se que a discrepância entre os sexos não seja tão grande, uma vez que os homens tendem a mascarar a sintomatologia depressiva.

Blazer (2003) indica que 4% das pessoas idosas manifestam depressão major e 20%  apresentam sintomatologia depressiva significativa; Costa (2005) refere 50% dos idosos institucionalizados com alguma forma de sintomatologia depressiva. Assim, embora a depressão possa apresentar-se associada a vários fatores decorrentes do envelhecimento, a sua prevalência parece agravar-se em pessoas idosas institucionalizadas, verificando-se um maior risco de morbilidade e mortalidade (Morley & Kraenzle, 1994; Parmelee, Katz, & Lawton, 1991, 1992; Rovner et al., 1991).

Aranha (2004) salienta, na prevalência de doenças e mortalidade, o facto da pessoa idosa não ter familiares próximos, pelo que é presumível que pouco apoio social, ou de pouca qualidade, constitui um fator que afeta a saúde da pessoa idosa (Hoolyman & Kiyak, 1997, cit. por Rigo & Teixeira, 2005). Serra (1999) considera o suporte social como a quantidade e coesão das relações sociais que envolvem de modo dinâmico um indivíduo e Saranson, Levine, Basham e Saranson (1993) definem-no como “a existência ou disponibilidade de pessoas em quem se pode confiar, pessoas que nos mostram que se preocupam connosco, nos valorizam e gostam de nós”(p. 127).

O suporte social pode ser descrito pelo tamanho da rede social, pela presença de relações sociais, frequência de contacto com membros da rede social, necessidade de apoio transmitida ou tipo e quantidade de apoio que o indivíduo precisa e  recebe (Dunst & Trivette, 1990). Outros aspetos que caracterizam a rede social de apoio são a extensão da utilização da rede social, a dependência, os comportamentos de reciprocidade, a proximidade/intimidade entre os membros e a satisfação com a rede em geral.

O suporte social é particularmente importante para as pessoas idosas, sendo que é nesta população que frequentemente se verificam as maiores lacunas, pois existe uma elevada quantidade de pessoas idosas que vivem sozinhas ou em instituições, sem apoio familiar.

A rede social de suporte é considerada importante porque: “alivia o stress em situação de crise, pode inibir o desenvolvimento de doenças e quando o indivíduo está doente tem um papel positivo na recuperação da doença” (Rodin e Salovey, 1989, cit. por Santos,  Ribeiro, & Lopes, 2003, p. 186). O indivíduo pode ter uma perceção alterada, positiva ou negativa, do suporte social que tem e daquele que efetivamente lhe é dado.

Saranson, Saranson e Pierce (1990) discriminam o suporte social em três categorias: “1) o modelo de rede, que se focaliza na integração social dos indivíduos num grupo e nas inter-relações que mantêm; 2) o modelo de suporte recebido, que incide no que a pessoa recebe ou refere ter recebido e 3) o modelo de suporte disponível, que diz respeito ao suporte que a pessoa acha que está disponível, se ela precisar. Por seu lado, Serra (1990) descreve seis tipos de apoio social: afetivo, emocional, percetivo, instrumental, informativo e através da convivência.

Dunst & Trivette (1990) revelam que o suporte social pode ser formal (e.g. lares de idosos), ou informal (e.g. família, amigos). Na literatura, encontram-se vários estudos relacionando o suporte social e a saúde, como o de Demaray, Malecki, Davidson, Hodgson & Rebus (2005), Seiffge-Krenke (1995), e de Singer & Lord (1984), que afirmam que o apoio social poderá ser um fator de proteção das perturbações causadas pelo stress. Neste sentido, considerando pertinente a associação entre o suporte social, depressão e institucionalização, propusemo-nos realizar um trabalho empírico, a fim de averiguarmos, qual a incidência de depressão em pessoas idosas institucionalizadas, tentando-se perceber e relacionar esta variável com o suporte social (grau de satisfação e número de pessoas que constituem a rede social de apoio da pessoa idosa institucionalizada) e variáveis sociodemográficas como a idade e habilitações literárias.

Método

Participantes

O grupo de participantes é composto por 25 pessoas idosas, residentes num lar, com idades compreendidas entre os 63 e os 93 anos, sendo a média etária de 80,84 anos. A maioria (84%) é do sexo feminino, viúva (84%) e com baixa escolaridade (52% não tem escolaridade e 44% tem o 1º ciclo). A categoria profissional predominante é referente ao grupo dos Agricultores e Trabalhadores Qualificados da Agricultura e Pescas. A maioria (80%) dos participantes tem filhos (60% têm entre 1 a 2 filhos e os restantes 3 a 4 filhos) e está institucionalizada há menos de 4 anos (80%), verificando-se em 48% dos casos que esta é recente (menos de 1 ano).

A maioria dos participantes sofre de doenças crónicas (80%), sendo os problemas mais frequentes os de ossos (24%), auditivos (20%), diabetes (16%) e os problemas de coração (12%).

Da totalidade, 88% referiu receber visitas, maioritariamente dos filhos ou outros familiares (64%) e amigos (20%); destes 50% recebem visitas semanalmente e 36,40% quinzenalmente.

 

Instrumento

Foram utilizados questionários adaptados para a população portuguesa, nomeadamente, a Escala da Depressão Geriátrica de Yesavage et al. (1983) e o Questionário de Apoio Social (SSQ-R), Versão Reduzida (SSQ6) de Moreira et al. (2002), versão portuguesa do “Social Support Questionnaire” de Saranson, Levine e Basham (1983).

A Escala de Depressão Geriátrica (GDS) é muito utilizada como instrumento de diagnóstico de depressão em pessoas idosas. Apresenta 30 itens, sendo cotada de forma dicotómica (Sim/Não), atribuindo-se um ponto para cada resposta compatível com depressão. O score final determina a severidade da depressão do indivíduo: 0 a 10 pontos indica inexistência de depressão evidente; 11 a 20 pontos depressão moderada e dos 21 aos 30 pontos depressão severa.

O Questionário de Apoio Social (SSQ6), inclui  apenas seis questões, permitindo contudo avaliar duas dimensões de apoio social percebido: o número de pessoas disponíveis para darem apoio (SSQ-N) e a satisfação com esse apoio (SSQ-S). Em cada questão pede-se a indicação do número de fontes de suporte social percebido (podendo-se obter um número mínimo de 0 – correspondente a nenhum  – e máximo de nove)  e  seguidamente a avaliação da satisfação com esse suporte, podendo esta variar em seis pontos de uma escala tipo Likert (de “Muito Satisfeito” a “Muito Insatisfeito”).

Procedimento

Após se obter a autorização da coordenadora técnica, de um lar, para o desenvolvimento do estudo, foram selecionados os utentes aptos a participar, sendo excluídos os que manifestavam problemáticas neurológicas, como a Doença de Alzheimer.

 A recolha dos dados foi realizada no gabinete médico da instituição, individualmente, com cada utente e sem interrupções. A aplicação dos questionários teve uma duração média de 20 minutos, tendo os instrumentos sido apresentados sempre na mesma ordem, primeiro o GDS e seguidamente o SSQ-6.

Resultados

Tratamento Estatístico dos Dados

O tratamento de dados foi efetuado através do software PASW Statistics 18. Recorreu-se ao teste exato de Fisher, para cruzar um conjunto de variáveis com os níveis de depressão (3 níveis: ausência de depressão, depressão ligeira e grave). As variáveis não dicotómicas foram reagrupadas no sentido de se organizar 2 grupos (ex. na idade, foi calculada a mediana e criados dois grupos a partir desse valor), obtendo-se assim tabelas de contingência.

Recorreu-se ainda ao coeficiente de correlação não paramétrico de Spearman para correlacionar o score total de depressão, com o score total de satisfação com o suporte social. Usou-se ainda este coeficiente, para relacionar a satisfação com o suporte social, com o número de pessoas da rede de apoio.

GDS – Escala de Depressão Geriátrica

Os scores obtidos na GDS variam entre os 4 e os 25, sendo a média de 14,68 e o desvio padrão de 6,5.  Os dados revelam que apenas 28% dos participantes não apresentam depressão; dos restantes, 48% revelam depressão ligeira e 24% uma depressão grave.  Efetuou-se uma análise de frequências aos itens com respostas sim e não, seguidamente, exposta,  na tabela 1 e 2.

Os resultados obtidos com a GDS revelam que muitos dos participantes, se sentem muitas vezes com vontade de chorar (84%),  aborrecidos (80%), inquietos ou nervosos (72%), afligem-se muitas vezes com pequenas coisas (72%), colocaram de lado muitas das  atividades e interesses (68%) e têm dificuldade em começar novas atividades, preferindo ficar no lar, em vez de sair e fazer coisas novas (68%). Muitos dos participantes responderam ainda preocuparem-se muitas vezes com o futuro (68%), sentirem-se muitas vezes desamparados (64%), desanimados e abatidos (60%) ou inúteis (56%).

Por outro lado, embora a maioria dos inquiridos respondesse não ter facilidade em tomar decisões (56%,), nem ter esperança no futuro (52%), foram poucos os participantes que responderam não gostarem de estar vivos ou  de se levantarem de manhã (12%), ou ainda, não estarem bem-dispostos a maior parte do tempo (20%).

Questionário de Apoio Social

As respostas ao questionário de apoio social, revelam que 48% dos participantes, referiram que as pessoas com quem realmente podem contar quando precisam de ajuda são os filhos; as outras respostas com maior frequência incidiram nos amigos (28%) e irmãos (20%). A maioria dos inquiridos (60%) refere também os filhos, como as pessoas com quem podem contar para se preocuparem com eles, para se sentirem melhor quando estão em baixo (nesta questão, 24% dos utentes mencionam os filhos, 20% ninguém, 16% os amigos e 12% os auxiliares do lar) ou ainda as pessoas que os aceitam totalmente (os filhos obtêm, neste item, 32% das respostas, os amigos 24% e outros utentes 20%).

 Por outro lado, no que concerne às pessoas que os utentes referem como importantes para se sentirem mais relaxados em situações de tensão e pressão, as respostas mais frequentes foram “ninguém” (28%) e os auxiliares do lar (24%), verificando-se percentagens algo idênticas nestes itens, em repostas à questão relativa às pessoas com quem podem contar para os consolar: “ninguém” (32%), filhos (28%) e auxiliares do lar (28%).

A esmagadora maioria dos participantes refere algum familiar (tabela 3), como a pessoa com quem podem contar quando precisam de ajuda (76% – Q1), ou para se preocuparem com eles (76% – Q4), o mesmo não acontecendo noutros aspetos, nomeadamente nas questões “com quem podem contar para se sentirem relaxados (Q 2), melhor quando estão em baixo (Q 5), para os consolar quando estão muito preocupados (Q 6) e para “os aceitar como são” (Q3) , onde se verifica que a percentagem de referência a um familiar é substancialmente mais baixa (inferior a 50%); como foi acima referido, nalgumas destas questões  (as relativas ao apoio para se sentirem relaxados ou serem consolados, quando estão preocupados), há uma grande percentagem a referir não ter ninguém para esse tipo de apoio (28% a 32%) ou a referir as auxiliares do lar (24% a 32%).

Relativamente ao grau de satisfação com o apoio recebido, nas questões 1 e 3 todos os participantes revelaram satisfação (satisfeitos ou muito satisfeitos),  na  2 (relativa a com quem podem contar para se sentirem relaxados) dois participantes (8%) revelaram insatisfação e nas questões 4, 5 e 6, apenas 1 participante (4%) mostrou descontentamento; a maioria dos participantes (56%) refere 1 a 2 pessoas na sua rede de apoio, 40% mais do que duas pessoas e apenas um inquirido indica não ter ninguém.

 

 

Relação entre a Depressão, Suporte Social e Variáveis Sociodemográficas

O teste de Fisher (tabela 4) revelou a existência de uma relação significativa entre a idade e a depressão (p≤0,05); existem mais casos de depressão grave, no grupo de pessoas idosas com mais de 84 anos e de ausência de depressão no grupo com idade até 84 anos. O mesmo teste aplicado à relação entre as habilitações literárias e a depressão revelou a existência de uma relação significativa entre as habilitações e a depressão uma vez que p≤0,05, constatando-se mais casos de depressão grave, no grupo não escolarizado e de ausência de depressão no grupo escolarizado.

O teste de Fisher foi aplicado de igual forma para testar a correlação entre a depressão e  variáveis como o número de pessoas da rede de apoio, tendo-se obtido  um p> 0,05, ou seja, uma relação estatisticamente não significativas  entre esta variável e a depressão.

Relativamente à correlação entre a satisfação com o apoio social e a depressão utilizou-se a correlação não paramétrica de Spearman, obtendo-se uma correlação significativa, negativa moderada de – .46, p = .02≤ 0,05 entre a satisfação e o total da depressão: quanto maior a satisfação com o apoio social menor o score na escala de depressão.

 

Discussão      

Considerando estudos de autores como Marinho (2010), Martins (2008) e Papadopoulos (2005), o grupo de participantes apresenta características muito comuns à generalidade das pessoas idosas institucionalizadas: pessoas com uma média de idade de 80,84 anos, apresentando doenças crónicas, sendo a maioria do género feminino, viúvas, refletindo a já esperada superioridade feminina (Netto, 2000). Caracterizam-se também por terem filhos, possuírem baixa escolaridade e profissões na área da agricultura e pesca, dado a instituição se situar numa zona rural piscatória.

Constatou-se a prevalência de uma depressão ligeira em grande parte dos casos (48%), o que revela concordância com os resultados obtidos noutros estudos, como os de Weyerer, Hafner, Mann, Ames e Graham (1995) no Reino Unido e de Brodaty et al. (2001) na Austrália, que referem índices de 48% e 42%, respetivamente. Martins (2008) afirma que o envelhecimento por si só propicia o aumento da sensibilidade afetiva, devido a alterações neurológicas e fisiológicas, a que se associam fatores de exclusão social, que também contribuem para aumentar a probabilidade de desenvolvimento de um processo depressivo, na pessoa idosa. A mesma autora, após a análise de vários estudos, salienta que a percentagem de pessoas idosas com perturbações depressivas é elevada, agravando-se estes valores nas que residem em lares, pois a institucionalização poder ser vivenciada, como stressante, podendo contribuir, segundo autores como Vieira (996) para o desenvolvimento de depressões, dado que a pessoa idosa começa a experienciar alterações no seu meio social, tendo de adotar um novo estilo de vida;  Beekman et al. (1995) e Osborn et al. (2003), evidenciam, por outro lado, a influência das doenças crónicas no estado de saúde mental da pessoa idosa, o que nos remete para  o facto da maioria dos inquiridos  deste estudo possuírem doenças crónicas, podendo estas constituir um fator que poderá contribuir para a elevada percentagem de participantes, com depressão.

Os resultados obtidos na análise das frequências dos itens da GDS, com cotação “sim”, revelam, de acordo com Cohen e Eisdorfer (1997) alguns dos sintomas de uma depressão atípica (e.g. apatia, queixas subjetivas de comprometimento cognitivo, ansiedade, somatização, excesso de preocupação). Estes autores referem que a institucionalização contribui para alguns dos sintomas, que surgem nas pessoas idosas, como a falta de vontade em realizar atividades de seu interesse, a dificuldade em começar novas atividades e a preferência por não sair da instituição.

Relativamente às frequências obtidas nos itens da GDS com cotação de 1 para “não”, são de salientar as respostas concernentes à capacidade de decisão que se mostrou negativa. Martins (2008) salienta que a satisfação das necessidades da pessoa idosa institucionalizada é escrupulosamente planeada, limitando-se o seu poder de decisão e de influência institucional. Deste modo, a falta de decisão poderá ser condicionada pelo ambiente institucional, embora possa também resultar de outros fatores associados a doença.

Verificou-se que as pessoas idosas mais velhas (mais de 84 anos), apresentam mais casos de depressão grave, o que é congruente com o que defende Bergdahal et al. (2005), que refere a existência de uma associação entre os sintomas depressivos e o aumento da idade. Por outro lado,  a existência de mais casos de depressão grave, no grupo dos participantes não escolarizados e sua ausência  no grupo escolarizado, coaduna-se com os resultados obtidos noutras investigações, que associam o nível de instrução, à prevalência de depressão na população idosa (Chou & Chi, 2005; Papadopoulos et al. 2005).

Embora os testes realizados no nosso estudo, não tenham denotado uma relação significativa, entre a depressão e o número de pessoas da rede de apoio, existem autores como Irigaray e Schneider (2007), Jefferson e Greist (1997) cit. Irigaray e Schneider (2007), Papalia et al. (2006), que acreditam que a composição da rede social da pessoa idosa e o tipo de relações estabelecidas, ajudam a minimizar e a enfrentar a depressão. No entanto, como defende Goldstein (1998), citado em Resende et al. (2006), o mais importante na rede social de apoio não é o número de elementos, mas sim a qualidade das relações; a manutenção do contacto com o mundo existente fora da instituição, pode revelar-se  positiva para a pessoa idosa.

A rede social de apoio destes participantes, é constituída maioritariamente por cuidadores formais (as funcionárias da instituição acolhedora) e pelos familiares mais próximos, nomeadamente, os filhos. De acordo com os seis tipos de apoio social defendido por Serra (1999), infere-se que as auxiliares do lar e os familiares desempenham  um papel de grande relevância no domínio do apoio afetivo, auxiliando a pessoa idosa institucionalizada sempre que necessita de ajuda ou revelando preocupação com o seu bem-estar, o que pode contribuir para o desenvolvimento de um sentimento de pertença; os familiares, poderão ainda fornecer apoio instrumental, nomeadamente financeiro.

Os participantes encontram-se maioritariamente satisfeitos com o apoio recebido, verificando-se uma correlação, significativa, entre o índice de depressão e o grau de satisfação com a sua rede social, ou seja, observa-se que quanto maior é a satisfação com a rede social, menor o score na escala de depressão. Assim, a satisfação da pessoa idosa institucionalizada, com a rede de suporte social, pode ter um papel preponderante no sentido de evitar ou atenuar o desenvolvimento de sintomas depressivos (Marinho, 2010).

    Este trabalho apresenta limitações de ordem metodológica, pelo reduzido número de participantes e processo de amostragem de conveniência, associado a um  não balanceamento de características, como o género sexual; estes factos traduzem-se na pouca representatividade da amostra e impossibilita a extrapolação e generalização dos resultados à população em geral. Por outro lado, verificou-se ser necessário relembrar, ao longo da aplicação dos questionários, por diversas vezes,  a confidencialidade das respostas, dado o fator desejabilidade social, associado à dependência dos participantes de terceiros (tornou-se evidente a preocupação dos inquiridos, relativamente à possibilidade da Coordenadora Técnica da instituição conhecer os resultados, ou mesmo a Segurança Social).

Para complementar os resultados obtidos neste trabalho, seria importante desenvolverem-se estudos, com grupos de maior dimensão e igual número de participantes de cada género sexual, de forma a tornar possível averiguar possíveis diferenças relativas a esta variável. Seria também pertinente realizarem-se estudos longitudinais, a fim de se obter uma melhor compreensão sobre a influência do tempo de institucionalização na depressão, ou sua estabilidade ou mudança/evolução durante esse período; outros possíveis trabalhos nesta área, poderiam comparar pessoas idosas institucionalizadas e não institucionalizados,  procurar conhecer a opinião das famílias, de cuidadores informais e formais, nomeadamente as auxiliares dos lares. Considerando o exponencial aumento da população idosa em todo o mundo, pensamos ser  fundamental incrementar a investigação nesta área, de forma a garantir melhores condições de vida às populações idosas, em situação de institucionalização.

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[1] Mestre em Psicologia Clínica. marianeto85@gmail.com

Instituto Superior de Psicologia Aplicada-Instituto Universitário (ISPA-IU).

 

[2] Professora no Instituto Superior de Psicologia Aplicada – Instituto Universitário (ISPA-IU).

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Out 3, 2013

Doença de Alzheimer, conhecer melhor para melhor intervir

Alzheimer’s Disease, better known for better intervene

Enfermedad de Alzheimer, más conocido por intervenir mejor

Simone Raquel Pinto Saraiva (Enfermeira no Lar Monterey – Lisboa)

 

Resumo

A doença de Alzheimer é uma doença degenerativa atualmente incurável mas que possui tratamento. O tratamento permite melhorar a saúde, atrasar o declínio cognitivo, tratar os sintomas, controlar as alterações de comportamento e proporcionar conforto e qualidade de vida à pessoa que a possui e sua família.

Objetivo: Com este trabalho, pretende-se, sobretudo, conhecer melhor esta doença e tudo o que nela está implícito. Este conhecimento vai levar também a criar intervenções de enfermagem mais apropriadas a este tipo de doentes.

Metodologia: Para a elaboração deste trabalho os recursos utilizados foram a consulta bibliográfica relacionada com o tema em estudo e à consulta webliográfica recorrendo à pesquisa eletrónica no motor de busca Google.

Conclusão: Com a informação recolhida sobre a Doença de Alzheimer, foram elaboradas intervenções de enfermagem ao individuo que apresenta esta, tendo por base a mais recente evidência científica.

PALAVRAS-CHAVE: Doença de Alzheimer, Diagnóstico, Tratamento, Intervenções de Enfermagem

Abstract

Alzheimer’s disease is a degenerative disease currently incurable but who has treatment. The treatment allows improving health, delaying the cognitive decline, treating the symptoms, controlling changes of behavior and provide comfort and quality of life the person that owns it and his family.

Objective: With this work, it is, above all, know this disease better and everything in it is implicit. This knowledge will also lead to create nursing interventions most appropriate to this type of patients.

Methodology: For the elaboration of this work the resources used were the bibliographic consultation related to the topic under study and consultation webliografica using electronic searches in the search engine Google.

Conclusion: With the information gathered on the Alzheimer’s Disease, were drawn up nursing interventions to individual who presents this, based on the most recent scientific evidence.

KEYWORDS: Alzheimer’s Disease, Diagnosis, Treatment, Nursing Interventions

Introdução

O aumento da esperança média de vida e o acréscimo das doenças crónicas progressivas e incuráveis na população adulta e idosa, aliados à busca incessante da melhoria da qualidade de vida, estão intimamente relacionados com o progresso dos cuidados de saúde. Um dos problemas de saúde atuais é as demências, como a doença de Alzheimer, que representam um grande custo económico para as intuições de saúde e são causa de sofrimento e diminuição da qualidade de vida para as pessoas que as possuem, como também para as suas respetivas famílias. Para além destes problemas, o facto de estes doentes serem tratados como os doentes agudos, leva a que as intervenções por parte dos profissionais de saúde não sejam as mais corretas e por vezes exista mesmo obstinação terapêutica. Estas situações levam-nos a pensar que, na área da saúde, deve existir outro tipo de intervenções terapêuticas, o que nos remete para os cuidados ao individuo conforme as suas necessidades, aceitando a sua incurabilidade, ou seja, as intervenções realizadas à pessoa com doença devem ser paliativas.

Isto remete-nos para a prestação de cuidados paliativos que, segundo a Organização Mundial de Saúde (2002), citado pela Associação Nacional de Cuidados Paliativos (2006, p. 2, 3)1 são uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável com prognóstico limitado, e/ou doença grave (que ameaça a vida), e suas famílias, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce, avaliação adequada tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, como a dor, mas também dos psicossociais e espirituais.

Apesar de atualmente, a maioria da população pensar que os cuidados paliativos são só para os doentes oncológicos, em fase terminal, já se começa a mudar esse pensamento tão restritivo e segundo António Barbosa e Isabel Galriça Neto (2010, p. 247)3, “os cuidados paliativos devem, pois, ser oferecidos com base num conjunto de necessidades e não com base nos diagnósticos. É preciso garantir a justiça e a equidade no acesso aos cuidados de saúde, nomeadamente paliativos, para este numeroso grupo de doentes incuráveis, dentre os quais queremos destacar os doentes com demência avançada”. Isto leva a que a dicotomia entre cuidados curativos e cuidados paliativos esteja a esbater-se pois, o ideal é existirem ações paliativas nos doentes agudos que posteriormente necessitaram de cuidados paliativos, como os doentes com alzheimer e ações curativas nos doentes paliativos, como por exemplo uma cirurgia ortopédica por fratura do colo do fémur, num doente oncológico. Ou seja existir o modelo integrado em vez do modelo separado que é o modelo que ainda persiste na maioria das nossas instituições.

A doença de Alzheimer é uma demência. Segundo Letícia Lessa Mansur et al (2005, p. 300)6 pelos critérios do DSM IV (APA, 1994), considera-se dementes os indivíduos que evidenciam deterioração cognitiva particularmente da memória, a qual afeta as atividades da vida cotidiana. A DA se insere entre os quadros progressivos irreversíveis, cujo declínio cognitivo tem bases estruturais, com tempo de evolução variável, sendo a sobrevida, em média, de 8 anos após o início dos sintomas.

Já António Barbosa e Isabel Galriça Neto (2010, p. 248)3 dizem que a demência pode definir-se como uma síndrome de instalação progressiva em que ocorre deterioração cognitiva e intelectual, que depois persiste, acompanhada por um progressivo declínio funcional e da autonomia da pessoa doente, com implicações claras na sua sobrevida, já que eventualmente virá a falecer devido a essa mesma patologia ou às limitações que a mesma determina (imobilismo, alterações da deglutição e infecções associadas). Este quadro demencial tem na sua origem diferentes etiologias possíveis, sendo a demência de Alzheimer responsável pela maioria dos casos, …em cada 10 doentes com demência, 6 terão a doença de alzheimer … no entanto há uma pequena percentagem de doentes que pode apresentar demência de múltiplas causas.

A fase evolutiva e prognóstico no caso da demência de Alzheimer, segundo António Barbosa e Isabel Galriça Neto (2010, p. 250)3, de acordo com a escala Fast proposta por Reisberg para avaliação e estadiamento funcional, existem 7 estadios, …O estadio 5 corresponde a doença moderada (o doente requer assistência nas tarefas complicadas, como escolher a roupa adequada, e na higiene pessoal), o 6 o de doença moderadamente severa (para além do anterior, surgem problemas de incontinência urinária e/ou fecal) e no 7, doença severa, ocorre redução acentuada do vocabulário que se limita a meia dúzia de palavras inteligíveis ao longo do dia, perda mímica facial, incapacidade de andar e perda de equilíbrio da cabeça. A fase avançada da doença caracteriza-se claramente por problemas de mobilidade, dificuldade na alimentação (disfagia ou recusa alimentar), incontinência e infecções de repetição (respiratórias, urinárias e/ou de feridas).

Nos doentes com demência avançada, como perdem a capacidade de se expressarem bem verbalmente, a avaliação do sofrimento e o controlo de sintomas estão dificultadas, contudo António Barbosa e Isabel Galriça Neto (2010, p. 250)3 afirmam que os sintomas mais frequentes serão as alterações comportamentais, a dor abdominal (atenção à obstipação, à retenção urinária e aos fecalomas), as dificuldades na alimentação, a febre e as infecções, e a retenção de secreções respiratórias, também o delirium e a agitação, assim como o apoio aos prestadores de cuidados merecem destaque nas intervenções terapêuticas.

Por tanto, uma boa avaliação prognóstica é fundamental para se fazer corretamente os diagnósticos de intervenção no doente e consequentemente as intervenções mais adequadas a utilizar.

Doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer é uma doença degenerativa que, lenta e progressivamente, destrói as células cerebrais. Chama-se assim porque foi Alois Alzheimer, um médico psiquiatra, e neuropatologista, alemão, quem em 1906 descreveu pela primeira vez os sintomas e as características neuropatológicas da doença de Alzheimer, tais como placas e tranças neurofibrilhares no cérebro. A doença afecta a memória e o funcionamento mental (por exemplo o pensamento e a fala, etc), mas pode igualmente levar a outros problemas, tais como confusão, alterações de humor e desorientação no tempo e no espaço2.

Nesta doença a perda de memória e de faculdades intelectuais é ligeira no início, sendo mesmo impercetível por parte do indivíduo e dos familiares, contudo ao longo da sua progressão vai-se tornando percetível de tal modo que começa a afetar as atividades de vida diárias do indivíduo o que leva a que este passe a ser dependente para estas mesmas atividades. Por exemplo, uma mulher, quando se encontra numa fase intermédia da doença, perde a capacidade de controlo dos esfíncteres o que leva à incontinência urinária e, tendo o autocuidado da higiene diminuído, leva a que esteja dependente de um cuidador para que este autocuidado lhe seja prestado. Isto impede que outras doenças oportunistas se manifestem, como por exemplo a infecção urinária. Por tanto, a doença de Alzheimer é uma doença não infeciosa nem contagiosa mas sim uma doença terminal que causa uma deterioração geral na saúde do indivíduo que a possui2.

Na doença de Alzheimer a causa mais comum de morte é a pneumonia, porque à medida que a doença avança, o sistema imunitário vai deteriorando com progressiva perda de peso, o que aumenta o risco de infeções da garganta e dos pulmões2.

Esta doença no passado era considerada uma forma de demência pré-senil, contudo na atualidade sabe-se que esta doença afeta também pessoas com idade inferior a 65 anos e é designada quer de demência pré-senil, quer de demência senil do tipo Alzheimer, dependendo da idade da pessoa que a possui.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz-nos que a doença de Alzheimer deve ser considerada uma prioridade mundial pois, ao longo dos anos e a nível mundial, o seu aumento está a ser exponencial, sobretudo nos países de baixo e médio desenvolvimento.

O diagnóstico desta doença não é linear pois não existe um teste especial para determinar se alguém tem doença de Alzheimer. O diagnóstico é feito por um processo de exclusão, bem como por uma observação cuidadosa do estado físico e mental da pessoa, mais do que por a doença parecer ser evidente no momento2.

 Há de facto três diagnósticos possíveis: doença de Alzheimer possível, provável ou certa. Um diagnóstico de possível doença de Alzheimer baseia-se na observação dos sintomas clínicos e na deterioração de duas ou mais funções cognitivas (por ex. a memória, a linguagem ou o pensamento), sempre que uma segunda doença está presente, que não se considera ser a causa de demência, mas faz com que o diagnóstico de doença de Alzheimer seja menos certo. O diagnóstico é classificado como provável, com base nos critérios acima mencionados, na ausência de uma segunda doença. A única maneira de confirmar com certeza o diagnóstico de doença de Alzheimer, é a identificação das características placas e tranças no cérebro. Por esta razão, o terceiro diagnóstico, o da doença de Alzheimer de certeza, só pode ser feito por biópsia cerebral ou depois de se ter efectuado uma autópsia2.

O diagnóstico precoce, por tudo o que foi acima referido acerca desta doença é importante para que a prestação dos cuidados prestados, à pessoa com a doença de Alzheimer, sejam os mais adequados possível de modo a que a qualidade de vida esteja garantida.

Nos cuidados de enfermagem, a promoção de uma melhor qualidade de vida à pessoa tem um especial relevo, e tem como objetivo ideal promover a recuperação da qualidade de vida da pessoa antes de requerer cuidados. No caso dos cuidados paliativos como nem sempre é possível atingir este patamar mas, é possível proporcionar uma qualidade de vida baseada nas necessidades apresentadas pelo doente. Isto só é possível com a aquisição do conhecimento científico por parte dos enfermeiros e restantes profissionais de saúde, onde a prática baseada na evidência se torna um ótimo recurso. Para além de melhorar a qualidade de vida das pessoas, a prática baseada na evidência implicará menos gastos económicos, fazendo com que os cuidados de enfermagem passem a ser eficientes. Tal, significa menos custos diretos e indiretos à instituição e também ao próprio utente, família do utente e todas as entidades intervenientes no processo de tratamento deste.

Aqui, a investigação tem um papel fundamental para o constante desenvolvimento tecnológico e científico dos cuidados de enfermagem, promovendo a qualidade dos mesmos. Sobre isto, é importante referir que os enfermeiros contribuem no exercício da sua atividade para a área de gestão, investigação e formação com o intuito de melhorar e evoluir a prestação dos cuidados de enfermagem: os enfermeiros concebem, realizam, promovem e participam em trabalhos de investigação que visem o progresso da enfermagem, em particular, e da saúde, em geral8.

Para que tudo isto seja alcançado, subsiste então a necessidade de haver um trabalho de pesquisa por parte dos profissionais de saúde em realizar estudos de caso, promovendo também a pesquisa científica pois, só assim irão alcançar a informação necessária para a prestação de cuidados de enfermagem centrados nas necessidades da pessoa com doença de Alzheimer, promovendo acima de tudo a qualidade de vida nos estadios em que a pessoa se encontra perante a mesma doença.

É preciso não esquecer que este tipo de doentes se encontra em todos os serviços de saúde e, por isso, há necessidade de que todos os profissionais de saúde estejam despertos para tais necessidades e, de saber quais as intervenções a realizar à pessoa com doença de Alzheimer para que a qualidade de vida seja proporcionada ao máximo nível de que esta necessita.

Então as necessidades da pessoa com doença de Alzheimer deve ser uma prioridade com que os enfermeiros se devem preocupar, quando tratam da pessoa com esta doença, a qualidade de vida e as suas necessidades devem ter a maior atenção por parte dos enfermeiros e de toda a equipa multidisciplinar.

Intervenções de Enfermagem

Como já foi referido, a doença de Alzheimer nas fases mais avançadas da doença tem indicação para cuidados paliativos pois, é uma doença progressiva e incurável. Como tal, as intervenções de enfermagem centram-se não só na comunicação, no trabalho da equipa multidisciplinar e da pessoa e família, como também no controlo de sintomas.

O tratamento desta doença passa, não só pela prevenção e tratamento desta, mas também pelo tratamento dos sintomas proporcionando assim uma melhor qualidade de vida e indo de encontro às necessidades que o doente vai apresentando. Por isso, ir-se-á abordar as intervenções aos sintomas mais comuns da doença de Alzheimer.

Existe evidência de que a dor é genericamente subavaliada e subtratada nestes doentes. Deverão ser sempre valorizadas a linguagem não verbal – postura, fácies -, as mudanças nas vocalizações, padrão respiratório, e as mudanças no padrão habitual de interacções interpessoais… Dentre as várias escalas de avaliação da dor para não comunicantes, queremos aqui destacar a escala DS-DAT (Disconfort Scale for Dementia of Alzheime’s Type), proposta por Hurley e que avalia 9 categorias de comportamentos (da expressão facial, aos vocalizos, à tensão e linguagem corporal), cada uma de 0 a 4, sendo as pontuações totais mais baixas as relacionadas com maior conforto… Os princípios preconizados pela OMS e largamente difundidos para o tratamento da dor crónica – “tratamento pela escala analgésica, pela boca e pelo relógio, em função da intensidade da dor” – aplicam-se também a estes doentes. A utilização de opióides não deve ser negligenciada, no caso de se tratar de dor moderada a severa, considerando que estes doentes já têm normalmente tendência, pelo imobilismo, a desenvolver obstipação, pelo que a introdução de laxantes pode ser imprescindível. No caso do doente não deglutir, preconiza-se o recurso a vias de administração alternativas à via oral, como a subcutânea e a transdérmica3.

Importa sublinhar que a dor não tratada é muitas vezes o factor que está na base de alterações do comportamento e de agitação3.

A existência de demência torna os indivíduos mais susceptíveis à ocorrência de delirium, bem como à ocorrência de efeitos secundários de vários fármacos (anticolinérgicos, opióides, neurolépticos, por exemplo). Não se devem usar doses subterapêuticas ou invocar os efeitos secundários dos fármacos – ainda mais sendo eles tratáveis – para não recorrer a um acertado controlo sintomático da agitação, pilar central da promoção da dignidade e qualidade de vida destes doentes e seus familiares… Por outro lado, não é demais sublinhar a necessidade de o regime terapêutico contemplar medicação pautada (“a horas certas”) e depois sempre com um SOS disponível3.

No caso de agitação psicomotora convém sempre descartar a presença de dor não tratada, de fecalomas e/ou retenção urinária3.

Os antipsicóticos neurolépticos, sobretudo os atípicos (risperidona, olanzapina, clozapina…), desprovidos de efeitos extra-piramidais, são a base para o tratamento correcto destes sintomas perturbadores, e devem ser progressivamente titulados3.

Nestes doentes é inevitável que surjam problemas alimentares, associados à dificuldade de deglutição (para sólidos e líquidos) e à recusa alimentar. Convém insistir em medidas não invasivas, como o alimentar o doente lenta e pacientemente à mão, em quantidades bem menores que as habituais, mas suficientes para as suas necessidade reduzidas, recorrer aos pequenos snacks, aos espessantes para líquidos e às gelatinas… A alimentação por sonda nunca deverá ser vista como substituta da alimentação oral, mesmo e, sobretudo, quando esta se torna uma tarefa muito demorada que exige muita paciência3.

A evidência existente demonstrada claramente que a alimentação por sonda, longe trazer bem-estar para o doente, aumenta a mortalidade e não traz outros benefícios esperados, como, por exemplo a prevenção da aspiração de secreções, a diminuição das infecções respiratórias ou a cicatrização de úlceras de pressão3.

Os mesmos autores referem que nas fases mais iniciais das demências a colocação da gastrostomia percutânea (PEG) é preferível à sonda nasogástrica (SNG) por ser menos invasiva, mas este procedimento deve ser afastado, nas fases mais avançadas, por risco de arritmias fatais e morte peri-operatória3.

No caso de o doente manifestar diminuição de apetite, deve-se descartar algumas causas reversíveis como a obstipação, alterações das preferências alimentares, má higiene oral (a sua ausência provoca desconforto e o não prazer no saborear dos alimentos) ou dor não tratada3.

Nos doentes com demência terminal existem vários factores que dispõem a ocorrência de febre e de infecções associadas: o imobilismo e as alterações da integridade cutânea associadas, à incontinência, à diminuição das defesas imunitárias e as dificuldades de deglutição. As infecções respiratórias, urinárias e de feridas são as que nestes doentes se verificam com maior frequência3.

Define-se “tratamento da pneumonia com intuito curatico “ e “tratamento paliativo”: o primeiro diz respeito a um tratamento que tem a cura de infecção como objectivo primário (o que se torna cada vez mais o tópico com a reincidência das infecções), e no segundo a cura não é só objectivo mas sim o tratamento dos sintomas resultantes da pneumonia, pelo desconforto que possam causar. Neste último caso, os antibióticos também poderão ser utilizados, preferencialmente em concomitância com medidas como a oxigenoterapira, os antipiréticos e os opióides3.

A antibioterapia em cuidados paliativos deve ser ponderada segundo os vários aspetos clínicos e éticos, apesar de ser uma medida invasiva. Esta será justificada se os benefícios ultrapassarem os malefícios e deverá ter sempre em conta a origem das infeções e a irreversibilidade dos fatores que as predispõem, assim como a ausência de melhorias significativas para o conforto do doente.

Como a doente apresentou infeções de variadas origens, nos dois episódios de internamento, a utilização de antibioterapia foi essencial para que a qualidade de vida e conforto lhe fossem proporcionados.

Já a hipotermia ocorre quando a temperatura normal do corpo, que é 37ºC. desce para menos de 35ºC (95ºF). A hipotermia é normalmente causada pela longa permanência num ambiente frio. A hipotermia é muitas vezes desencadeada pela exposição prolongada à chuva, ao vento, à neve ou a imersão em água fria5.

Durante uma exposição prolongada ao frio, o mecanismo de defesa do organismo tenta evitar a continuação da perda de calor. A pessoa começa a tremer para tentar manter os órgãos principais a uma temperatura normal. O fluxo sanguíneo para a pele é restringido e são libertadas hormonas para produção de calor5.

Sem tratamento, as pessoas que tenham hipotermia podem ficar bastante mal de repente, perder os sentidos e morrer.

Se estiver no exterior, tente abrigar-se e proteger-se do ambiente. Tire a roupa molhada e cubra os pés e as mãos para evitar mais perda de calor.

Para proteger os órgãos principais do organismo, aqueça primeiro o centro do corpo. Utilize um saco cama, um cobertor de emergência, contacto pele com pele ou camadas secas de cobertores, roupa, toalhas ou lençóis5.

Na insuficiência cardíaca principal causa é a isquemia cardíaca ou o enfarte do miocárdio. Enfarte significa morte tecidual, que no caso do coração se refere a parte do músculo cardíaco. Logo, quanto mais extenso for o enfarte, mais músculo morrerá, consequentemente, mais fraco fica o coração. Se o infarto necrosar uma grande área, o paciente morre por falência da bomba cardíaca10.

O tratamento é feito com restrição de sal e água, diuréticos, anti-hipertensivos (…Captopril, Enalapril, Losartan, etc.) e medicamentos que aumentam a força cardíaca como a digoxina. Os obesos devem emagrecer, os fumadores têm que largar o cigarro, álcool deve ser evitado e exercícios supervisionados para reabilitação cardíaca são indicados. A pressão arterial deve ser controlada com rigor10.

A fibrilhação auricular é a disritmia auricular mais rápida. É criada, e mantida, por um ou mais focos ectópicos de disparo rápido. As aurículas despolarizam caoticamente a frequências de 350 a 600 pulsações/minutos… Entre os fármacos usados…contam-se o diltiazem, a digoxina, e os beta-bloqueadores… Na fibrilhação auricular com resposta ventricular lenta, pode ser necessária a atropina para aumentar a frequência cardíaca e o débito cardíaco7.

A insuficiência renal é a incapacidade parcial ou total do(s) rin(s) desempenhar(em) a(s) sua(s) função(ões).

A insuficiência renal pode ser classificada em aguda ou crónica. Na aguda a insuficiência renal aparece em poucos dias e tem cura enquanto que na crónica a doença vai-se desenvolvendo e quando é detectada já é irreversível. Na segunda situação o doente tem que fazer hemodiálise (tratamento realizado pelo filtro de uma máquina ao sangue 3 vezes por semana no hospital), diálise peritoneal (tratamento feito em casa diariamente por uma máquina através de um cateter colocado no abdómen) ou transplante do rim11.

Hemodiálise na maioria das vezes representa uma esperança de vida, já que a doença é um processo irreversível. Contudo, observa-se que geralmente as dificuldades de adesão ao tratamento estão relacionadas à não aceitação da doença, à percepção de si próprio e ao relacionamento interpessoal com familiares e ao convívio social9.

O enfermeiro como coordenador da equipe deve coordenar a assistência prestada, identificando as necessidades individuais de cada cliente, proporcionando meios de atendimento que visem uma melhor adequação do tratamento, garantindo assim uma qualidade de vida melhor, aproveitando todos os momentos para criar condições de mudanças quando necessário9.

Com este processo de análise e extração de evidência relevante, foi encontrada informação importante que suporta as intervenções do enfermeiro ao doente com doença de Alzheimer. Como é referido no tratamento da infeção, por vezes a utilização de antibioterapia não é um tratamento agressivo face aos benefícios em contraste com os malefícios.

Assim com a evidência obtida, verifica-se que a delineação das intervenções de enfermagem segundo as intervenções terapêuticas e paliativas são onde o papel do enfermeiro ganha destaque como elemento ativo na atualização dos seus conhecimentos e prestação de cuidados. Desta forma é garantida a qualidade de vida e conforto ao doente, sem esquecer a dignidade que se mantém intacta. 

Conclusão

Com o desenrolar deste trabalho foram identificados vários aspetos a ter em conta na intervenção do enfermeiro, no que respeita às necessidades da pessoa com demência, neste caso particular com doença de Alzheimer, de modo a maximizar a qualidade de vida, conforto, dignidade e autonomia, conforme a fase da doença em que o doente se encontra. As intervenções identificadas incluem o uso de antibioterapia, bem como outros aspetos relevantes, apesar de a doente já estar numa das fases mais avançadas da doença, sendo já uma doente para cuidados paliativos.

Foi a partir da evidência cientifica existente e atual que foi recolhida a informação para a elaboração das intervenções no âmbito de enfermagem para doente com doença de Alzheimer.

A prática baseada na evidência, “tem sido descrita, como fazer bem as coisas certas” (Muir Gray, 1997; citado por Craig & Smyth, 2004, p.4)4, o que nos alerta para a importância de fazer as coisas não só de uma forma eficaz, mas sempre com a melhor qualidade possível. Este trabalho de prática, e muitos outros que tem vindo a ser feitos, vêm contribuir para este aspeto importante de procurar basear as nossas intervenções em evidência comprovada cientificamente, caminhando no sentido de uma prática com progressivamente mais qualidade.

Tal permite uma abordagem mais segura e eficaz deste desafio com melhores cuidados ao utente e de forma a maximizar a qualidade de vida, o conforto e a promoção da dignidade do doente.

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  9. Souza, Emilia Ferreira, et al. (2007). Diagnósticos de enfermagem em pacientes com tratamento hemodialítico utilizando o modelo teórico de Imogene King. Rev Esc Enferm USP, p. 630.
  10. http://www.mdsaude.com/2009/02/insuficiencia-cardiaca.html, consultado a 27/05/13.
  11. http://www.conhecersaude.com/adultos/3055-insuficiencia-renal-aguda-cronica.html, consultado a 27/05/13.
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Out 3, 2013

RESUMO:

O propósito do artigo é, através de pesquisa bibliográfica e análise reflexiva, abordar a importância, o impacto e levantamento de estratégias adequadas no cuidado ao doente e família com dor crónica oncológica tendo como foco a qualidade de vida (QdV).

Centramos atenção na evolução histórica do conceito de qualidade de vida e a importância actual na definição do tratamento adequado à pessoa e família; na contextualização da noção de QdV num indivíduo saudável, QdV na pessoa com doença oncológica e qualidade de vida relacionada com a saúde (QdVRS). Seus campos de implicação e abrangência; ética clínica e QdV; instrumentos de medição da QdV e sua importância na prática do cuidar.

Relevamos que na prestação de cuidados de saúde, a QdVRS é cada vez mais aceite como um objectivo principal. Numa fase mais avançada da doença o enfoque dirige-se da cura para a paliação, sendo o objectivo maior, o incremento do bem-estar com melhoria ou preservação da QdV. A QdV só pode ser medida e descrita em termos individuais, dependendo do estilo de vida actual, das experiências passadas e em esperanças, sonhos e ambições.

QUALITY OF LIFE IN ONCOLOGY

Summary:

The purpose of the article is, by using literature review and reflective analysis,to discuss the importance, impact and bring up of appropriate strategies on patient and family care with chronic oncological pain, focusing on quality of life (QoL).

Our attention was focused: on historical evolution of QoL concept and the current importance of appropriate treatment to patient and family; in the contextualization of the concept of QoLin a healthy person; QoL on person with oncological disease and quality of life related to health (HRQoL); clinical ethics  and QoL; QoL measurement instruments and its importance in care practice.

We emphasize that on the provision of health care, the HRQoL is increasingly accepted as a major objective. In a more advanced stage of the disease the focus goes from cure to palliation, the main objective being to increase in welfare with improvement or preservation of QoL. The QoL can only be measured and described on an individual basis, depending on the current lifestyle, past experiences and hopes, dreams and ambitions

 

Palavras-chave: Oncologia, Qualidade de Vida e Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde

Keywords: Cancer, Quality of Life and Quality of Life Linked to Health

 

 AUTORES:

Rui Fernandes – Licenciado em Enfermagem, Especialista em Enfermagem de Reabilitação (Escola Superior Enfermagem de Lisboa), Mestre em Ciências da Dor (Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa), Centro Hospitalar Lisboa Norte, Unidade de Infecciologia Respiratória, Lisboa, Portugal. (ruidpf1@gmail.com)

Carla Fernandes Licenciada em Ciências Farmacêuticas (Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa), Clínica de Santo António, Serviços Farmacêuticos – Amadora, Portugal

Sandra Costa – Licenciada em Enfermagem, Especialista em Enfermagem de Reabilitação (Escola Superior de Enfermagem de Lisboa), Hospital Beatriz Ângelo, Serviço de Urgência Pediátrica, Loures, Portugal

Eduardo Pinheiro – Licenciado em Enfermagem (Escola Superior de Enfermagem São Francisco das Misericórdias, Lisboa), Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica, Hospital Beatriz Ângelo, Serviço de Pediatria – Loures, Portugal.

Filipa Aguiar – Licenciada em Enfermagem (Escola Superior de Enfermagem Cidade do Porto), Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Unidade de Oncologia Pneumológica, Lisboa, Portugal.

 

Contacto : Rui Fernandes – Telef.914200750, e-mail: ruidpf1@gmail.com

 

QUALIDADE DE VIDA EM ONCOLOGIA

HISTORIA

Actualmente, podemos afirmar que qualidade de vida (QdV) “está na moda”. Assistindo-se a uma valorização crescente desta nas ciências biomédicas.

Até ao século XX raramente foi mencionada embora a preocupação sobre este tema tenha já referências na antiguidade quando Aristóteles falava no conceito de “boa vida”(Pimentel, 2006).

A definição de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1948, será próxima de uma definição de QdV, dando grande importância às dimensões física, mental e social (Fayers, 2000).

A popularização da QdV ocorreu após a segunda guerra mundial, quando nos anos 60 os políticos passaram a utilizar a expressão nos seus discursos (Frisch, 2000). Nas décadas de 60 e 70 ocorreram mudança de valores e objectivos sociais, com uma diminuição dos interesses materiais e um incremento dos valores, das necessidades sociais e psicológicas (De Haes, 1985).

A QdV é um campo de investigação relativamente recente da Medicina, mais precocemente desenvolvido nas doenças oncológicas e cardiovasculares, e posteriormente em muitas outras áreas da Medicina. O seu aparecimento ficou a dever-se ao uso da expressão pelos políticos, surgindo na literatura médica em 1960 (Elkington, 1966).

A partir do final da década de 60 começaram a surgir, nos “hospícios” ingleses as unidades de cuidados paliativos e as clínicas de dor. A Organização Nacional de Hospícios Americana, fundada em 1977, define como seu objectivo um conjunto de serviços paliativos e de suporte capazes de proporcionar cuidados físicos, psicológicos, sociais e espirituais aos doentes e suas famílias. Trata-se de um processo de personalização, abandonando o modelo biomédico, não considerando unicamente o corpo enfermo, mas sim o ser humano numa perspectiva holística, ou seja, como um todo (Pimentel, 2006).

Esta mudança na abordagem da pessoa com doença crónica facilitou o aparecimento da investigação da qualidade da sobrevivência dos doentes crónicos. Expandiu-se a palavra “tratamento” incluindo-se a paliação. A biomedicina das doenças crónicas cria nessa altura alicerces para o aparecimento da QdV como parte integrante da Medicina (Schou, 1999).

Enquanto a sobrevivência aumentou para os doentes com diversos tipos de neoplasias, a mortalidade não sofreu grandes alterações, e começou a ser importante avaliar a QdV simultaneamente com a sobrevivência (Fallowfiel, 1990). Os objectivos da terapêutica oncológica não podem limitar-se, por exemplo, à redução da massa tumoral ou à sobrevivência mas sim fazer da QdV como parte integrante (Jones, 1987).

A QdV emergiu como um elemento central na oncologia nos anos 80, motivada pelo crescimento acentuado da tecnologia médica usada na terapêutica do cancro e ao crescimento da complexidade das decisões médicas (Macguire, 1989). Este avanço tecnológico da medicina tem permitido que doentes com doença crónica, embora não alcançando a cura, vivam mais tempo. Esse número tem vindo a aumentar (Gerhardt, 1990).

É recente a integração da QdV como objectivo principal em Medicina, mas pode-se constatar que algumas instituições e organizações internacionais já sugerem que a mesma seja considerada como objectivo (Pimentel, 2006). A maioria dos grupos cooperativos de investigação em oncologia tem um grupo de trabalho dedicado à qualidade de vida relacionada com a saúde (QdVRS)

A “European Organization Research Treatment of Cancer” (EORTC) iniciou, em 1986, o desenvolvimento de um questionário para avaliação da QdV em doentes oncológicos.

Também em França, é iniciada a avaliação da QdV, promovida pela Sociedade Francesa de Oncologia (Schraub, 1987).

Nos Estados Unidos da América, em 1990, o National Cancer Institute (NCI), com o objectivo de estudar a implementação da QdV nos ensaios clínicos em oncologia, constitui um grupo de trabalho para esse efeito. Da mesma forma, o “Medical Research Council” em Inglaterra, fez integrar a medida de QdV nos ensaios clínicos (Quality of life and clinical trials, 1995).

A “Food and Drug Administration” recomendou formalmente que nos ensaios clínicos se deveriam privilegiar os critérios ligados aos doentes (sobrevivência e QdV) em detrimento dos critérios ligados à doença oncológica (taxas de resposta e duração), (Beitz, Gnecc & Justice, 1996).

A “Multinational Association of Supportive Care in Cancer” (MASCC), dedica um relevante interesse ao estudo da QdVRS, incluindo uma sub-secção dedicada ao desenvolvimento desta área do conhecimento.

Na prestação de cuidados de saúde, a QdVRS é cada vez mais aceite como um objectivo principal, tão ou mais importante que a avaliação dos sintomas ou do desempenho físico (Fallowfiel, 1990).

Contextualização

Apesar de toda a evolução da medicina, actualmente, ainda cerca de 50% dos doentes morre da sua doença oncológica, pelo que, em determinado momento, o enfoque se dirige da cura para a paliação (Jordhoy, Fayers, Loge, Ahlner-Elmqvist, & Kaasa, 2001), sendo o objectivo maior o incremento do bem-estar. A abordagem tem como objectivo principal a melhoria ou preservação da QdV.

Durante o século XX ocorreu, nos países desenvolvidos uma alteração no padrão das doenças. Os principais problemas de saúde passaram das patologias agudas para as doenças crónicas, que persistem, recidivam e necessitam de tratamentos/cuidados por longos períodos; onde se incluem as doenças oncológicas. Para muitos doentes o cancro deixou de ser uma doença rapidamente fatal, tornando-se crónica que dura meses ou anos, com tratamentos complexos e muitas vezes com muitos e severos efeitos adversos (Pimentel, 2006).

Em todas as sociedades, é evidente um aumento da incidência e mortalidade por cancro, devido a uma mudança de estilo de vida, ao envelhecimento da população ou aumento da esperança de vida e a melhores técnicas de diagnóstico (DGS, 2005). O cancro é a segunda causa de morte logo após as doenças cardiovasculares nos países industrializados (Breslow, 1972) e (Bailar & Gornik, 1997).

Em Portugal, a doença oncológica representa uma causa importante de morbilidade e mortalidade, sendo diagnosticados anualmente 40 a 45 mil novos casos de cancro. Pode afirmar-se que em Portugal, tal como na União Europeia (UE), o risco de um indivíduo vir a desenvolver um cancro durante a vida é cerca de 50%, e de este ser a causa de morte é de 25% (DGS, 2005). Contrariamente aos restantes países da EU, em Portugal a mortalidade por cancro continua a aumentar, o que nos torna o país da EU em pior situação neste aspecto (Boyle & Ferlay, 2005) e (DGS, 2005).

A doença oncológica é, sem dúvida, um grave problema de saúde pública, implicando custos elevados (não só económicos, mas também sociais). A nível individual não existe nenhuma dimensão da vivência que não seja afectada. O cancro altera a percepção do indivíduo perante o ambiente que o rodeia e as experiências associadas a ele resultam num desequilíbrio espiritual (White, 2004). Esta doença está associada a perdas e o seu diagnóstico e tratamento têm consequências psicológicas com importantes repercussões na QdV (White 2004).

O sucesso da terapêutica oncológica é habitualmente descrito em termos de tempo livre de doença, sobrevivência, complicações e toxicidade, embora a complexidade da doença oncológica não se esgote nestes parâmetros. A percepção que o doente oncológico tem acerca de tudo que ocorre e está ligado à sua doença, é muito mais globalizante: há a assunção do papel central da sua vivência. O choque do diagnóstico, a dor e o stress das terapêuticas, as restrições ao seu desempenho físico e intelectual, as limitações nas actividades diárias, a estigmatização social, o lidar com situações que põem em risco a vida e que vão diminuir a esperança de vida. Todos estes parâmetros têm de ser tidos em conta (Cabana et al., 1999) e (Lorenz et al., 1999). Sempre que se estabelece uma estratégia terapêutica para um doente oncológico é necessário que, além da avaliação clássica, seja efectuada a avaliação da QdV.

Para os indivíduos saudáveis a noção da QdV reporta-se a termos como riqueza, lazer, autonomia, liberdade, ou seja, tudo o que proporciona um dia-a-dia agradável. Num doente a QdV é um conceito relativo, que se refere ao nível de satisfação em função das suas possibilidades actuais condicionadas pela doença e terapêuticas, comparadas com aquelas que pensa serem possíveis ou ideais (Nordenfelt, 1994).

O conceito de qualidade de vida ligado à saúde é diferente do conceito de QdV global. Cada pessoa tem a sua escala de valores mas podem-se encontrar elementos comuns à generalidade dos doentes. Não existe uma única definição de Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QdVRS), mas pode ser descrita, de forma funcional, como a percepção dos doentes sobre as suas capacidades em quatro grandes dimensões: bem-estar físico e actividades quotidianas, bem-estar psicológico, relações sociais e sintomas (Pimentel, 2006).

O interesse dos médicos em geral e dos oncologistas em particular pela QdV tem vindo a aumentar, mas ainda não está cimentada como uma componente importante na prática clínica. Um inquérito efectuado em Portugal (Pimentel, 2002) a 396 médicos, onde apenas 82 responderam, constatou-se que 95% referiam que QdV é fundamental para proporcionar bons cuidados e 93% concordavam que a QdV é útil para tomar decisões a nível individual. Contrariando esta belíssima percentagem, neste grupo de médicos apenas 40% refere utilizar a QdV na prática clínica, 73% confere maior relevo à toxicidade e aos efeitos adversos do que à QdV e 35% confiam na experiência profissional para avaliar a QdV.

Dos resultados deste inquérito pode-se concluir que, na abrangência da prestação de cuidados aos doentes oncológicos, a QdV ainda não é, de facto, uma realidade considerada.

Uma vez que muitos dos doentes têm que viver a sua doença crónica durante toda a vida, a avaliação da QdV constitui um aspecto importante de qualquer plano de tratamento (Bennett, 2002). A avaliação da QdV nos doentes oncológicos é cada vez mais valorizada, também devido à preocupação com a autonomia e direitos dos doentes e com o papel dos factores psicossociais (Sales, 2001).

Uma causa profunda de perturbação da qualidade de vida é certamente a dor, sobretudo a crónica. A dor não atinge unicamente um órgão, irradia para todo o corpo, perturba as actividades, diminui a concentração intelectual, transforma o psíquico, provoca stress no grupo familiar e empobrece as relações sociais (Barnett, 2001)

Quer no dia-a-dia, quer na realização de ensaios clínicos, a integração de QdV não se verifica com a frequência desejada, privilegiando-se a avaliação de parâmetros que alguns autores designam por “informação dura”, ou seja, o estádio da doença, a taxa de respostas e a sobrevivência. Pelo contrário, os aspectos físico-funcionais, psicológicos, sociais, económicos, e outros que constituem o que se designa por “informação branda”, subjectiva e considerados erradamente de medição impossível, são negligenciados ou esquecidos (Pimentel, 2006).

Definição de qualidade de vida

Não existe uma definição clara do conceito de QdV. Existem inúmeras propostas de definição.

Uma das referências mais antigas, e que mais se pode assemelhar com uma definição de QdV é de Aristóteles (384-322 a.C.) que escreveu: “ Quer a pessoa mais modesta ou mais refinada… entende “vida boa” ou “ estar bem” como a mesma coisa que “estar feliz”. Mas o que é entendido como felicidade é discutível… Uns dizem uma coisa e outros, outra e a mesma pessoa diz coisas diferentes em tempos diferentes: quando está doente pensa que a saúde é a felicidade; quando está pobre felicidade é riqueza(Fayers & Bottomley, 2002)

Nos séculos XVI-XVII, Coménio, falou da relação entre saúde, educação e higiene com o objectivo de estabelecer fundamentos para o prolongamento da vida, manifestando maior preocupação com o destino que atribuímos à nossa vida do que com a sua duração em anos. De salientar que, já nessa época, se identifica a preocupação pela saúde e QdV e contra os problemas decorrentes dos excessos cometidos com o corpo (Pimentel, 2006).

Tiel, McNeiel e Bush, propuseram uma definição de QdV, como sendo um conceito global, que inclui as vertentes psicológica, social e física e, incorpora tanto os aspectos positivos de bem-estar, como os aspectos negativos da doença (Pimentel, 2006).

Esta definição diz-nos que dentro da QdV existem quatro dimensões: física e desempenho (que pode ser dominante em caso de existência de dor, ou efeitos adversos decorrentes da terapêutica), psicológica e bem-estar, social e espiritual (frequentemente esquecida, relacionada com a religião e o nível de cultura do indivíduo). Esta última dimensão existe mesmo quando a pessoa não tem crença religiosa, resultando da reflexão que o doente faz da sua própria vida (Pimentel, 2006).

Levine e Croog propuseram uma definição multidimensional: a funcionalidade ou a interacção do indivíduo com o meio, nas suas diversas vertentes social, física, emocional ou intelectual e a percepção subjectiva que engloba o sentido geral de satisfação do indivíduo e da sua própria saúde, em relação com a das outras pessoas que o rodeiam (Lima, 2002). Este conceito enquadra-se na definição de saúde da OMS: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença”( Brunier, Carson & Harrison, 1995).

Em 1984, Calman propõe que a QdV só pode ser medida e descrita em termos individuais, dependendo do estilo de vida actual, das experiências passadas e em esperanças, sonhos e ambições (Pimentel, 2006).

Há quem defina a QdV como uma avaliação subjectiva à vida, como um todo, englobando a subjectividade e a necessidade de uma avaliação multidimensional e global (Gerhardt, 1990), outra definição baseia-se na avaliação e a satisfação do indivíduo com o seu nível funcional e global, comparando o que ele entenda ser possível, desejado e ideal, realçando o valor que cada um dá à sua vida actual (Gerhardt, 1990). Daqui, podemos retirar que a definição e significado de QdV é diferente de pessoa para pessoa, sustentado numa perspectiva multidimensional não sendo possível uma conceitualização universal, implicando uma flexibilidade e compreensão tal que permita ser aplicado a todos os doentes, independentemente da fase da doença em que se encontram (Herrmann, 1997).

Numa tentativa de definir QdV, a OMS, propôs em 1993, que fosse considerada “ a percepção que o indivíduo tem do seu lugar na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais vive, em relação com os seus objectivos, os seus desejos, as normas e as suas inquietudes. É um conceito muito amplo que pode ser influenciado de maneira complexa pela saúde do indivíduo, pelo estado psicológico e pelo seu nível de independência, a suas relações sociais e as suas relações com os elementos essenciais ao seu meio”(Taylor, 2001)

Assumindo-se e percebendo-se que a QdV é um sentimento individual, significando diferentes coisas para diferentes pessoas, quando a queremos ver numa perspectiva de saúde, entramos noutro conceito que é o da QdVRS.

Quando se aborda o conceito de QdVRS em relação a um indivíduo extremamente doente, devemos ter em consideração que qualquer aspecto da vida está quase sempre relacionado com a saúde (Hardman, Maguire, & Crowther, 1989).

Os doentes dão uma importância muito grande à saúde. Na avaliação da QdV global, a percepção individual do estado geral de saúde é o mais importante em relação a todas as outras vivências (Cano, Gillis, Heinz, Geisser, & Foran, 2004).

Em 1990 Tchkmedylan (Tchekmdyian et al 1990) propõe o seguinte esquema para definir a QdVRS, as suas dimensões e respectivas componentes.

Esquema – Dimensões e respectivas componentes da qualidade de vida relacionada com a saúde

DOR

NÁUSEAS

SINTOMAS

EFEITOS ADVERSOS

ANOREXIA

ANSIEDADE

FAMÍLIA

INTERACÇÃO

DESEMPENHO

SOCIAL

ESTADO

PSICOLÓGICO

TEMPO

AMIGOS

TRABALHO

LASER

SATISFAÇÃO

C/ OS CUIDADOS

DEPRESSÃO

 

QdVRS

 

DESEMPENHO

FUNCIONAL

FADIGA

CUIDADOS

PESSOAIS

MOBILIDADE

Actualmente verifica-se uma intensa actividade de investigação da QdVRS em oncologia, utilizando vários modelos de QdVRS e, apesar de algumas indefinições e incertezas, obtiveram-se alguns consensos (Pimentel, 2006):

  • Definição – QdVRS é um conceito multidimensional, que traduz o bem- estar subjectivo do doente, nas vertentes física, psicológica e social, as quais se podem subdividir noutras dimensões. O domínio físico refere-se à percepção que o doente tem da sua capacidade em realizar as suas actividades diárias. O domínio social refere-se à capacidade do doente se relacionar com os membros da família, vizinhos, amigos e outros. Por fim, o domínio psicológico incorpora aspectos do bem-estar emocional e mental, como depressão, ansiedade, medo e raiva.
  • Subjectividade: a QdVRS depende da percepção individual, crenças, sentimentos e expectativas. A natureza da subjectividade da QdVRS implica que os questionários devam ser completados pelo próprio doente e não por outra pessoa.
  • Dinamismo: a QdVRS é dinâmica, mudando ao longo do tempo, dependendo das modificações no doente e das modificações em seu redor.
  • Medida: existem instrumentos de medida da QdVRS validados e que permitem a sua avaliação de forma normalizada.
  • Necessidade: a QdVRS deve ser considerada como o objectivo principal, nas doenças crónicas e incuráveis.

A QdVRS é uma componente da QdV do indivíduo constituída pelos componentes que se relacionam com a saúde (doença ou terapêutica), devendo abranger os sintomas produzidos pela doença ou tratamento, a funcionalidade física, os aspectos psicológicos, sociais, familiares, laborais e económicos, já que todos se inter-relacionam e influenciam mutuamente (Pimentel, 2002).

Constatam-se assim, vários domínios que afectam de forma decisiva a QdVRS, em especial a do doente oncológico (Ahmedzai, 1995) e (Pimentel 2002):

  • Sintomatologia física, como a dor, a anorexia, a fadiga, a qualidade do sono;
  • Funcionalidade física, com alteração da mobilidade e actividade física;
  • Papéis sociais e funcionamento social, com aspectos da independência, capacidade de continuar a trabalhar seja fora ou dentro de casa, interferências nas actividades de lazer;
  • Função cognitiva, em que se engloba a capacidade de concentração, a memória, a confusão e a desorientação;
  • Estado emocional, com ansiedade, depressão, sentimento de culpa e revolta, cólera;
  • Sexualidade, com interferência na imagem corporal, libido e actividade sexual;
  • Económico-financeiro, no qual se devem incluir os problemas relacionados com os familiares que o ajudam directamente;
  • Espiritualidade, em que intervêm o prognóstico, as dúvidas, a dignidade e o sentimento de estar em paz;
  • Autonomia, com a capacidade de manter o controlo das situações e decisões da capacidade de escolha;
  • Satisfação, de uma forma geral.

Ética clínica e qualidade de vida

Depois de terem sido consideradas as indicações médicas e as preferências do doente deve seguir-se uma discussão sobre a QdV do doente antes da doença actual e a QdV que pode ser esperada com e sem tratamento (Jordhoy et al., 2001)

O objectivo mais fundamental dos cuidados de saúde é a melhoria da QdV daqueles que deles necessitam e que a eles recorrem. O alívio da dor e a recuperação funcional são aspectos particulares deste conceito. O objectivo de se atingir a melhor QdV possível no doente deve servir como ponto de orientação e meta desde a fase de diagnóstico (Jordhoy et al., 2001).

A avaliação da QdV deverá estar englobada em todas as discussões acerca da prestação de cuidados mais adequados. Os profissionais de saúde e os doentes devem determinar que nível de QdV é desejável, como pode ser atingido e quais os seus riscos e vantagens. As considerações sobre a QdV focam-se nas consequências a longo prazo da aceitação ou da recusa das recomendações da intervenção médica; contrariamente à avaliação dos riscos e benefícios considerados no âmbito do tratamento médico que são relativamente imediatos (Jordhoy et al., 2001).

A referência à QdVRS pode ser usada em vários sentidos, podendo a sua invocação provocar confusão. Para que tal não aconteça será importante realçar algumas distinções:

  • O julgamento de uma má QdV pode ser feito por aquele que a vive ou por um observador. Acontece frequentemente que as vidas que os observadores consideram de má qualidade são vividas bastante satisfatoriamente pelos próprios. Assim, se os doentes podem avaliar e exprimir a sua própria QdV, outras pessoas não devem presumir ou julgar, mas antes procurar saber a opinião do doente. Da mesma maneira quando a avaliação da própria pessoa não é, ou não pode ser, conhecida por outros, esses mesmos devem ser muito cautelosos ao aplicarem os seus próprios valores.
  • Uma má QdV pode significar, de um modo geral, que as experiências do doente ficam aquém do padrão que o próprio considera como desejável. Em cada caso a experiência em causa é diferente (pode ser dor, perda de mobilidade, existência de muitos e debilitantes problemas de saúde, perda da capacidade mental e da alegria da interacção das relações humanas, perda da alegria de viver, etc…). Uma má QdV pode reportar-se a situações diferentes.
  • A avaliação da QdV, tal como a própria vida, muda ao longo do tempo. Assim, os prestadores de cuidados devem ser prudentes, não tomando decisões com base em condições que poderão ser transitórias.
  • A avaliação pode reflectir um enviesamento e um preconceito. Julgar-se que um doente com atraso mental tem má QdV ou pessoas de uma determinada raça ou nível social pode reflectir o nosso enviesamento.
  • A avaliação pode reflectir condições sócio-económicas em vez da vida experimentada pelo doente, como por exemplo, a falta de cuidados domiciliários, de reabilitação ou educação especial. Os prestadores de cuidados podem contribuir para ultrapassar estes obstáculos e influir na melhoria da QdV (Jordhoy et al., 2001).

Quando há necessidade que pessoas autorizadas, tal como os parentes próximos, procuradores com poderes duradouros, de tomarem decisões pelo doente, estas devem seguir os desejos previamente conhecidos ou, se eles não são conhecidos, devem decidir no melhor dos interesses do doente; a QdV que ele escolheria se o pudesse fazer(Jordhoy et al., 2001).

Ao avaliar se um procedimento ou tratamento seria no melhor interesse do doente, o representante deve ter em conta factores como o alívio do sofrimento, a preservação ou recuperação da função, assim como a qualidade e extensão da vida conseguida. Uma avaliação rigorosa abrangeria a consideração dos desejos actuais, as oportunidades da satisfação futura e a possibilidade de desenvolver ou recuperar a capacidade de autodeterminação(Jordhoy et al., 2001).

Dado que avaliação da QdV é tão subjectiva, observadores diferentes avaliarão certamente de forma diferente certas formas de vida e cada pessoa avalia a sua QdV de forma única. Portanto, as avaliações da QdV, quer sejam pessoais, quer de um observador, são subjectivas no sentido de que reflectem as crenças e os valores pessoais, os gostos e as antipatias de quem faz o julgamento. Assume-se que não existem critérios objectivos claros em relação aos quais se possam aferir os juízos de valor e/ou acerca dos quais todas as pessoas possam estar de acordo na avaliação da QdV. Poderá existir uma larga concordância, praticamente universal sobre as descrições seguintes: (Jordhoy et al., 2001).

  • Qualidade de vida restrita é uma descrição objectiva apropriada a uma situação em que uma pessoa sofre de deficiências graves da saúde física ou mental, ou seja, as capacidades funcionais da pessoa afastam-se da normalidade humana. A avaliação pode ser feita pela própria pessoa ou por observadores, podendo a avaliação do observador e a da pessoa diferir.
  • Qualidade de vida mínima é uma descrição objectiva apropriada para uma situação em que um doente ou um observador encara uma pessoa cuja situação física geral se deteriorou consideravelmente, cuja capacidade de comunicar com os outros está gravemente restrita e que sofre desconforto e dor.
  • Qualidade de vida abaixo do mínimo é uma descrição objectiva apropriada para uma situação em que um doente apresente uma extrema debilitação física assim como uma perda completa e irreversível da actividade sensorial e intelectual. Poderia, este estado, ser descrito como não tendo qualidade, visto que a pessoa não tem capacidade para a avaliação pessoal. Esta aplica-se a pessoas num estado vegetativo persistente.

Muitas pessoas, ao depararem-se com estas possíveis situações futuras, principalmente as duas últimas, diriam “antes queria estar morto”. Esta é uma assunção cautelosa, porque as pessoas parecem julgar diferentemente quando imaginam uma situação e quando se encontram nela(Jordhoy et al., 2001).

A QdV dos doentes terminais é aumentada por uma adequada prestação de cuidados paliativos. Os doentes não devem ser mantidos num regime inadequado para controlar a dor e outros sintomas por causa da ignorância dos profissionais de saúde ou devido a um medo infundado de toxicodependência (Jordhoy et al., 2001).

As tentativas para conseguir um alívio adequado da dor podem ter um outro efeito acessório, nomeadamente a obnubilação da consciência do doente com redução da sua capacidade de comunicar com a família e os amigos. Este duplo efeito pode ser eticamente perturbador para os profissionais de saúde. Uma atenção com sensibilidade às necessidades do doente em conjunto com um tratamento médico adequado, devem conduzir tanto quanto possível ao objectivo desejável, ou seja, um máximo alívio da dor e uma mínima diminuição da consciência e da comunicação. Caso o doente consiga exprimir as suas preferências, estas devem ser seguidas(Jordhoy et al., 2001).

O alívio da dor e a manutenção das funções são ambos objectivos dos cuidados de saúde. No entanto, quando o objectivo de prolongar a vida não pode ser atingido, o alívio da dor e outros sintomas torna-se o objectivo prioritário durante o tempo de vida que resta ao doente (Jordhoy et al., 2001).

Os fármacos utilizados no alívio da dor, como na maior parte dos medicamentos, têm riscos e, face a uma morte eminente, um regime de doses e os riscos mais elevados que comporta podem ser tolerados(Jordhoy et al., 2001).

A dor é apenas uma das componentes de um fenómeno que também é psicológico, social e espiritual, geralmente designado por sofrimento. Os profissionais devem concentrar-se no alívio da dor na sua componente fisiológica, psicológica, social e espiritual. Os profissionais de saúde devem ter atenção a estas componentes e procurar ajuda em outros peritos para corresponder às necessidades do doente e família (Jordhoy et al., 2001).

Medição da qualidade de vida

Enquanto se assiste a uma crescente prática de avaliação da QdVRS, medi-la constitui uma das tarefas mais difíceis.

Tal como para qualquer outro aspecto da investigação clínica, o conceito de níveis de evidência aplica-se à medida de QdVRS (Payne & Gonçalves, 2004)

Um baixo nível de evidência corresponde às avaliações feitas utilizando um único item para avaliar QdVRS ou instrumentos desenvolvidos para um trabalho em particular, sem que tenha sido feita a prévia validação (Pimentel, 2004).

Um nível médio de evidência pode ser atingido utilizando instrumentos validados de uma forma genérica, mas ainda, sem utilização em populações oncológicas, ou medindo uma única dimensão da QdVRS (Pimentel, 2004).

O nível mais elevado de evidência obtém-se quando se utilizam instrumentos que avaliem as várias dimensões da QdVRS e que estejam validadas na população oncológica, como por exemplo o FACT-G ou o QLQ-C30 da EORTC (Pimentel, 2004).

Apesar da avaliação da QdV ser considerada fundamental, trazer benefícios e ser importante para avaliar o resultado dos tratamentos médicos (Bonica, 1985) e (Levi et al, 1999), existe também alguma confusão e dúvidas acerca de como deve ser avaliada. Isto parece reflectir as importantes limitações conceptuais e metodológicas do conceito de QdV (Wright, 2002).

O desenvolvimento de instrumentos de avaliação de medida da QdVRS baseia-se nos princípios de construção e validação de testes. O questionário deve ser prospectivo e reflectir o que se pretende medir, isto é, a QdVRS.

Os questionários podem ser auto-administrados, administrados com a ajuda de um entrevistador ou assistidos por computador (Kuuppelomaki, 1998).

Os principais objectivos dos questionários de avaliação da QdVRS são: avaliar o doente, o seu prognóstico, o impacto da terapêutica utilizada, distinção entre doentes ou grupos de doentes, além de comparar modalidades de tratamento com taxas de cura similares (Beitz et al., 1996) e (Gouveia, 2004).

 Bibliografia

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Out 3, 2013

O Journal of Aging and Innovation é a revista de divulgação de artigos científicos da Associação Amigos da Grande Idade – Inovação e Desenvolvimento e foi indexada na Latindex em Maio de 2013.

Esta revista é uma criação da Associação com um ano e meio de vida, sendo já considerada uma referência nacional e internacional para a investigação na área social e de saúde.

Através desta indexação é possível a divulgação técnica, profissional, científica e cultural de artigos que são publicados nos países da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal. A Latindex surgiu em 1995 na Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM) e tornou-se uma rede de cooperação regional desde 1997 e conta com 6938 revistas científicas.

Agora a nossa revista foi reconhecida e segundo esta organização internacional cumpre 100% dos critérios de qualidade. Depois de Indexada na Biblioteca nacional, no Google Académico, agora a Latindex, vem reconhecer a qualidade das centenas de pessoas, que contribuem para este projeto de sucesso em Portugal.

Nos primeiros 3 meses após esta indexação tivemos cerca de 22.000 visualizações em especial nos países da América latina.

 Visualizações

Em tempos Nacional conturbados, este é um exemplo de grande empenho e desenvolvimento que esta associação sem apoios, ou patrocínios conseguiu tornar uma realidade e que agora obtém mais um reconhecimento Internacional do seu trabalho.

Ao invés do Povo desgraçado e sem objetivos que fazemos transparecer atualmente, levamos nos séculos XV a XVII a civilização à maior parte do mundo, nos dias de hoje levamos ideias e conhecimento Cientifico aos 4 cantos do Mundo sobre o envelhecimento.

Fica o nosso desafio, PUBLIQUE NA NOSSA REVISTA:

Diretor do Journal of Aging and innovation,

César Fonseca

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