Mª João Neto[1]
Judite Corte-Real[2]
Resumo
Neste trabalho, pretendeu-se averiguar a prevalência da depressão, em pessoas idosas institucionalizadas, bem como, a sua rede de suporte social. Os resultados da aplicação da Escala da Depressão Geriátrica (GDS) e do Questionário de Apoio Social (SSQ-6) em 25 pessoas idosas institucionalizadas, revelam que 48% dos inquiridos apresentam depressão ligeira e 24% depressão grave. Relativamente à rede de suporte social, verifica-se que a maioria dos participantes (56%) inclui uma a duas pessoas na sua rede de apoio, 40% mais do que duas pessoas e apenas um inquirido menciona não ter ninguém. Constatou-se uma correlação significativa, negativa moderada entre a depressão e satisfação com o suporte social: quanto maior a satisfação com o suporte social, menor a pontuação na escala de depressão. Atendendo a que mais de 50% da população idosa, institucionalizada, apresenta sintomatologia depressiva, seria pertinente estudar variáveis contextuais que contribuam para o bem-estar destas pessoas.
Palavras-chave: envelhecimento; depressão; institucionalização; suporte social.
The Elder institutionalized: Depression and social support
Abstract
The study has the objective to determine the prevalence of depression in institutionalized elderly, as well as their social support network. The results of application of the GDS and the SSQ-6, in 25 institutionalized elderly, shows that 48% of respondents have mild depression and 24% severe depression. For the social support network, it appears that most participants (56%) includes one or two people in your support network, 40% more than two people and only one surveyed stated they had none. There was a moderate negative significant correlation between depression and satisfaction with social support: the greater the satisfaction with social support, lower scores on the depression scale. Since over 50% of institutionalized elderly population presents symptoms of depression, it would be pertinent to study contextual variables that contribute to the welfare of these people.
Keywords: aging; depression; institutionalization; social support.
Introdução
O envelhecimento é um processo complexo de mudanças biológicas, psicológicas e sociais, que se iniciam no momento do nascimento e se prolongam ao longo da vida. O envelhecimento é definido pela OMS como o “prolongamento e término de um processo representado por um conjunto de modificações fisiomórficas e psicológicas ininterruptas à ação do tempo sobre as pessoas”. A OMS descreve ainda a pessoa idosa como: “ (…) todo o indivíduo com idade superior a 65 anos independentemente do estado de saúde e sexo” (OMS).
A importância de estudos sobre o envelhecimento, tem vindo a crescer ao longo das últimas décadas, pelo aumento da esperança média de vida, que tem levado a um crescimento significativo de pessoas idosas na população, em geral. Atualmente, verifica-se a existência de um número progressivamente superior de pessoas muito idosas, situadas por alguns autores na denominada quarta idade, ou seja, pessoas com idades superiores a 80 anos (Oliveira, Freire & Giaretta, 1999).
A par do aumento exponencial da população idosa, em Portugal, tem-se verificado uma diminuição da população mais jovem nas últimas décadas, chegando aquela a representar, em 2006, 17,3% da população total e a população jovem apenas 15,5% (INE, 2007). Como consequência do envelhecimento populacional, o número de pessoas idosas dependentes, por vezes institucionalizadas, tem aumentado, assim como perturbações de natureza depressiva, podendo-se observar, nesta área, prevalências entre os 15% e os 50% (Segal, 2005). Estes fatores, requerem que se reflita sobre o envelhecimento e os mecanismos através dos quais podemos promover uma maior qualidade de vida para a pessoa idosa.
Na nossa sociedade considera-se, frequentemente, o idoso como um ser dependente e doente, condenando-o, por vezes a uma solidão extrema (Ribeirinho, 2005), a que acrescem dificuldades de natureza financeira que diminuem a sua qualidade de vida.
Se a quarta idade traz consigo várias patologias e um decréscimo das competências de adaptação (Baltes & Smith, 1997), por outro lado, verifica-se que o suporte familiar é cada vez mais reduzido, devido ao crescente aumento de mulheres no mercado de trabalho e consequente indisponibilidade das famílias, para cuidarem das suas pessoas idosas, optando-se frequentemente pela institucionalização. Segundo Slepoj (2000) a “família baseia-se hoje mais na satisfação de desejos do que na assistência recíproca” (p.89); fatores como o envelhecimento da população e consequente aumento de pessoas idosas dependentes, a integração das mulheres no mundo profissional, o menor número de filhos, a focalização dos indivíduos no sucesso profissional, entre outros, levaram à desresponsabilização do papel da família como cuidadora primária, passando o “dever” dos filhos de prestarem assistência aos seus pais, para um novo grupo profissional, o do “cuidador formal”(Casado & López, 2001, cit. por Martinéz, 2005).
Os cuidados formais distinguem-se dos informais por estes serem prestados por familiares ou pessoas próximas, enquanto que os primeiros são disponibilizados por organizações (públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos) em lares, centros de dia ou em regime de apoio domiciliário. Considera-se que os cuidadores formais têm competências técnicas e/ou clínicas que os capacitam para um trabalho baseado na abordagem holística do envelhecimento (Hye-cheon et al., 2009), requerendo-se destes profissionais competências multidisciplinares e aptidões práticas, que proporcionem saber reconhecer problemas cognitivos, sociais e familiares (Kaskie, Gregory & Gilder, 2009), assim como facultar cuidados de saúde, além de satisfazer as necessidades básicas da pessoa idosa.
Segundo autores como Vieira (2003) as instituições voltadas para o cuidado de pessoas idosas “têm uma função social indiscutível, por vezes vital, na organização e no funcionamento da sociedade” (p. 23).
A institucionalização, uma realidade cada vez mais presente na vida da pessoa idosa, tem sido um tema muito focado pela literatura científica, dadas as mudanças havidas neste domínio, desde há algumas décadas e a necessidade de se conhecerem os fatores a ela associados, o seu impacto na vida das pessoas idosas, assim como a necessidade de se fomentar o conhecimento de práticas que promovam o bem-estar destas pessoas.
Em 2004 os dados oficiais apontavam para 56.535 pessoas idosas, institucionalizadas, em 1517 Lares de Terceira Idade legais, representando 3.2% das pessoas idosas (INE, 2007). Em Portugal, a institucionalização é feita maioritariamente através de entidades privadas lucrativas e não lucrativas; destas últimas ressalvam-se as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) que surgiram em 1976 e, são até hoje, as instituições que disponibilizam um maior número de serviços para a população idosa, desde centros de convívio (focados na prevenção do isolamento e manutenção das relações sociais), aos centros de dia (onde são disponibilizados essencialmente serviços associados à alimentação, higiene e outros cuidados básicos, durante o dia, permitindo à pessoa idosa manter-se em sua casa ou com a sua família, mesmo que esta não lhe possa prestar cuidados durante o dia), serviços de apoio domiciliário (este tipo de cuidados incluem desde a satisfação das necessidades básicas a cuidados de saúde, permitindo-se à pessoa idosa continuar a viver em sua casa), até aos lares de terceira idade, com um carácter mais permanente, onde se prestam uma variedade de serviços, como o alojamento temporário ou permanente, alimentação, cuidados de saúde, higiene e conforto, atividades de convívio e animação social, assim como ocupação dos tempos livres (Despacho Normativo nº 12/98 de 25 de Fevereiro, Carvalho, 2006).
Embora a institucionalização seja geralmente rejeitada e temida pela maioria das pessoas idosas, existem famílias que por motivos financeiros ou emocionais, não têm capacidade de cuidar dos seus familiares; assim embora possa ser considerada negativa, a verdade é que a institucionalização frequentemente pode promover uma maior sensação de segurança (Pimentel, 2001), principalmente se resultar de perdas na autonomia, causadas por patologias físicas, perda de cônjuge, carências de apoio social, isolamento ou vivências habitacionais negativas (Pimentel, 2001).
Na sequência da institucionalização, algumas famílias mantêm um contacto regular com a pessoa idosa, por telefone ou através de visitas; outras, com maior frequência, abandonam-na ou excluem-na do meio familiar, o que potencia fortemente a sua solidão. Barroso e Tapadinhas (2006) verificaram uma predominância da solidão, em pessoas idosas em situação de institucionalização, em relação aos não institucionalizados, observando-se nalguns estudos uma diferença de 50% na depressão, no sentido de ser superior nas pessoas institucionalizadas (Black, Rabins, German, McGuire, & Roca, 1997; Rabins, et al., 1996).
A depressão, considerada uma perturbação do humor, revela-se como de difícil diagnóstico em pessoas idosas (Martins, 2008), devendo, frequentemente segundo este autor, ser considerada presente quando houver sintomatologia depressiva, dissociada de causas orgânicas e quando os tratamentos clínicos não promovem melhorias da situação. A dificuldade de diagnóstico está relacionada com reações normais às perdas físicas e cognitivas que ocorrem com o envelhecimento (Conn, 2005; Giron et al., 2005; Mulsant & Ganguli, 1999; Salzman, 1999; Tierney, McPhee & Papadakis, 2003).
A depressão varia a nível da severidade e duração, podendo mesmo tornar-se incapacitante, sendo geralmente recorrente e acompanhada por sintomatologia física e psicológica. Numa fase inicial de depressão o indivíduo apresenta sintomas típicos como: humor triste constante, perturbações do sono, perdas a nível do apetite, de peso (excecionalmente aumento), do interesse ou prazer pelas atividades comuns, ou ainda de energia e consequente fadiga, pensamentos de autorrecriminação e culpa, perturbações de concentração e de tomada de decisões, diminuição da libido e por vezes ansiedade, irritabilidade, agitação e/ou lentidão (APA, 2002; Sabanés, 1994; Wilkinson, Moore & Moore, 2003). Em casos de depressão grave podem ainda ocorrer ideações suicidas, planos ou mesmo tentativas de suicídio; recusa em alimentar-se; delírios e/ou alucinações (Wilkinson et al., 2003). Em termos clínicos a perturbação é diagnosticada quando estão presentes cinco ou seis sintomas dos referidos.
A depressão pode interferir com o dia-a-dia do indivíduo, levando a uma maior tendência para ver a vida de forma pessimista, a alguma incapacidade em sentir alegria ou satisfação, observando-se perturbações nas relações e atividades sociais, em domínios como o sexual ou profissional, o que por sua vez contribui para a depressão decorrente da sensação de fracasso nessas áreas. Porém, há pacientes que não aparentam tristeza, veiculando os sintomas para perturbações somáticas, como dores físicas, de cabeça, cansaço, perturbações do apetite ou do sono, inibição ou problemas dermatológicos, entre outros.
As ideações suicidas são muito frequentes na depressão grave e é relevante notar que as tentativas de suicídio são prevalentes em indivíduos em tratamento, porque existe um retorno de energia e capacidade de agir que a pessoa não tem quando está em depressão profunda (Gleitman, 1999).
Sabe-se que a depressão nas pessoas idosas é uma perturbação que é sub-diagnosticada e por isso insuficientemente tratada (Demétrio, 2005; Conn, 2005; Giron et al., 2005; Mulsant & Ganguli, 1999; Salzman, 1999), estando também relacionada com um risco severo de suicídio (Conwell, 1997).
Tem-se verificado uma alta prevalência de depressões atípicas nas pessoas idosas, pelo que muitas vezes não se enquadram nos critérios de classificação definidos por manuais como o DSM-IV e o CID 10 (Cohen & Eisdorfer, 1997 cit. por Martins, 2008).
Uma das características das depressões atípicas é a “depressão sem tristeza” (Gallo, Rabins, Lyketsos, Tien, & Anthony, 1997), com presença de apatia, perturbações percebidas a nível cognitivo, ansiedade, somatização e preocupação excessiva com o corpo (Martins, 2008); será também importante referir ainda a associação entre a depressão e a demência, uma vez que estas se têm mostrado frequentemente concomitantes, com quase um terço de pacientes com demência a apresentar depressão (Maynard, 2003).
Vários estudos apresentam diversos valores de predominância da depressão em pessoas idosas, devido ao conceito de depressão adotado, em cada estudo e ao uso de diferentes métodos de avaliação (Kerber, Dyck, Culp & Buckwalter, 2005); as percentagens referidas variam entre 12.6% e 44% (Jones, Marcantonio & Rabinowitz, 2003; Rovner et al., 1991).
Mulsant e Ganguli (1999) revelam que a depressão atinge aproximadamente 15% dos idosos não institucionalizados, subindo para 30% a 40% em indivíduos com doença de Alzheimer. Os valores apresentados predominam no sexo feminino, sendo duas vezes superior aos homens; porém acredita-se que a discrepância entre os sexos não seja tão grande, uma vez que os homens tendem a mascarar a sintomatologia depressiva.
Blazer (2003) indica que 4% das pessoas idosas manifestam depressão major e 20% apresentam sintomatologia depressiva significativa; Costa (2005) refere 50% dos idosos institucionalizados com alguma forma de sintomatologia depressiva. Assim, embora a depressão possa apresentar-se associada a vários fatores decorrentes do envelhecimento, a sua prevalência parece agravar-se em pessoas idosas institucionalizadas, verificando-se um maior risco de morbilidade e mortalidade (Morley & Kraenzle, 1994; Parmelee, Katz, & Lawton, 1991, 1992; Rovner et al., 1991).
Aranha (2004) salienta, na prevalência de doenças e mortalidade, o facto da pessoa idosa não ter familiares próximos, pelo que é presumível que pouco apoio social, ou de pouca qualidade, constitui um fator que afeta a saúde da pessoa idosa (Hoolyman & Kiyak, 1997, cit. por Rigo & Teixeira, 2005). Serra (1999) considera o suporte social como a quantidade e coesão das relações sociais que envolvem de modo dinâmico um indivíduo e Saranson, Levine, Basham e Saranson (1993) definem-no como “a existência ou disponibilidade de pessoas em quem se pode confiar, pessoas que nos mostram que se preocupam connosco, nos valorizam e gostam de nós”(p. 127).
O suporte social pode ser descrito pelo tamanho da rede social, pela presença de relações sociais, frequência de contacto com membros da rede social, necessidade de apoio transmitida ou tipo e quantidade de apoio que o indivíduo precisa e recebe (Dunst & Trivette, 1990). Outros aspetos que caracterizam a rede social de apoio são a extensão da utilização da rede social, a dependência, os comportamentos de reciprocidade, a proximidade/intimidade entre os membros e a satisfação com a rede em geral.
O suporte social é particularmente importante para as pessoas idosas, sendo que é nesta população que frequentemente se verificam as maiores lacunas, pois existe uma elevada quantidade de pessoas idosas que vivem sozinhas ou em instituições, sem apoio familiar.
A rede social de suporte é considerada importante porque: “alivia o stress em situação de crise, pode inibir o desenvolvimento de doenças e quando o indivíduo está doente tem um papel positivo na recuperação da doença” (Rodin e Salovey, 1989, cit. por Santos, Ribeiro, & Lopes, 2003, p. 186). O indivíduo pode ter uma perceção alterada, positiva ou negativa, do suporte social que tem e daquele que efetivamente lhe é dado.
Saranson, Saranson e Pierce (1990) discriminam o suporte social em três categorias: “1) o modelo de rede, que se focaliza na integração social dos indivíduos num grupo e nas inter-relações que mantêm; 2) o modelo de suporte recebido, que incide no que a pessoa recebe ou refere ter recebido e 3) o modelo de suporte disponível, que diz respeito ao suporte que a pessoa acha que está disponível, se ela precisar. Por seu lado, Serra (1990) descreve seis tipos de apoio social: afetivo, emocional, percetivo, instrumental, informativo e através da convivência.
Dunst & Trivette (1990) revelam que o suporte social pode ser formal (e.g. lares de idosos), ou informal (e.g. família, amigos). Na literatura, encontram-se vários estudos relacionando o suporte social e a saúde, como o de Demaray, Malecki, Davidson, Hodgson & Rebus (2005), Seiffge-Krenke (1995), e de Singer & Lord (1984), que afirmam que o apoio social poderá ser um fator de proteção das perturbações causadas pelo stress. Neste sentido, considerando pertinente a associação entre o suporte social, depressão e institucionalização, propusemo-nos realizar um trabalho empírico, a fim de averiguarmos, qual a incidência de depressão em pessoas idosas institucionalizadas, tentando-se perceber e relacionar esta variável com o suporte social (grau de satisfação e número de pessoas que constituem a rede social de apoio da pessoa idosa institucionalizada) e variáveis sociodemográficas como a idade e habilitações literárias.
Método
Participantes
O grupo de participantes é composto por 25 pessoas idosas, residentes num lar, com idades compreendidas entre os 63 e os 93 anos, sendo a média etária de 80,84 anos. A maioria (84%) é do sexo feminino, viúva (84%) e com baixa escolaridade (52% não tem escolaridade e 44% tem o 1º ciclo). A categoria profissional predominante é referente ao grupo dos Agricultores e Trabalhadores Qualificados da Agricultura e Pescas. A maioria (80%) dos participantes tem filhos (60% têm entre 1 a 2 filhos e os restantes 3 a 4 filhos) e está institucionalizada há menos de 4 anos (80%), verificando-se em 48% dos casos que esta é recente (menos de 1 ano).
A maioria dos participantes sofre de doenças crónicas (80%), sendo os problemas mais frequentes os de ossos (24%), auditivos (20%), diabetes (16%) e os problemas de coração (12%).
Da totalidade, 88% referiu receber visitas, maioritariamente dos filhos ou outros familiares (64%) e amigos (20%); destes 50% recebem visitas semanalmente e 36,40% quinzenalmente.
Instrumento
Foram utilizados questionários adaptados para a população portuguesa, nomeadamente, a Escala da Depressão Geriátrica de Yesavage et al. (1983) e o Questionário de Apoio Social (SSQ-R), Versão Reduzida (SSQ6) de Moreira et al. (2002), versão portuguesa do “Social Support Questionnaire” de Saranson, Levine e Basham (1983).
A Escala de Depressão Geriátrica (GDS) é muito utilizada como instrumento de diagnóstico de depressão em pessoas idosas. Apresenta 30 itens, sendo cotada de forma dicotómica (Sim/Não), atribuindo-se um ponto para cada resposta compatível com depressão. O score final determina a severidade da depressão do indivíduo: 0 a 10 pontos indica inexistência de depressão evidente; 11 a 20 pontos depressão moderada e dos 21 aos 30 pontos depressão severa.
O Questionário de Apoio Social (SSQ6), inclui apenas seis questões, permitindo contudo avaliar duas dimensões de apoio social percebido: o número de pessoas disponíveis para darem apoio (SSQ-N) e a satisfação com esse apoio (SSQ-S). Em cada questão pede-se a indicação do número de fontes de suporte social percebido (podendo-se obter um número mínimo de 0 – correspondente a nenhum – e máximo de nove) e seguidamente a avaliação da satisfação com esse suporte, podendo esta variar em seis pontos de uma escala tipo Likert (de “Muito Satisfeito” a “Muito Insatisfeito”).
Procedimento
Após se obter a autorização da coordenadora técnica, de um lar, para o desenvolvimento do estudo, foram selecionados os utentes aptos a participar, sendo excluídos os que manifestavam problemáticas neurológicas, como a Doença de Alzheimer.
A recolha dos dados foi realizada no gabinete médico da instituição, individualmente, com cada utente e sem interrupções. A aplicação dos questionários teve uma duração média de 20 minutos, tendo os instrumentos sido apresentados sempre na mesma ordem, primeiro o GDS e seguidamente o SSQ-6.
Resultados
Tratamento Estatístico dos Dados
O tratamento de dados foi efetuado através do software PASW Statistics 18. Recorreu-se ao teste exato de Fisher, para cruzar um conjunto de variáveis com os níveis de depressão (3 níveis: ausência de depressão, depressão ligeira e grave). As variáveis não dicotómicas foram reagrupadas no sentido de se organizar 2 grupos (ex. na idade, foi calculada a mediana e criados dois grupos a partir desse valor), obtendo-se assim tabelas de contingência.
Recorreu-se ainda ao coeficiente de correlação não paramétrico de Spearman para correlacionar o score total de depressão, com o score total de satisfação com o suporte social. Usou-se ainda este coeficiente, para relacionar a satisfação com o suporte social, com o número de pessoas da rede de apoio.
GDS – Escala de Depressão Geriátrica
Os scores obtidos na GDS variam entre os 4 e os 25, sendo a média de 14,68 e o desvio padrão de 6,5. Os dados revelam que apenas 28% dos participantes não apresentam depressão; dos restantes, 48% revelam depressão ligeira e 24% uma depressão grave. Efetuou-se uma análise de frequências aos itens com respostas sim e não, seguidamente, exposta, na tabela 1 e 2.
Os resultados obtidos com a GDS revelam que muitos dos participantes, se sentem muitas vezes com vontade de chorar (84%), aborrecidos (80%), inquietos ou nervosos (72%), afligem-se muitas vezes com pequenas coisas (72%), colocaram de lado muitas das atividades e interesses (68%) e têm dificuldade em começar novas atividades, preferindo ficar no lar, em vez de sair e fazer coisas novas (68%). Muitos dos participantes responderam ainda preocuparem-se muitas vezes com o futuro (68%), sentirem-se muitas vezes desamparados (64%), desanimados e abatidos (60%) ou inúteis (56%).
Por outro lado, embora a maioria dos inquiridos respondesse não ter facilidade em tomar decisões (56%,), nem ter esperança no futuro (52%), foram poucos os participantes que responderam não gostarem de estar vivos ou de se levantarem de manhã (12%), ou ainda, não estarem bem-dispostos a maior parte do tempo (20%).
Questionário de Apoio Social
As respostas ao questionário de apoio social, revelam que 48% dos participantes, referiram que as pessoas com quem realmente podem contar quando precisam de ajuda são os filhos; as outras respostas com maior frequência incidiram nos amigos (28%) e irmãos (20%). A maioria dos inquiridos (60%) refere também os filhos, como as pessoas com quem podem contar para se preocuparem com eles, para se sentirem melhor quando estão em baixo (nesta questão, 24% dos utentes mencionam os filhos, 20% ninguém, 16% os amigos e 12% os auxiliares do lar) ou ainda as pessoas que os aceitam totalmente (os filhos obtêm, neste item, 32% das respostas, os amigos 24% e outros utentes 20%).
Por outro lado, no que concerne às pessoas que os utentes referem como importantes para se sentirem mais relaxados em situações de tensão e pressão, as respostas mais frequentes foram “ninguém” (28%) e os auxiliares do lar (24%), verificando-se percentagens algo idênticas nestes itens, em repostas à questão relativa às pessoas com quem podem contar para os consolar: “ninguém” (32%), filhos (28%) e auxiliares do lar (28%).
A esmagadora maioria dos participantes refere algum familiar (tabela 3), como a pessoa com quem podem contar quando precisam de ajuda (76% – Q1), ou para se preocuparem com eles (76% – Q4), o mesmo não acontecendo noutros aspetos, nomeadamente nas questões “com quem podem contar para se sentirem relaxados (Q 2), melhor quando estão em baixo (Q 5), para os consolar quando estão muito preocupados (Q 6) e para “os aceitar como são” (Q3) , onde se verifica que a percentagem de referência a um familiar é substancialmente mais baixa (inferior a 50%); como foi acima referido, nalgumas destas questões (as relativas ao apoio para se sentirem relaxados ou serem consolados, quando estão preocupados), há uma grande percentagem a referir não ter ninguém para esse tipo de apoio (28% a 32%) ou a referir as auxiliares do lar (24% a 32%).
Relativamente ao grau de satisfação com o apoio recebido, nas questões 1 e 3 todos os participantes revelaram satisfação (satisfeitos ou muito satisfeitos), na 2 (relativa a com quem podem contar para se sentirem relaxados) dois participantes (8%) revelaram insatisfação e nas questões 4, 5 e 6, apenas 1 participante (4%) mostrou descontentamento; a maioria dos participantes (56%) refere 1 a 2 pessoas na sua rede de apoio, 40% mais do que duas pessoas e apenas um inquirido indica não ter ninguém.
Relação entre a Depressão, Suporte Social e Variáveis Sociodemográficas
O teste de Fisher (tabela 4) revelou a existência de uma relação significativa entre a idade e a depressão (p≤0,05); existem mais casos de depressão grave, no grupo de pessoas idosas com mais de 84 anos e de ausência de depressão no grupo com idade até 84 anos. O mesmo teste aplicado à relação entre as habilitações literárias e a depressão revelou a existência de uma relação significativa entre as habilitações e a depressão uma vez que p≤0,05, constatando-se mais casos de depressão grave, no grupo não escolarizado e de ausência de depressão no grupo escolarizado.
O teste de Fisher foi aplicado de igual forma para testar a correlação entre a depressão e variáveis como o número de pessoas da rede de apoio, tendo-se obtido um p> 0,05, ou seja, uma relação estatisticamente não significativas entre esta variável e a depressão.
Relativamente à correlação entre a satisfação com o apoio social e a depressão utilizou-se a correlação não paramétrica de Spearman, obtendo-se uma correlação significativa, negativa moderada de – .46, p = .02≤ 0,05 entre a satisfação e o total da depressão: quanto maior a satisfação com o apoio social menor o score na escala de depressão.
Discussão
Considerando estudos de autores como Marinho (2010), Martins (2008) e Papadopoulos (2005), o grupo de participantes apresenta características muito comuns à generalidade das pessoas idosas institucionalizadas: pessoas com uma média de idade de 80,84 anos, apresentando doenças crónicas, sendo a maioria do género feminino, viúvas, refletindo a já esperada superioridade feminina (Netto, 2000). Caracterizam-se também por terem filhos, possuírem baixa escolaridade e profissões na área da agricultura e pesca, dado a instituição se situar numa zona rural piscatória.
Constatou-se a prevalência de uma depressão ligeira em grande parte dos casos (48%), o que revela concordância com os resultados obtidos noutros estudos, como os de Weyerer, Hafner, Mann, Ames e Graham (1995) no Reino Unido e de Brodaty et al. (2001) na Austrália, que referem índices de 48% e 42%, respetivamente. Martins (2008) afirma que o envelhecimento por si só propicia o aumento da sensibilidade afetiva, devido a alterações neurológicas e fisiológicas, a que se associam fatores de exclusão social, que também contribuem para aumentar a probabilidade de desenvolvimento de um processo depressivo, na pessoa idosa. A mesma autora, após a análise de vários estudos, salienta que a percentagem de pessoas idosas com perturbações depressivas é elevada, agravando-se estes valores nas que residem em lares, pois a institucionalização poder ser vivenciada, como stressante, podendo contribuir, segundo autores como Vieira (996) para o desenvolvimento de depressões, dado que a pessoa idosa começa a experienciar alterações no seu meio social, tendo de adotar um novo estilo de vida; Beekman et al. (1995) e Osborn et al. (2003), evidenciam, por outro lado, a influência das doenças crónicas no estado de saúde mental da pessoa idosa, o que nos remete para o facto da maioria dos inquiridos deste estudo possuírem doenças crónicas, podendo estas constituir um fator que poderá contribuir para a elevada percentagem de participantes, com depressão.
Os resultados obtidos na análise das frequências dos itens da GDS, com cotação “sim”, revelam, de acordo com Cohen e Eisdorfer (1997) alguns dos sintomas de uma depressão atípica (e.g. apatia, queixas subjetivas de comprometimento cognitivo, ansiedade, somatização, excesso de preocupação). Estes autores referem que a institucionalização contribui para alguns dos sintomas, que surgem nas pessoas idosas, como a falta de vontade em realizar atividades de seu interesse, a dificuldade em começar novas atividades e a preferência por não sair da instituição.
Relativamente às frequências obtidas nos itens da GDS com cotação de 1 para “não”, são de salientar as respostas concernentes à capacidade de decisão que se mostrou negativa. Martins (2008) salienta que a satisfação das necessidades da pessoa idosa institucionalizada é escrupulosamente planeada, limitando-se o seu poder de decisão e de influência institucional. Deste modo, a falta de decisão poderá ser condicionada pelo ambiente institucional, embora possa também resultar de outros fatores associados a doença.
Verificou-se que as pessoas idosas mais velhas (mais de 84 anos), apresentam mais casos de depressão grave, o que é congruente com o que defende Bergdahal et al. (2005), que refere a existência de uma associação entre os sintomas depressivos e o aumento da idade. Por outro lado, a existência de mais casos de depressão grave, no grupo dos participantes não escolarizados e sua ausência no grupo escolarizado, coaduna-se com os resultados obtidos noutras investigações, que associam o nível de instrução, à prevalência de depressão na população idosa (Chou & Chi, 2005; Papadopoulos et al. 2005).
Embora os testes realizados no nosso estudo, não tenham denotado uma relação significativa, entre a depressão e o número de pessoas da rede de apoio, existem autores como Irigaray e Schneider (2007), Jefferson e Greist (1997) cit. Irigaray e Schneider (2007), Papalia et al. (2006), que acreditam que a composição da rede social da pessoa idosa e o tipo de relações estabelecidas, ajudam a minimizar e a enfrentar a depressão. No entanto, como defende Goldstein (1998), citado em Resende et al. (2006), o mais importante na rede social de apoio não é o número de elementos, mas sim a qualidade das relações; a manutenção do contacto com o mundo existente fora da instituição, pode revelar-se positiva para a pessoa idosa.
A rede social de apoio destes participantes, é constituída maioritariamente por cuidadores formais (as funcionárias da instituição acolhedora) e pelos familiares mais próximos, nomeadamente, os filhos. De acordo com os seis tipos de apoio social defendido por Serra (1999), infere-se que as auxiliares do lar e os familiares desempenham um papel de grande relevância no domínio do apoio afetivo, auxiliando a pessoa idosa institucionalizada sempre que necessita de ajuda ou revelando preocupação com o seu bem-estar, o que pode contribuir para o desenvolvimento de um sentimento de pertença; os familiares, poderão ainda fornecer apoio instrumental, nomeadamente financeiro.
Os participantes encontram-se maioritariamente satisfeitos com o apoio recebido, verificando-se uma correlação, significativa, entre o índice de depressão e o grau de satisfação com a sua rede social, ou seja, observa-se que quanto maior é a satisfação com a rede social, menor o score na escala de depressão. Assim, a satisfação da pessoa idosa institucionalizada, com a rede de suporte social, pode ter um papel preponderante no sentido de evitar ou atenuar o desenvolvimento de sintomas depressivos (Marinho, 2010).
Este trabalho apresenta limitações de ordem metodológica, pelo reduzido número de participantes e processo de amostragem de conveniência, associado a um não balanceamento de características, como o género sexual; estes factos traduzem-se na pouca representatividade da amostra e impossibilita a extrapolação e generalização dos resultados à população em geral. Por outro lado, verificou-se ser necessário relembrar, ao longo da aplicação dos questionários, por diversas vezes, a confidencialidade das respostas, dado o fator desejabilidade social, associado à dependência dos participantes de terceiros (tornou-se evidente a preocupação dos inquiridos, relativamente à possibilidade da Coordenadora Técnica da instituição conhecer os resultados, ou mesmo a Segurança Social).
Para complementar os resultados obtidos neste trabalho, seria importante desenvolverem-se estudos, com grupos de maior dimensão e igual número de participantes de cada género sexual, de forma a tornar possível averiguar possíveis diferenças relativas a esta variável. Seria também pertinente realizarem-se estudos longitudinais, a fim de se obter uma melhor compreensão sobre a influência do tempo de institucionalização na depressão, ou sua estabilidade ou mudança/evolução durante esse período; outros possíveis trabalhos nesta área, poderiam comparar pessoas idosas institucionalizadas e não institucionalizados, procurar conhecer a opinião das famílias, de cuidadores informais e formais, nomeadamente as auxiliares dos lares. Considerando o exponencial aumento da população idosa em todo o mundo, pensamos ser fundamental incrementar a investigação nesta área, de forma a garantir melhores condições de vida às populações idosas, em situação de institucionalização.
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[1] Mestre em Psicologia Clínica. marianeto85@gmail.com
Instituto Superior de Psicologia Aplicada-Instituto Universitário (ISPA-IU).
[2] Professora no Instituto Superior de Psicologia Aplicada – Instituto Universitário (ISPA-IU).