Mar 12, 2013

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WOUND BIOFILM APPROACH: CASE STUDIES

ENFOQUE DE LAS HERIDAS CON BIOFILMS: ESTUDIOS DE CASO

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AUTORES: Vítor Santos, Ana Sofia Santos, Elsa Menoita

Resumo

Os microrganismos são estruturas simples, que estão presentes nos mais diversos habitats, mas capazes de desenvolverem comportamentos bastante complexos. O conceito de  biofilme tem emergido gradualmente de estudos científicos durante longo período de tempo, porém, nas últimas duas décadas, essa concepção tem avançado  consideravelmente.Estima-se que mais de 90% dos microrganismos vivem sob a forma de  biofilmes e praticamente não existe nenhuma superfície que não possa ser ou vir a ser  colonizada por bactérias . Em suma, os microrganismos apresentam-se nos ambientes  aquosos, tanto na forma planctónica com na forma séssil. Na forma planctónica os microrganismos encontram-se em suspensão e dispersos no meio aquoso, e na forma  séssil encontram-se aderidos a superfícies sólidas sob a forma de biofilmes. As feridas não  são excepção e a presença de biofilme nestas é um fenómeno importante a considerar.  Com este artigo, pretende-se demonstrar a aplicação de estratégias para a gestão de  biofilmes, com recurso à metodologia de estudo de caso.

Palavras-chaves: Biofilmes, feridas crónicas, estudo de caso

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Abstract

Microorganisms are simple structures that are present in various habitats, but able to develop enough complexos. The behavior of biofilm concept has emerged gradually scientific studies for a long period of time, however, the last two decades, this design has advanced  considerably . it is estimated that over 90% of living microorganisms in the form of  biofilms and practically there is no surface which can not be or become colonized by  bacteria. In sum, the microorganisms are presented in aqueous environments, either as planktonic to the sessile form. In order planktonic microorganisms are suspended and dispersed in the aqueous medium and form sessile are adhered to solid surfaces in the form of biofilms. The wounds are no exception and the presence of these biofilms is an  important phenomenon to consider. With this article, we intend to demonstrate the application of strategies to manage biofilms, using the case study methodology.

Key words: Biofilms, chronic wounds, case study

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Enquadramento da Problemática   

Para Rhoads et al. (2008), é necessário fazer um update do paradigma continuum contaminação-infecção, porque ele não tem em consideração os biofilmes, o seu ciclo de vida, que em muito constrasta com o defendido: invasão (contaminação), proliferação (colonização) e reacção do hospedeiro (infecção), verificando-se que mesmo a presença de bactérias parece ter um efeito indesejável, com atraso na cicatrização. Esta situação tem  sido designada de colonização crítica. O conceito de colonização crítica foi desenvolvido na tentativa de reconhecer o papel crítico da carga bacteriana (bioburden) responsável pelo atraso na cicatrização, mas sem sinais óbvios de infecção (Edwards & Harding, 2004, citados por Phillips et al., 2010). Na realidade, o conceito de colonização crítica, provavelmente, descreve a presença de um biofilme numa ferida crónica (Phillips et al., 2010). A microbiologia tradicional caracterizou durante anos as células encontradas em suspensões como planctónicas (Widgerow, 2008). Estas células foram exaustivamente avaliadas, isoladas e identificadas. Algumas das bactérias planctónicas estudadas têm a capacidade de aderir em várias superfícies, formando biofilmes, assumindo assim a forma séssil.

Para Rhoads et al. (2008), todas as feridas crónicas têm bactérias na sua superfície, para além disso as bactérias do biofilme não estão uniformemente distribuídas no leito da ferida. Actualmente, o método mais confiável para confirmar a presença de biofilme microbiano é a microscopia especializada (Phillips et al., 2010). Foi realizado um estudo de referência por James et al. (2008), citados por Phillips et al., (2010) e Wolcott e Rhoads (2008), através de microscopia de imagem electrónica a 50 feridas crónicas e 16 agudas. Os autores verificaram que, 60% das feridas crónicas possuíam biofilme e apenas 6% das feridas agudas apresentavam biofilme (Steinberg, 2011; James et al., 2008; Widgerow, 2008). Estes resultados sugerem para os autores que, não só as feridas crónicas apresentavam biofilme, como, também, a sua presença pode prejudicar a cicatrização, contribuindo para a cronicidade das feridas.

Trata-se portanto de uma entidade, com grande relevância clínica, no que concerne ao tratamento de feridas crónicas e sendo urgente a definição de medidas sistematizadas para o seu controlo, com base em evidência cientifíca credível. Biofilme microbiano é definido como uma associação de células microbianas fixadas às superfícies, bióticas ou abióticas, envolvidas numa complexa matriz extracelular de substâncias poliméricas.

De acordo com Costerton (1984) e Bester et al. (2010) citados por Phillips et al. (2010):

– Fixam-se em poucos minutos;

– As microcolónias formam-se dentro de 2-4 horas;

– A matriz forma-se em 6- 12 horas, tornando o biofilme cada vez mais resistente a biocidas e a antibióticos;

O biofilme maduro pode começar a desprender bactérias planctónicas dentro 2-4 dias. Um biofilme maduro depois de libertar células bacterianas pode recuperar num espaço temporal de 24 horas. Gibson et al. (2009), refere que a persistência de biofilme estabelece uma fonte inflamatória a longo prazo:

– Espécies reactivas de oxigénio (EROS);

– Proteases (MMP’s);

Para Rhoads et al. (2008), o biofilme pode desencadear uma resposta imunitária com aumento de MMP, senescência com incapacidade funcional dos fibroblastos, queratinócitos, e das células endoteliais para iniciar a angiogénese.

Muito se tem debatido sobre o diagnóstico dos biofilmes nas feridas crónicas e se estes podem ser observados a olho nú. De acordo com Phillips et al., (2010), os biofilmes são estruturas microscópicas, contudo, quando se desenvolvem durante um longo período sem sofrerem qualquer perturbação podem tornar-se espessos o suficiente para serem observados a olho nú.

Clinicamente, os biofilmes têm sido observados com frequência como uma camada fina translúcida, brilhante na ferida infectada, não respondendo a terapias antimicrobianas e não mostrando sinais de cicatrização (Widgerow, 2008). É de advertir que, nem todas as espécies bacterianas que formam  biofilmes são observáveis a olho nú (Phillips et al., 2010). Para os mesmos autores, alguns biofilmes microbianos podem ser visualmente detectados por causa da produção de pigmentos, como por exemplo, o verde pyocyanin produzido por Pseudomonas (Dietrich et al., 2006, citados por Phillips et al., 2010). Por vezes, também se verificam dificuldades na distinção de biofilmes e tecido desvitalizado pouco aderente e consistente (slough – depósitos de fibtina/resíduos). O slough tem sido descrito como viscoso, amarelo, e relativamente opaco, enquanto que os biofilmes encontrados nas feridas têm uma aparência mais gelificada e brilhante (Hurlow & Bowler, 2009, citados por Phillips et al., 2010).

Quadr.1

As feridas crónicas são muitas vezes geridas através de uma única estratégia de cada vez. De facto, estratégias sequenciais muitas vezes resultam em fracasso para cicatrizar a ferida (Association for the Advancement of Wound Care, 2008). De acordo com o estudo de Wolcott e Rhoads (2008)  realizado a 190 pessoas com úlceras de perna, entre 2002 e 2006, recorreu-se às estratégias de gestão do biofilme e, verificaram que 146 (77%) apresentaram cicatrização completa e 44 (23%) não apresentaram cicatrização completa. Deste modo, as estratégias de gestão de biofilme têm os seguintes objectivos:

– Reduzir a carga biofilme;

– Evitar a reconstituição do biofilme (Phillips et al., 2010).

Steinberg (2011) acrescenta, referindo que há cinco principais formas de, possivelmente, prevenir, reduzir e controlar os biofilmes: 1) Prevenir a fixação de bactérias; 2) Prevenir a formação de biofilme; 3) Interromper o biofilme para permitir a penetração tópica de agentes antimicrobianos; 4) Interferir com quorum-sensing; 5) Melhorar a dispersão de bactérias dos biofilmes para as bactérias planctónicas poderem ser mais facilmente destruidas.

Stoodley et al. (2001), citados por Association for the Advancement of Wound Care (2008), também, referem que o biofilme leva cerca de 24 horas para restabelecer a sua biomassa. Após a ruptura com desbridamento e tratamento tópico – ex. Surfactantes – há uma janela de oportunidade de 24 horas, utilizando antimicrobianos, de forma a não se recuperarem.

Quadr.2

Agentes Anti-Biofilme em Tratamento de Feridas

Surfactantes

Surfactante é uma abreviação de “agente activo de superfícies”, que significa “activo à superfície”. Um surfactante é caracterizado pela sua tendência de adsorver em superfícies e interfaces. Este permite reduzir a tensão superficial dos fluidos aquosos. Esta característica permite-lhes actuar como substâncias detergentes, agentes humificantes, e emulsionantes, sendo intensivamente usados no controlo da formação de biofilmes no equipamento industrial, especialmente na indústria alimentar. Os surfactantes utilizados na eliminação de biofilmes nas feridas aumentam a solubilidade e melhoram a limpeza. O resultado da baixa tensão superficial induzida pelo surfactante ajuda na remoção de detritos e bactérias (Andriessen & Eberlein, 2008, citados por Cutting, 2010). Os surfactantes existentes no mercado português são a betaíne, sob a forma associada com polihexanida, que será posteriormente mencionada e a espuma de poliuretano com surfactante F-68 com e sem prata.

A betaína é um alcalóide surfactante que é encontrado na cana-de-açúcar, em outras plantas e animais. Tem alta solubilidade em água e induz um efeito de stress osmótico no factor rhamnolipid, factor de virulência produzido pela P. aeruginosa, que causa lise de macrófagos e leucócitos polimorfonucleares (Van Gennip et al., 2009, citados por Cutting, 2010). A betaína interfere também na produção de homoserina lactona (factor de virulência) e na actividade de sinalização célula-célula (quorum sensing) (Goldberg et al., 2008, citados por Cutting, 2010).

Antimicrobianos

 É importante referir que o biofilme é mais susceptível a antimicrobianos quando ainda não está aderido a um substrato de forma irreversível (Association for the Advancement of Wound Care, 2008). Os antimicrobianos têm o objectivo de evitar a reconstituição do biofilme, eliminando as células planctónicas que foram desagregadas por mecanismos físicos (Phillips et al., 2010).

Antibióticos sistémicos

Quando os antibióticos são usados como um único agente, não conseguem eliminar a causa da cronicidade da ferida na maioria das vezes, devido aos mecanismos de sobrevivência dos biofilmes. Estes eliminam os sintomas da infecção provocada pelos biofilmes, mas não o próprio biofilme, levando ao aparecimento de infecções recorrentes. Clinicamente verifica-se, muitas vezes, uma melhoria a curto prazo no leito da ferida após a administração do antibiótico, seguida por uma posterior deterioração ou recalcitrância. Tal facto, possivelmente, deve-se à falha do antibiótico para reduzir a biocarga (bioburden) a um nível em que as defesas do hospedeiro podem prevalecer, resultando em reconstrução do biofilme e sua resistência (Association for the Advancement of Wound Care, 2008). Costerton et al. (1999) acrescenta, referindo que, as infecções continuam a se propagar mesmo após o término do tratamento dos antibióticos, pois somente as células planctónicas são destruídas. Rhoads et al. (2008) referem que, os antibióticos são eficazes apenas 25-32%, eliminando somente as células superficiais, ou seja, aquelas metabolicamente activas. Assim, as bactérias incorporadas na matriz que estavam em estado de hibernação começam a metabolização. Para além disso, as células bacterianas podem separar-se da estrutura do biofilme em qualquer fase da infecção e estabelecer uma nova infecção aguda (Costerton et a.l, 1999).

Anti-Microbianos

Uma vez que o tratamento inclui técnicas de desbridamento e antibióticos sistémicos, os anti-microbianos poderão ser eficazes, pois penetram  na membrana do próprio biofilme e causam  morte celular (Rhoads et al. , 2008). Os biocidas não selectivos como o álcool, o hipoclorito de sódio, a água oxigenada, lesam as células do hospedeiro, mas não as bactérias em biofilme (Wolcott & Rhoads, 2008).  Os biocidas mais amplamente utilizados no tratamento de feridas com biofilmes são a prata, mel, iodo e PHMB (Phillips et al., 2010, Steinberg, 2011). Anti-microbianos tópicos, tais como prata (Chaw et al., 2006; Percival et al., 2008 citados por Association for the Advancement of Wound Care, 2008), o mel (Okhiria et al., 2004; Irish et al., 2006, citados por Association for the Advancement of Wound Care, 2008), o iodo sob forma de cadexomero fornecem alguma evidência do seu valor na gestão de biofilme, não com o objectivo da sua erradicação, mas através da aplicação de múltiplas estratégias (biocidas e desbridamento), desencadeiam stress ao biofilme, fazendo com que os anti-microbianos possam ser mais bem-sucedidos.

Figura nº1 – Penetração do anti-microbiano antes e depois da acção de surfactantes e biocidas

Figur.1

Mel

A inibição de biofilmes por mel in vitro tem sido relatado (Alandejani et al, 2009; Merckoll et al, 2009; Okhiria et al., 2009 citados por Cooper, 2010). O mel tem sido proposto como uma intervenção anti-biofilme, ainda mais porque a sua molécula de açúcar mais comum (frutose) interfere com a adesão de P. aeruginosa às células hospedeiras. Constatou-se que no caso dos Staphylococcus Aureus, o mel reduz significativamente a formação de biofilme na concentração de 1% (w/v) e a na concentração de 5% (w/v) impediram a formação de biofilme. Assim, os autores Irish, Cartere Blair (2007) defendem a aplicação do mel como profilaxia na formação de biofilmes, sendo que outros como Merckoll et al (2009), focam a carente informação sobre a acção do mel no biofilme, argumentando que, a maioria dos estudos in vitro são referentes a microorganismos sobre a forma planctónica. Okhiria et al (2009) salientam ainda a necessidade da realização de mais estudos in vivo, para determinar a concentração inibitória minima (CIM) de mel para o biofilm, de forma, que a sua acção não promova o crescimento do biofilme.

Iodo

Num  modelo de biofilmes desenvolvido por Hill et al. (2006), vários pensos foram avaliados contra biofilmes de 7 dias (maduros) e biofilmes de 3 dias (jovens). Os pensos com iodo exterminaram todas as células bacterianas do biofilme.  Num estudo de Phillips et al. (2010), realizada em pele suína, comprovou-se que o cadexómero de iodo eliminou um biofilme de Pseudomonas Aeruginosa. Contudo, o iodo, como a iodopovidona apresenta toxicidade celular, inibe fortemente o crescimento celular e em concentrações superiores a 0,1% elimina totalmente a actividade mitótica. Em concentrações mais baixas, a inibição observada é aproximadamente proporcional à dose. Balin et al. (2002) observaram uma menor taxa de cicatrização de feridas, em pessoas tratadas com altas concentrações de iodopovidona. No entanto, o iodo noutras formulações, como cadexemero de iodo, não apresenta citotoxicidade, pois o iodo é liberto de forma gradual e é eficaz contra biofilmes (Rhoads et al., 2008). Outra desvantagem prende-se com o facto de nas feridas exsudativas, ficar inactivado mais rapidamente, o que pode permitir mais facilmente a reconstituição do biofilme, por eventual escassez de anti-microbiano.

PHMB

A polihexanida influencia muito pouco os lípidos neutros presentes nas membranas celulares humanas, pelo que, não afecta os tecidos e possui a capacidade de especificidade de acção eliminando organismos de forma selectiva, sendo considerada uma solução eficaz na limpeza de feridas, preferencialmente adequada nas feridas contaminadas, colonizadas e infectadas (Faria, 2009). A sua actividade pico ocorre entre um pH 5-6 (Broxton et al., 1984, citados por Cutting, 2010). É considerado um produto seguro, com baixa taxa de reacções adversas (Schnuch et al, 2007, citados por Cutting, 2010) e é compatível com outros produtos ao nível do tratamento de feridas em ambiente húmido assim como é eficaz na eliminação de biofilmes (Gray et al., 2010; Faria, 2009).  Num estudo in vitro realizado por Kaehn (2009), citado por Cutting (2010), comparando a eficácia de quatro soluções esterilizadas (solução salina, solução de Ringer, solução de PHMB com betaína e dicloridrato octenidine) numa ferida, PHMB com Betaína foi a única solução completamente eficaz na limpeza da ferida.

Foi realizado um estudo retrospectivo sobre a eficácia da lavagem com PHMB e betaína em solução ou gel (Moller et al., 2008), onde foram incluídos vários tipos de feridas. Em cada mudança de penso, a ferida foi limpa com solução de PHMB para irrigação e, dependendo da decisão clínica, o PHMB gel também foi utilizado. Posteriormente foi aplicado um penso de espuma. No início do estudo, 41% das pessoas tinham a ferida com sinais de infecção. Estas receberam  em conjunto com o PHMB solução ou gel. Após o tratamento, a taxa de infecção da ferida desceu de 41% para 3%. A cicatrização foi conseguida em 80% das feridas e 3% não apresentaram melhoria. A avaliação demonstra que o PHMB gel ou solução foi indolor em 99% dos casos e cerca de 66% das pessoas relataram uma melhoria no odor da ferida. O tratamento foi bem tolerado, com uma melhoria na qualidade de vida das pessoas.

Prata

Percival et al. (2007), citados por Rhoads et al. (2008) realizaram um estudo in vitro, e concluíram que a prata em forma iónica tem capacidade de prevenir a formação de biofilmes. De acordo com Bjarnsholt et al. (2007), citados por Steinberg (2011) e Percival et al. (2007, 2008), citados por Rhoads et al. (2008), vários estudos em laboratório demonstraram que a prata tem um efeito letal sobre os organismos do biofilme.

Contudo, um estudo in vitro concluiu que a concentração de prata nos diversos pensos é baixa para eliminar o biofilme (Bjarnsholt et al., 2007 citados por Rhoads et al., 2008). De acordo com Bjarnsholt et al. (2007), citados por Steinberg (2011), a prata só poderá ter efeito sobre o biofilme em altas concentrações, o que pode ser superior 1 a 10 vezes que a concentração necessária para eliminar em forma planctónica. No entanto, este estudo foi realizado in vitro em biofilmes de P. aeruginosa e não in vivo em biofilmes em feridas crónicas (Rhoads et al., 2008). Contudo, com o estudo de Newman et al. (2006), citados por Widgerow (2008), levantam-se algumas questões: será que a prata apresenta igual eficácia para todos os agentes microbianos? O seu estudo sugeriu que o S. aureus é menos susceptível a prata iónica do que P. aeruginosa, pois foi preciso mais tempo de exposição de prata para induzir a morte celular em S. aureus (24 horas) em comparação com P. Aeruginosa

Estudos de Caso

De modo a demonstrar os efeitos das várias estratégias de gestão de Biofilme, foram realizados estudos de caso que procuraram evidenciar as vantagens de alguns dos agentes antibiofilme descrito. Para tal foi efectuada uma documentação do historial clínico do doente e caracterização da ferida, bem como monitorização da área desta, com recurso a planimetria digital, recorrendo à análise de fotos digitais no software OsiriX. Esse mesmo registo fotográfico serviu como base para uma avaliação mais qualitativa da evolução da ferida.

Caso n.º 1: Sr. A. P.

Homem com 72 anos de idade, com ulceração venosa na face interna da perna, acompanhada de eczema venoso e edema moderado (++). Foi calculado o Indice de Pressão tibio-braquial (IPTB), cujo valor era de 0.93. Ferida com 40 dias de evolução, sem resposta a antimicrobianos tópicos, superficie coberta de fibrina. Apresenta critérios diagnósticos compatíveis com a presença de biofilme.

Tratamento Implementado: Terapia Compressiva de curta tracção, cadexómero de iodo + Compressa não-aderente com iodopovidona, aplicação de pomada corticóide (betametasona) na pele perilesional. A ferida cicatrizou 3 dias depois, pelo que se assumiu a eficácia do cadexómero de iodo na neutralização de algum eventual biofilme presente na ferida (Figuras 2 a 4).

Figur.2

Figur.3

Figur.4

Caso n.º 2: Sr. S. B.

Homem com 78 anos de idade, pé diabético, com status pós amputação trans-metatarsica dos dedos do pé esquerdo há 5 semanas, aquando do inicio do estudo.

Tratamento anterior da deiscência com hidrofibra com prata, sem sucesso, houve agravamento com aumento da área e aumento de tecido inviável.

Tratamento Implementado: Desbridamento Cortante Conservador, lavagem com solução salina e aplicação de Alginato com mel manuka+ Espuma de poliuretano (Figuras 5 a 9), com o objectivo de contribuir para remoção de tecido inviável, bem como evidenciando a acção do mel numa ferida com suspeita de biofilme, infectada, com aparente “resistência” ao antimicrobiano prata.

Figur.5

Figur.6

Figur.7

Figur.8

Figur.9

Caso n.º 3: Sr. F. M.

Homem anos 67 anos de idade, com úlcera venosa na face externa da perna esquerda, com evolução de 6 meses, tratamento anterior com apósito de hidrofibras com prata e terapia compressiva de longa tracção. A lesão aparentemente evoluiu de forma positiva durante os primeiros 4 meses, estando estagnada à dois meses, de acordo com o doente. Aparentemente apresenta metade do seu tamanho original. De acordo com o doente o tratamento inicial foi feito com hidrofibras sem prata, passando a hidrofibras com prata, quando a ferida estagnou, começou a apresentar exsudado espesso e de cheiro fétido, embora sem sucesso. Assim temos uma ferida com alguns sinais clinicos de infecção/colonização critica, no que respeita ao compartimento superficial da ferida, mas sem resposta ao antimicrobiano aplicado, pelo que é válido considerar a hipotese de ter biofilme bacteriano. Ao iniciar o estudo de caso foi de novo efectuada avaliação vascular, apresentando um IPTB de 0.88, válido para aplicação de terapia compressiva, que já estava inclusive em curso.

No que respeita ao restante quadro clinico, o doente apresentava dor, edema algo acentuado, apesar da terapia compressiva de longa tracção, cerca de 50% da superficie da ferida coberta por fibrina. Sem evolução há dois meses e com tratamento dirigido à etiologia e quadro clinico da ferida, optei por excluir então o biofilme com a aplicação do surfactante betaina, associado a PHMB.

Tratamento Implementado: Aplicação de compressas em não tecido com solução de PHMB + Betaína durante 15 minutos; Penso de poliuretano + Ac. Hialurónico com iodo; terapia compressiva de curta-tracção, que pareceu fazer mais sentido num doente que é autónomo e ao qual foi explicado os beneficios de caminhadas diárias com este tipo de material e realização de exercicios em repouso que activem a bomba gemelar. Os resultados foram bastante positivos, levando a crer que o principal problema residia mesmo numa eventual presença de biofilme, como podemos verificar pela evolução positiva descrita nas figuras 10 a 13.

Figur.10

Figur.11 Figur.12 Figur.13

Caso n.º 4: Dona C. G.

O caso da Dona C.G. de 81 anos de idade, é um caso de desespero, por parte de uma pessoa que convive há 2 anos  com uma úlcera venosa na face antero-externa da perna direita,  e na maior parte do tempo com dor, exsudado espesso, odor fétido, edema acentuado. Distingue-se à superficie da ferida uma aparente camada translúcida. Trata-se de uma lesão tratada por vários profissionais diferentes ao longo deste período de tempo, em que de acordo com a doente se alternou entre períodos de estagnação e agravamento da lesão.  O tratamento mais recente inclui um apósito com prata e antibiótico sistémico, sem resposta positiva, apenas houve uma ligeira melhoria na dor e exsudado aquando da toma do antibiótico , que rapidamente reverteu com o fim  deste (de acordo com a doente).

Procurando excluir causas mais graves, deste atraso e agindo de acordo com as boas práticas, avaliou-se o IPTB, que revelou 0.85, logo complementado pela restante observação de sinais clinicos na perna e historial da doente, permitiu excluir doença arterial periférica e apostar em terapia compressiva. Assim, uma vez mais se apostou na betaina com PHMB, visto que com este quadro clinico é legitimo pensar na eventual presença de biofilme.

Tratamento Instituido: Aplicação de compressas em não tecido com solução de PHMB + Betaína durante 15 minutos; Aplicação PHMB+ Betaína em gel, Penso de poliuretano com prata e terapia compressiva de curta-tracção, efectuando os respectivos ensinos acerca dos cuidados a ter com a terapia compressiva e de como fazer uma eficaz activação da bomba gemelar (ver figuras 14 a 17).

Figura 14: Aspecto inicial da ferida. Leito da ferida inviável , com bordos encovados, vastos depósitos de fibrina, tecido de granulação muito escurecido, foi aplicada Betaina com PHMB.

Figur.14

Figur.15

Figur.16

Figur.17

Caso n.º 5: Sra. E. M.

Senhora com 89 anos de idade, diabética, úlcera de pressão na região sagrada, com evolução de 2 anos, de acordo com a família. Tem ainda como problemas activos, anemia e hipertensão arterial, que se encontra controlada e demência cerebro-vascular. Está acamada, incontinete de ambos os esfincteres e sem capacidade para se mobilização. Desde há uns meses a familia colocou uma cobertura de colchão de pressão alterna, mas de eficácia duvidosa, devido ao reduzido tamanho das células de ar.

Num primeiro contacto, apresentava sinais de infecção, como descoloração do tecido de granulação, exsudado aumentado, odor fétido. O tratamento anterior consistia em compressa não aderente com iodopovidona e compressas.

Tratamento Instituido: Aplicada phmb + betaina associado a antimicrobiano com Ag+. Mais uma vez se optou pela terapêutica dirigida ao biofilme, pois a ferida encontrava-se com sinais de infecção estagnada à vários meses. Boa evolução cicatricial (Figuras 18 e 19).

Figur.18 Figur.19

Caso n.º 6: Sra. M. C.

Mulher de  48 anos de idade, com úlcera venosa no terço inferior, face interna, da perna esquerda de apresentação retro-maleolar, desde há 7 meses. Trata-se de uma senhora com factores de risco laborais acentuados, pois trabalha numa unidade fabril de enlatados, que obriga a várias horas de pé no posto de trabalho, sem activação da bomba gemelar. A terapia compressiva que utilizava foi instituida empiricamente, com recurso a meia elástica, que possuiu um perfil mais de prevenção e não é tão eficaz na fase de tratamento de uma úlcera venosa. Apesar de não ter outros factores de risco, acresce complexidade à ferida o facto de se localizar na região posterior do maléolo.  Obteve-se um IPTB de 0,99. Tratamento anterior com hidrofibra, tem 90% da área da ferida com fibrina.

Figura 20: Aspecto inicial da ferida, coberta por fibrina, com algumas áreas de tecido de granulação escurecido. O exsudado era espesso e fétido.

Figur.20 Figur.21 Figur.22 Figur.23

Tratamento Implementado: Aplicação de PHMB + betaina solução durante 15 minutos – manteve 20% da área da ferida com fibrina. De seguida aplicada Betaina+PHMB gel e uma espuma de poliuretano; terapia compressiva de curta tracção, com “reshaping “ da zona retro-maleolar. Mais uma vez pretende-se demonstrar a eficácia de um plano de tratamento dirigido de acordo com um diagnóstico minucioso da etiologia da ferida e suas implicações anatómicas, bem como da avaliação do leito da ferida, cruzando estes dados com o historial da doente. De facto dois aspectos emergem: necessidade de optimização da terapia compressiva e excluir a presença de um provável biofilme (Figuras 20 a 23). Foram efectuados ensinos acerca de exercicios para minimizar a imobilidade no posto de trabalho.

Nesta série de estudos de caso, destaca-se sem dúvida a utilização de Betaina+PHMB, pois permite destacar todos os detritos do leito da ferida, incluindo eventual biofilme, sem necessidade de desbridamento e com minimo dano  para os tecidos saudáveis (Figuras 24 a 28).

Figur.24 Figur.25

Permite ainda associar outros tipos de apósitos, visto que nenhum destes elementos interage com os restantes principios activos que integram materias para tratamento de feridas. Verifica-se claramente uma maior eficácia associado a um antimicrobiano de libertação gradual, embora em casos colonização critica, sem infecção clinica, por si só seja eficaz, como se pode verificar no caso nº 6.

Figur.26Figur.27Figur.28

Considerações Finais

As estratégias de gestão do biofilme, são algo que acaba por ser efectuado na preparação do leito da ferida, no entanto há ganhos positivos se a aplicação destas estratégias for orientada por uma observação clinica rigorosa da ferida e seu historial.

Deve ser dado enfâse ao papel do biofilme na ferida crónica/complexa e mobilizar as estratégias de forma sistemática para este problema. Em feridas que reunam critérios para suspeita de biofilme, deve ser aplicado um agente anti-biofilme, para excluir a sua presença, quanto mais não seja um surfactante no processo de limpeza desta. Devem-se dirigir esforços no sentido de maximizar as possibilidades de erradicação desta entidade, que causam inevitávelmente atraso cicatricial, que vai implicar mais sofrimento para a pessoa com ferida e gastos enormes no seu tratamento, bastando ter em conta os exemplos acima demonstrados, que evidencia a resolução em poucos dias, de casos que implicavam consumos prolongados de material por largos meses, em que as feridas permaneciam estagnadas. Tudo isto são aspectos a considerar e que vêm reforçar a importância de uma avaliação clínica rigorosa  e eficaz por parte do enfermeiro, de modo a optimizar as opções terapêuticas de que dispõe e conseguir também melhores resultados sob o ponto de vista económico social e logo, na qualidade de vida da pessoa com ferida.

Referências Bibliográficas

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Mar 5, 2013

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NURSING INTERVENTION FOR BIOFILM MANAGEMENT IN COMPLEX WOUNDS

INTERVENCIÓNS DE ENFERMERÍA EN EL TRATAMIENTO DE HERIDAS EN COMPLEJAS CON BIOFILMS

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AUTORES: Inês Pedro, Simone Saraiva

Resumo

A deposição de microrganismos numa superfície, normalmente resulta na formação de biofilme sendo também estratégias desenvolvidas pelos microrganismos para se protegerem de fatores agressivos externos.

Atualmente sabe-se que numa ferida complexa existem vários biofilmes que vivem em completos agregados, e que a sua composição é diferente de biofilme para biofilme.

Objetivo: Com este trabalho, pretende-se criar, sobretudo, um algoritmo de atuação para controle dos biofilmes. Este algoritmo vai consistir em intervenções de enfermagem pois, é a área que nos interessa estudar.

Metodologia: Foi executada uma pesquisa na EBSCO, abrangendo todas as bases de dados disponíveis. Foram procurados artigos científicos publicados em Texto Integral (data da pesq.), publicados entre 2005 e 2011, usando as seguintes palavras-chave: Ferida (Full Text) AND Biofilmes (Full Text) AND Gestao (Full Text). Foram ainda usadas as seguintes palavras chave: Wound (Full Text) AND Biofilms (Full Text) AND Cuidar (Full Text). Foi utilizado a metodologia de PI(C)OD e selecionados 14 artigos, do total de 71.

Conclusão: Com as intervenções identificadas, foi elaborado um algoritmo de intervenções de enfermagem para gestão de biofilmes, tendo por base a mais recente evidência científica.

PALAVRAS-CHAVE: Feridas crónicas, Biofilmes, Gestão, Intervenções

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Abstract

Deposition of microorganisms on a surface, usually results in the formation of biofilm, but also microorganism’s strategies to protect themselves from external toxic factors.

Currently it is known that there are several complex wound in biofilms because they live in complete aggregates and that the composition is different for biofilm to biofilm.

Objective: This study is intended to create, above all, an algorithm for controlling actuation of biofilms. This algorithm will consist of nursing interventions because the area is interested in the study.

Methodology: Research was carried out in EBSCO (all databases). Were searched scientific articles published in full text (…), published between 2005 and 2011, using the following keywords: Wound (Full Text) AND Biofilmes (Full Text) AND Management (Full Text). Also using the following keywords: Wound (Full Text) AND Biofilmes (Full Text) AND Care (Full Text). We used the method of PI(C)OD and selected 14 articles of a total of 71.

Conclusion: With the interventions identified, we organized an algorithm nursing interventions for the management of biofilms, based upon the most recent evidence about this theme.

KEYWORDS: Chronic wound, Biofilms, Management, Interventions

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Introdução

O aumento da esperança média de vida e o acréscimo da co-morbilidade das doenças crónicas na população adulta e idosa, aliada à busca incessante da melhoria da qualidade de vida, estão intimamente relacionados com o progresso dos cuidados de saúde. A elevada prevalência das feridas crónicas no contexto atual e o seu impacto tanto a nível individual como económico, dado os elevados custos associados ao seu tratamento, tornam este aspeto da saúde um assunto relevante em saúde pública e consequentemente remete para a reflexão critica sobre a qualidade dos cuidados de saúde.

Nesse sentido, o tratamento de feridas crónicas representa um grande desafio para os profissionais de saúde, de onde se destacam os enfermeiros pela natureza da sua profissão. Sobre isto, relembramos uma das competências do enfermeiro de cuidados gerais referidas pela Ordem dos Enfermeiros, “em conformidade com o diagnóstico de enfermagem, os enfermeiros (…) utilizam técnicas próprias da profissão de enfermagem, com vista à manutenção e recuperação das funções vitais, nomeadamente, (…) circulação, comunicação, integridade cutânea e mobilidade.” (Ordem dos Enfermeiros: Competências do enfermeiro de cuidados gerais; artigo 9.º, n.º4; 2003).

Neste contexto, tem havido um aumento exponencial da investigação científica na área de tratamento de feridas, cujo conhecimento produzido é fundamental na tomada de decisão clínica dos enfermeiros. A existência de informação é um dos aspetos essenciais para a tomada de decisão.

O tratamento de feridas é uma área complexa que requer uma intervenção avançada, centrada numa abordagem holística da pessoa, para isso há necessidade de haver por parte dos enfermeiros uma prática baseada na evidência, uma a gestão clínica integrada da ferida e um trabalho entre uma equipe multidisciplinar, quando a situação assim o exige. Cientes desta necessidade têm-se como objetivo centrar esta revisão da literatura na gestão de biofilmes em feridas crónicas/complexas, fazendo-se uma breve abordagem sobre a fisiopatologia das feridas crónicas e o impacto dos biofilmes na cicatrização das mesmas.

Sabe-se que as feridas são ruturas estruturais ou fisiológicas no tegumento que incitam respostas de reparação complexa e baseada na interação entre células inflamatórias e mediadores. A cicatrização de feridas é, assim, um processo fisiológico, através da qual o corpo substitui e recupera o tecido danificado, restabelecendo a integridade da pele com a maior brevidade de tempo possível. As feridas agudas seguem progressivamente e de forma atempada as fases de cicatrização: hemóstase, inflamação, proliferação e regeneração ou maturação. Já as feridas crónicas, pela sua natureza complexa, permanecem estagnadas numa das fases, geralmente inflamatória. Segundo Amstrong e Jude (2002) e Yager e Nwomeh (1999), citados por Wolcott et al (2009)23, o estado inflamatório é marcado pelo aumento de citoquinas pro-inflamatórias (Interleucina-1, Fator Necrose Tumoral-α, Interferão-gama), elevação dos níveis de metaloproteinases (MMP2, MMP8, MMP9) e quantidade excessiva de neutrófilos; sendo estes fatores que prolongam o tempo de cicatrização para além do normalmente esperado.

Existe uma série de barreiras para a cicatrização e fatores que aumentam o risco de infeção numa ferida, como por exemplo a idade, doenças sistémicas (diabetes mellitus, alterações hematológicas, doenças cardiovasculares…), nutrição pobre, desidratação, baixa resposta imunitária, baixa perfusão tecidular de oxigénio, etc. Infelizmente, mesmo quando estas barreiras são bem geridas, os resultados nem sempre parecem ser significativamente melhorados (Cutting, 2010; Percival e Cutting, 2009; Wolcott e Rhoads, 2008).2,16,24

Na ferida crónica há várias abordagens a ter para que esta evolua de uma forma positiva até à sua completa cicatrização. Por conseguinte, têm sido feitos vários estudos para detetar as causas que inibem a sua cura, levando a ferida a ficar estagnada.

É inevitável que feridas crónicas sejam colonizadas por microrganismos, mas o sistema imunitário quando inato, geralmente elimina a carga microbiana no decurso da cicatrização de feridas. No entanto, quando este está comprometido, a proliferação da carga microbiana sobrecarrega a resposta do sistema imunológico podendo levar à colonização crítica e até à infeção (Steinberg e Siddiqui, 2011)19.

Os microrganismos multiplicam-se e proliferam na forma planctónica ou séssil. Na forma planctónica os microrganismos apresentam-se em suspensão e dispersos num líquido aquoso; enquanto em formato de biofilme, estes apresentam-se na sua forma séssil aderidos a superfícies sólidas.

Os biofilmes têm sido associados a infeções crónicas em feridas, porque estes organismos geralmente resistem aos mecanismos de defesa do hospedeiro e às intervenções dos antimicrobianos, aproveitando-se das condições da ferida para ganhar vantagem e proliferar. Pensa-se que 65% a 80% das feridas devam a sua cronicidade e complicações infeciosas adjacentes, à formação de biofilmes (James et al, 2008; citados por Lenselink e Andriessen, 2011)10. Ainda a acrescentar que segundo James et al (2008) citados por Steinberg e Siddiqui (2011)19, a evidência direta da presença de biofilmes em feridas foi comprovada em 2008, quando biópsias de feridas agudas e crónicas foram recolhidas e analisadas por microscopia eletrónica. A mesma fonte refere que 60% das feridas crónicas mostrou biofilme, em comparação com apenas 6% das feridas agudas.

Os biofilmes são comunidades geralmente polimicrobianas em constante mudança que estão fixas a superfícies bióticas ou abióticas. Este forma-se e fixa-se numa ferida segundo três estadios principais: adesão reversível, adesão irreversível e maturação da substância polimérica extracelular (EPS). Tal como refere Phillips et al (2010), no primeiro estadio, os microrganismos encontram-se na forma planctónica, e pela sua natureza, tendem a fixar-se numa superfície e, eventualmente, tornar-se-ão num biofilme; contudo nesta fase a adesão ainda é reversível. No segundo estadio, a adesão passa a ser irreversível pois, os microrganismos multiplicam-se, diferenciam a sua expressão genética e aderem mais firmemente à superfície, no intuito de sobreviverem. No último estadio, os microrganismos sintetizam e excretam uma substância polimérica extracelular protetora que adere firmemente a uma superfície viva ou inanimada, constituindo-se assim o biofilme. Depois de fixos e maduros, os biofilmes também têm a capacidade de dispersar para outras localizações e estabelecer novos biofilmes (Steinberg e Siddiqui, 2011).19

De acordo com Phillips PL et al (2010)18, em Biofilms: made easy da Wounds International, um biofilme pode ser descrito como conjunto de bactérias incorporados numa camada espessa e viscosa – substância polimérica extracelular (EPS), que protege os microrganismos contra ameaças externas. A composição da EPS está de acordo com o microrganismo presente, mas geralmente é constituída por polissacarídeos, proteínas, glicolípidos e ADN bacteriano (Stoodley, 2009; Flemming, 2007; e Sutherland, 2001; citados por Phillips et al, 2010)18.

Os microrganismos que constituem o biofilme podem atuar sinergicamente, utilizando moléculas de Quorum Sensing para comunicarem uns com os outros e assim garantir a sua sobrevivência. Isto leva a que algumas espécies prosperem juntas e formem comunidades polimicrobiana que, por sua vez, têm maior virulência e patogenicidade. Tal, leva a que se verifique uma reduzida suscetibilidade aos antimicrobianos e se reforce a formação de novos biofilmes (Percival e Wolcott, 2011).17

Como é mais difícil suprimi-lo, os microrganismos e seus componentes extracelulares, que incorporam o biofilme, vão prolongar a fase inflamatória da ferida indefinidamente, atrasando o processo de cicatrização (Percival e Cutting, 2009)16. Como a resposta inflamatória crónica nem sempre é bem-sucedida na remoção do biofilme, o próprio biofilme ao proteger-se aumenta a produção de exsudado, o que proporciona uma fonte de nutrição que o ajuda a perpetuar-se.

Como se pode perceber, os biofilmes são estruturas microscópicas, sendo considerados por vários autores como uma entidade invisível, pois atualmente o método mais fiável para confirmar a presença de biofilme microbiano é a microscopia especializada (Phillips et al, 2010)18.

Então o biofilme passa a ser uma entidade com que os enfermeiros se devem preocupar, quando tratam da pessoa com ferida, para que esta evolua até à sua cicatrização total. Para que isto seja possível, torna-se pertinente fazer uma revisão da literatura das intervenções e estratégias de enfermagem na gestão de biofilmes que estão presentes em grande parte das feridas complexas/crónicas. Tal, garante a eficácia dos cuidados de enfermagem, ultrapassando as limitações e barreiras causadas pelos biofilmes na cicatrização da ferida e consequentemente contribuiu para a melhoria da qualidade de vida da pessoa com ferida crónica e sua família.

Metodologia

No processo da Prática Baseada na Evidência, recorre-se ao formato “PI(C)O”, para a formulação da pergunta de investigação, que será a seguinte: “Na ferida crónica ou complexa (P), quais os cuidados de enfermagem a ter (I) para a gestão de biofilmes (O)?”. Onde o problema/participantes são as feridas crónicas ou complexas sem evolução cicatricial. Como é uma revisão bibliográfica não se realizaram intervenções e os outcomes são as intervenções de enfermagem para gestão de biofilmes.

Foi consultado o motor de busca EBSCO, com acesso às bases de dados: Business Source Complete, CINAHL (Plus with Full Text), MEDLINE (Plus with Full Text), Cochrane Database of Systematic Reviews, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Library, Information Science & Technology Abstracts, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, MedicLatina, Health Technology Assessments, Academic Search Complete e ERIC; tendo sido procurados artigos científicos publicados em Texto Integral (25 a 28 de Maio de 2012), publicados entre 2000 e 2012, usando os seguintes descritores (palavras-chave): Biofilm (Full Text) AND Wound (Full Text) AND Management (Full Text); Biofilm (Full Text) AND Wound (Full Text) AND Chronic (Full Text); Biofilm (Full Text) AND Wound (Full Text) AND Intervention (Full Text); e  Biofilm (Full Text) AND Wound (Full Text) AND Nurs* (Full Text).

Obteve-se um total de 71 artigos, tendo sidos selecionados 14 artigos através de um conjunto de critérios de inclusão e exclusão.

Considerou-se um período temporal de 12 anos, de modo a beneficiar de uma maior abrangência face ao conhecimento existente sobre a matéria em análise.

No problema/participantes os critérios de inclusão foram artigos que abordem feridas crónicas ou complexa com suspeita ou certeza da presença de biofilme e os critérios de exclusão foram artigos que abordem ferida aguda exclusivamente, artigos com repetição de guidelines e artigos que falem exclusivamente do diagnóstico de biofilmes.

Nas intervenções os critérios de inclusão foram as intervenções de enfermagem a pessoa com ferida com suspeita ou mesmo presença de biofilme e os critérios de exclusão foram as intervenções dirigidas à pessoa com ferida aguda e as intervenções à pessoa com ferida sem presença de biofilme.

No desenho os critérios de inclusão foram todo o tipo de artigos e os critérios de exclusão foram todos os resultados da pesquisa que não apresentem o tipo de estudos dos critérios de inclusão.

Para conhecer e organizar os diferentes tipos de produção de conhecimento e metodologias científicas patentes nos artigos filtrados, utilizou-se a escala de seis níveis de evidência de Guyatt & Rennie (2002)6.

Resultados

O desbridamento é essencial, rentável e eficaz na indução da cicatrização de feridas estagnadas. 2,5,17,18,19,20,23,24 Este facilita uma oportunidade para intervenção de antibiótico e antimicrobianos, e é rentável pois diminuí custos com antibióticos, amputação, hospitalização e morte.23

Remover o biofilme e prevenir a sua reconstituição pelo desbridamento é necessário para inverter desequilíbrios moleculares e iniciar a cura.19 No entanto, nenhuma forma de desbridamento ou limpeza é suscetível de remover a totalidade de um biofilme, e todas as bactérias remanescentes tem o potencial de regenerar o formar biofilme maduro em poucos dias.18 Pois, por si só, não garante que o biofilme se reconstitua, sendo necessária a utilização de antimicrobianos.5

Existem vários tipos de desbridamento contudo, os mais eficazes para a gestão do biofilme são o desbridamento cortante conservador (slice), o desbridamento mecânico (fibra de monofilamentos e lavagem pulsátil), o desbridamento cirúrgico e o desbridamento biológico (larvaterapia).

Vários autores defendem que a técnica de desbridamento cortante é a mais eficaz porque minimiza o stress, infeção, inflamação, exsudado e tecido necrótico causado pelo biofilme.23 Pois remove células senescentes, promove o equilíbrio dos materiais biológicos, melhora a microcirculação e normaliza a nível bioquímico.23

Os princípios do desbridamento cortante são: primeiro alterar a anatomia do leito da ferida, removendo locas, sinus tractus e tunelizações; segundo remover fibrina e tecido desvitalizado (incluindo a EPS do biofilme); e terceiro remover ossos descorados, fazendo o diagnóstico de osteomielite.24

Já o desbridamento mecânico, fibra de monofilamentos artificial remove bactérias, exsudado sero-purulento e biofilme bacteriano. Demonstra maior potência na remoção microbiana quando usado com um líquido de limpeza detergente e é fácil de utilizar. Por isso, é eficiente e rentável face a outros métodos de desbridamento mecânico.7

A larvaterapia ou terapia larval é outra forma de desbridamento eficaz porque as secreções e excreções das larvas inibem a formação de biofilme, reduzindo os fatores de degradação envolvidos na acumulação de biofilme.19,23

No entanto, nenhuma forma de desbridamento ou limpeza é suscetível de remover a totalidade de um biofilme, e todas as bactérias remanescentes tem o potencial de regenerar o formar biofilme maduro em poucos dias.18 Pois por si só não garante que o biofilme se reconstitua, sendo necessária a utilização de antimicrobianos tópicos como a prata.5 A prata tem um efeito letal sobre os microrganismos, mas em concentrações elevadas de biofilme, a quantidade necessária pode ser 10-100 vezes superior à concentração necessária para matar os microrganismos em forma planctónica 19, quantidade que não é aconselhada a existir nos pensos tópicos atuais para o tratamento de feridas pelo risco de toxicidade. Vários estudos in vitro têm indicado que aplicação tópica de prata e iodopovidona, por si só, têm pouco efeito sobre os biofilmes.10

Os princípios envolvidos na prevenção da reconstituição do biofilme incluem a utilização de pensos e de agentes antimicrobianos de largo espectro como: prata, iodo, mel e PHMB que existem em diversas formulações.18

O cadexomero de iodo é um agente eficaz anti-séptico para feridas cronicamente exsudativas que atua contra a produção de glicocálix ou material polimérico, destruindo diretamente a estrutura do biofilme.19 Este pode ser usado na supressão de biofilmes sem causar dano significativo nas células do hospedeiro.16

A polihexanida é uma solução eficaz e segura na limpeza de feridas crónicas, principalmente quando há suspeita de presença de biofilme.2,8 Tem atividade biocida de amplo espectro e não há relatos de bactérias resistentes. Provoca lise celular, induzindo na membrana um stress osmótico.2 A irrigação com a solução de polihexanida com o surfactante (betaína) é adequada para preparação do leito de feridas para remover biofilmes antes de um tratamento posterior e para a absorção de odores da ferida.8 Para feridas cavitárias existe a polihexanida com betaína em gel.

Lenselink e Andriessen (2011)10 dizem que penso de polihexanida contendo biocelulose permite o tratamento antimicrobiano contínuo. Este promove com a limpeza das feridas, a redução do biofilme em feridas estagnadas, sendo a sua aplicação segura, confortável e com dor reduzida para os pacientes. 10

O mel é bactericida contra todas as estirpes de bactérias19, atuando inclusive em estirpes bacterianas, como o Staphylococus aureus resistente à vancomicina.16 Contém substâncias bactericidas que penetram no biofilme.19 Verificou-se que o mel tem propriedade biocida, provocando efeitos sobre o ciclo celular, pois é inibidor da mitose celular.13 Atua nos vários estadios do biofilme e em diferentes estirpes de bactérias e, uma vantagem dos múltiplos modos de ação do mel é que o risco de desenvolvimento de resistência bacteriana é diminuído sendo, por isso, uma alternativa aos antibióticos.13 A sua ação biocida prende-se com o aumento da osmolaridade e teor de glucose, que estimula a ação dos macrófagos e, com habilidade para diminuir o aporte de água às bactérias e o pH.13

Wolcott e Rhoads (2008)24 defendem que com o desbridamento, o ideal é a utilização de agentes antibiofilme que rompam a estrutura do biofilme. O uso simultâneo de antibiofilmes com antimicrobianos tradicionais provavelmente terá um efeito sinérgico sobre o tratamento de infeções de biofilme. Também referem que a lactoferrina, xilitol e prata podem ser aplicados em simultâneo e que têm um poder sinérgico no combate aos biofilmes. Inclusivamente afirmam a existência de pensos impregnados com prata ou cadexómoro de iodo, combinados com a Lactoferrina ou o Xilitol. Os mesmos autores referem que agentes antibiofilme como:

  • RIP (RNA-III inhibiting peptide) e Furanona C30, que inibe o Quorum Sensing;
  • Dispersin B, alginase e depolimerases fago são agentes que degradam a substância polimérica extracelular (EPS);
  • EDTA (Ácido Etilenodiamino Tetra-Acético), deferoxamina e transferrinas são catadores de ferro;
  • Gallium e açúcares em álcool são metabólitos falsos.

No tratamento de feridas crónicas com biofilme, se deve incluir o desbridamento, agentes antibiofilme (lactoferrina, xilitol, farnesol) e antissépticos tópicos, como o iodo e a prata iônica. 17

Já Fonseca (2011)5 e Percival e Cutting (2009)16  completam e complementam a informação sobre agentes anti-biofilme, nomeadamente:

  • Lactoferrina, proteína presente nos fluidos gengivais e na saliva, que tem propriedades de ligação do ferro, bloqueando a fixação de bactérias planctónicas a uma superfície e inibindo o primeiro passo na formação de biofilme; 5,16
  • Gallium, este perturba processos dependentes do ferro pois, muitos sistemas biológicos não conseguem distinguir Ga3+ de Fe3+; 5,16
  • Xylitol, este interfere com a formação do biofilme; 5,16
  • Dispersin B, este atinge a substância polimérica extracelular, degradando a estrutura do biofilme; 5,16
  • Mel, este possui atividade antibacteriana e modula a atividade da célula monocítica. 16

Fonseca (2011)5 ainda menciona que foi descrita, recentemente, a aplicação de gel de EDTA numa ferida e que esta pode ter alguma eficácia contra biofilmes de pseudomona aeruginosa.

Os agentes antibiofilme têm demonstrado ser menos tóxicos que os antimicrobianos tradicionais.16

O uso simultâneo do desbridamento cortante e ultra-sons são os mais eficazes. 5,18 Outra estratégia é perturbar o biofilme em feridas por meio da ultrassonografia e estimulação elétrica.5 A ultrassonografia é utilizada para remover tecido não viável e interromper o Quorum-Sensing (QS), diminuindo a virulência coordenada; e a estimulação elétrica é utilizada para promover a penetração de agentes tópicos.5,19

Em alguns casos, os autores recorrem ainda a tecnologias avançadas, como: derivados de plaquetas, fator de crescimento das células beta e oxigenoterapia hiperbárica.24

A utilização de substâncias naturais que estimulam o crescimento celular pode promover a melhoria do processo de regeneração, como é o caso do uso de células derivadas da medula óssea ou células estaminais. A utilização de fagos, que particularmente os biofilmes jovens parecem ser mais suscetíveis.5

Além de desbridamento e antibiofilmes ainda se pode utilizar antibioterapia sistémica adequada. Os antibióticos foram considerados por alguns autores um adjuvante nesta questão, mas sempre de forma cautelosa. Pois a preocupação crescente em relação ao aumento de resistências bacterianas com antibióticos, encoraja a examinar alternativas, possivelmente melhores.24

Conclusão

Pelo difícil diagnóstico e irradicação do biofilme em feridas estagnadas, o biofilme e considerado por muitos autores como a entidade mais preocupante no tratamento da ferida. No tratamento de feridas para a gestão do biofilme, devem ser utilizadas concomitantemente estratégias para a eliminação de microrganismos em forma planctónica e forma séssil.17

Atualmente, e no âmbito do tratamento de feridas, faz todo o sentido explorar-se cientificamente intervenções de gestão do biofilme em feridas crónicas, de forma a atingir a excelência e inovação dos cuidados de enfermagem. A prática baseada na evidência é o caminho para a promoção da qualidade de vida dos doentes e o equilíbrio entre custo-eficácia nas instituições de saúde.

Por isso, foi criado um algoritmo (figura.1), centrando na área de enfermagem, de atuação para a gestão de biofimes em feridas estagnadas, que será exposto a seguir.

Fig.1

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Ago 3, 2012

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AUTORES: Vítor Santos, José Marques, Ana Sofia Santos, Bruno Cunha, Marisa Manique

RESUMO

As feridas estagnadas constituem sem sombra de dúvida um dos maiores desafios em tratamento de feridas. O seu principal desafio reside na dificuldade em fazer progredir a cicatrização de uma ferida com um leito da ferida limpo, em foi efectuada a exclusão da presença de biofilmes, sem sinais de infecção, com boa gestão do exsudado e factores patológicos sistémicos do individuo controlados, entre outros aspectos. Ainda assim há feridas que “teimam” em não cicatrizar. É fundamental compreender os mecanismo que permitem o equilíbrio do micro-ambiente da ferida, para que a proliferação celular e os mecanismos de cicatrização não sejam inibidos ou destruídos. Para tal, recorreu-se a uma revisão sistemática de literatura na base de dados EBSCO, de modo a encontrar evidência científica, que possa contribuir para a melhoria da prática clinica.

Palavras chave: feridas, estagnadas, Proteinases

ABSTRACT

Stagnant wounds are without a doubt one of the biggest challenges in wound care. Their main challenge is the difficulty in advancing the healing of a wound with a clean wound bed, with excluded presence of biofilms, without signs of infection, with good management of exudate and systemic pathological factors of the individual controlled among other things. Yet there are wounds that “insist” not to heal. It is essential to understand the mechanisms that enable the balance of the micro-environment of the wound, so that the cell proliferation and healing mechanisms are not inhibited or destroyed. To this end, we used a systematic review of literature in the database EBSCO, in order to find scientific evidence that can contribute to the improvement of clinical practice.

Keywords: wounds, stagnant, Proteinases

Introdução

Um conjunto complexo de eventos, tem lugar após a lesão da pele, com vista à sua cicatrização. Este processo apesar de parecer simples, reveste-se de uma relativa complexidade e apesar da vasta investigação efectuada nesta área, ainda há aspectos por esclarecer, pois mesmo com o aumento do conhecimento na área, e desenvolvimento de novas técnicas e materiais, deparamo-nos diáriamente com feridas estagnadas, que não cicatrizam ou vêem ou seu tempo de cicatrização prolongado, apesar dos nossos melhores esforços. Estamos portanto perante uma problemática que causa ansiedade e stress psicológico aos profissionais e doentes e agrava o impacto financeiro, desde sempre significativo, deste tipo de feridas (EWMA, 2006).

Na maioria dos casos, a abordagem da ferida estagnada, envolve não somente a promoção da granulação, mas principalmente da epitelização. A epitelização é alcançada através da migração de células epiteliais através da superficie da matriz extracelular da ferida, sendo este evento alcançado num ambiente rico em fibroblastos, factores de crescimento, ácido hialurónico, colagénio e fibronectina, sendo a sobrevivência deste tecido delicado altamente dependente de um ambiente húmido devidamente equilibrado (Russell, 2000). Com esta revisão sistemática da literatura, pretende-se uma abordagem estruturada do equilíbrio da matriz extracelular da ferida crónica, com vista à promoção da epitelização.

METODOLOGIA

De modo a efectuar a revisão sistemática, recorreu-se à formação de uma pergunta de investigação, o que permitiu definir os critérios de inclusão/ exclusão: (P) Em relação à pessoa com ferida crónica estagnada, quais as intervenções (I) com vista à promoção da epitelização (O)? O objetivo desta revisão sistemática de literatura é divulgar as opções disponíveis para o equilibrio do micro-ambiente da ferida.

Os critérios de inclusão utilizados privilegiam as revisões sistemáticas da literatura, guidelines de instituições com relevância internacional nesta área, RCT’s e outros estudos do tipo experimental e outroas artigos relevantes; possuam delimitação temporal inferior a 20 anos, exceto no caso dos autores de referência de anos precedentes, que poderão também ser incluídos; estejam disponíveis integralmente. Os critérios de exclusão abrangem os estudos que não obedecem aos critérios de significância (importância que o artigo tem para o tema em estudo, para os clientes, para a enfermagem enquanto profissão e ciência), exequibilidade (disponibilidade ou recursos para desenvolver a pesquisa) e testabilidade (a formulação do problema deve ser mensurável tanto por métodos quantitativos como qualitativos). Excluíram-se também todos os artigos pagos. A revisão bibliográfica resultou da pesquisa eletrónica na Base de dados EBSCO, seleccionando as bases CINAHL e Medline.

Em todas as pesquisas foram procurados artigos científicos publicados em texto integral (05-08-2011), publicados entre 1990 e 2011, assim na primeira pesquisa usamos as seguintes palavras-chave: Wound* AND Epithelialization OR Delayed healing. Através desta pesquisa obtivemos um total de 283 artigos, a partir dos quais foram selecionados apenas 13 artigos.

Funções das MMP’s: Metaloproteinases da Matriz

As metaloproteinases da matriz  (MMPs), que fazem parte da família mais alargada das enzimas metaloproteinases, assumem um papel importante na cicatrização das feridas estagnadas (Russell, 2000; Gibson et al., 2009).

Os substratos naturais para as diferentes MMPs variam substancialmente, mas incluem importantes proteínas da matriz extracelular (MEC)s como o colagénio, a gelatina e os proteoglicanos. As MMPs degradam estas proteínas fragmentando-as em pequenas partes (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003).

A designação “matriz metaloproteinase” (ou “matriz metaloprotease”) indica as propriedades-chave partilhadas pelas MMPs.

Todas elas:

– Preferencialmente, degradam as proteínas que compõem a matriz extracelular dos tecidos (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003)

– Requerem um ião metálico (zinco) no centro activo da enzima (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003)

Em cicatrização de feridas normal, as MMPs são produzidas pelas:

– Células inflamatórias activadas (neutrófilos e macrófagos) (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003)

– Células das feridas (células epiteliais, fibroblastos e células endoteliais vasculares) (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003)

Quando sintetizadas inicialmente, as MMPs permanecem em forma latente (inactivas ou pro-MMP). Elas são activadas por outras proteases que recortam uma parte pequena da molécula. Isto abre o centro activo da molécula MMP e permite à MMP ligar-se ao(s) substrato(s) da sua proteína. Outras células chamadas inibidores de tecido de metaloproteinases (TIMPs) podem inibir as MMPs activadas e bloquear a activação de pro-MMPs (EWMA, 2006; Gibson et al., 2009; Schultz, 2003).

Estas enzimas desempenham papéis essenciais e benéficos em pelo menos cinco processos principais da cicatrização normal, através da remoção de Matriz danificada e bactérias (fase inflamatória), degradação da membrana basal capilar para angiogénese e migração de células epidérmicas (fase proliferativa), bem como na contracção  e remodelação da matriz cicatricial (fase remodelativa) (Gibson et al., 2009)

Assim verifica-se que as MMP’s decompõem a MEC danificada que ocorre na margem de lesões cutâneas agudas. Este facto permite que os novos componentes da MEC (ex. o colagénio, a fibronectina e os proteoglicanos) sintetizados pelas células das feridas se integrem correctamente nos componentes intactos da MEC nos rebordos das feridas (Ayello et al., 2004; Schultz, 2003).

As MMP’s degradam a membrana basal em redor dos capilares. Isto permite às células capilares endoteliais migrar de capilares perto da ferida e constituir vasos sanguíneos novos no leito da ferida (Schultz, 2003). São igualmente necessárias para a migração de células epiteliais, fibroblastos e células vasculares endoteliais. As MMPs segregadas por miofibroblastos são necessárias para a contracção da cicatriz da nova MEC sintetizada. Feridas provenientes de grandes excisões em humanos podem contrair até cerca de 20% da área da lesão inicial. Também na remodelação da cicatriz, necessária pelo facto de as feridas cutâneas inicialmente produzirem uma matriz de cicatrização altamente desorganizada, na qual se continuam a produzir níveis baixos de MMP’s muito depois da cicatriz inicial estar formada. Estas MMP’s removem lentamente a MEC desorganizada, que é gradualmente substituída por uma MEC com estrutura mais normalizada e altamente organizada (Russell, 2000; Gibson et al., 2009; Schultz, 2003; Ayello et al., 2004).

Influência das MMP’s no atraso da Cicatrização

Embora as MMPs tenham o papel importante de degradação das proteínas para que novos tecidos se formem, quando as MMPs estão presentes no leito da ferida em demasiada quantidade, por muito tempo, e nos lugares errados, começam a degradar proteínas que não são o seu substrato normal. Esta situação pode resultar na destruição de proteínas erradas, tais como as proteínas de factores de crescimento, de receptores e da MEC, essenciais para a cicatrização, acabando por comprometê-la. Existem provas substanciais que corroboraram que as MMPs em geral existem em níveis muito elevados nas feridas com atraso na cicatrização comparativamente aos níveis encontrados na cicatrização de feridas agudas (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003).

Os potenciais efeitos danificadores destes níveis elevados são agravados pelo facto de que os níveis de TIMP em feridas crónicas em geral estão ligeiramente inferiores aos das feridas agudas (Russell, 2000; Gibson et al., 2009; Schultz, 2003).

As proteases atraíram as atenções na cicatrização das feridas quando se descobriu que a MEC das feridas que não cicatrizavam não continha fibronectina intacta, uma molécula necessária para a adesão celular e acção de factores de crescimento. Outro aspecto relacionado, é o reaparecimento de fibronectina intacta no leito da ferida à medida que esta fez a viragem no sentido da cicatrização. Vários grupos de investigação vieram a demonstrar que a quantidade de MMP-9 activa está inversamente correlacionada com a velocidade de fecho das feridas, ou seja, níveis elevados de MMP-9 estão correlacionados com reduzidas velocidades de fecho de feridas (Gibson et al., 2009).

Contudo, a capacidade de cicatrização é afectada por um amplo espectro de factores intrínsecos e extrínsecos. Por exemplo, a idade avançada, a medicação (ex. esteróides), a alimentação deficiente, as patologias (ex. diabetes, doença venosa, doença arterial periférica) e a biocarga da ferida podem, cada uma independentemente, interferir no processo de cicatrização. Como descrito, estas características resultam num ambiente hostil na ferida em que tecido novo e factores de crescimento são degradados e a ferida é perpetuada. As feridas nesta situação são frequentemente descritas como “estagnadas” na fase inflamatória da cicatrização, onde podem permanecer meses ou até mesmo ano. (EWMA, 2006; Russell, 2000; Gibson et al., 2009; Schultz, 2003; Ayello et al., 2004)

Novo estímulo para o processo de cicatrização

O objectivo principal da abordagem da ferida estagnada, é fazer pender a balança a favor do processo de reparação. No que se refere à ferida, romper o círculo vicioso  e estimular a cicatrização envolverá:

– Tratar a causa – i.e. reduzir a inflamação (Gibson et al., 2009).

– Gerir as consequências – i.e. reduzir a actividade das proteases mantendo em simultâneo um ambiente húmido na ferida (Gibson et al., 2009).

A redução da actividade excessiva das proteases está focada na ferida e pode ser obtida por (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003):

– Eliminação das proteases – ex. pela absorção de fluidos da ferida ricos em proteínas pelos pensos ou pela eliminação com terapia de pressão negativa

– Redução da actividade das proteases – ex. através pensos à base de colagénio

– Inibição da síntese de MMP.

Quando indicado, a biocarga da ferida pode ser reduzida com pensos antimicrobianos (ex. tecnologias baseadas em prata ou iodo) e antibióticos. No entanto, os antibióticos e os antimicrobianos são menos eficazes no tratamento de bactérias num biofilme, e a sua eliminação física por desbridamento ou por agentes surfactantes, são métodos demonstrados para remoção da carga do biofilme (Schultz, 2003; Ayello, 2004).

Abordagem terapêutica: Controlo das MMP’s

Alguns dos pensos disponíveis no mercado demonstram alguma capacidade para modular a actividade das proteases. Os produtos desenvolvidos para reduzir a actividade proteolítica excessiva e reequilibrar o ambiente da ferida devem, idealmente, desactivar as MMP’s derivadas tanto do hospedeiro como das bactérias. Foi realizada investigação significativa com especial incidência em pensos que actuam para reduzir os níveis de MMP’s pela absorção do exsudado da ferida e através da retenção das proteases na estrutura do penso. De facto, isto limita e desactiva o excesso de MMPs presente no ambiente da ferida (Gibson et al., 2009; Schultz, 2003). Muitos estudos foram publicados acerca do primeiro penso modulador de MMP’s, constituido por celulose regenerada oxidada (ORC) e colagénio, com ou sem prata. Estes ilustram a capacidade deste penso de reduzir a actividade das proteases, eliminar radicais livres e controlar os níveis bacterianos (Martin, 2006). Um estudo clínico controlado randomizado também demonstrou a capacidade dos pensos de colagénio/ORC de reduzirem as proteases, tendo este facto sido correlacionado com um efeito positivo sobre a cicatrização (Martin, 2006).

Também o pH é um aspecto importante no controlo do microambiente da ferida crónica, pois verifica-se que as feridas agudas cicatrizam num meio ácido, como uma resposta fisiológica temporária, resultante de vários factores: 1) produção de ácido láctico; 2) aumento da exigência de O2 e diminuição da perfusão tecidular, com aumento local de pCO2 (Menoita & Santos, et al., 2011). Esta acidose é fisiológica e beneficia o processo de cicatrização. O pH do leito das feridas crónicas encontra-se entre 7,15-8,9 (Menoita & Santos, et al., 2011). Todas aquelas que apresentam um pH mais alcalino apresentam períodos de cicatrização mais demorados (Menoita & Santos, et al., 2011).

 

 

 

 

 

Figura 1: pH da das feridas e cicatrização.

Greener et al (2005) verificaram que a acção das proteases está dependente do pH do meio, como a catepsina G, a plasmina elastase e as MMP-2 que são relevantes para a degradação da matriz provisória (Menoita & Santos, et al., 2011). Foi realizado um estudo a 19 pessoas com feridas crónicas, tendo sido colhidas várias amostras do exsudado. As amostras demonstraram um valor de pH de 7,5-8,9. Os mesmos autores revelam que o pH óptimo para as MMP-2, a plasmina e a elastase é de 8,0 e que uma mudança do pH do leito da ferida para 6,0 implicaria uma diminuição de 40-90% da sua actividade, com implicações sobre a bioquímica da actividade proteolítica, nesta fase (Menoita & Santos, et al., 2011). Rogers et al (1995) encontraram MMP em elevada quantidade no tecido de granulação numa úlcera de pressão, mas com a adição de um produto que acidificasse o meio, verificaram que a sua actividade ficava reduzida (Menoita & Santos, et al., 2011).

Devido o alto teor de ácidos, o pH do mel é de 3,9/3,5. Um estudo realizado por Gethin e Cowman (2006), a 20 feridas crónicas durante um período de duas semanas, concluíram que aquelas que tinham um pH ≤ 7,6 apresentaram uma redução de 30% nas suas dimensões, com a aplicação do mel8. Também a aplicação de maltodextrina + ácido ascórbico, em teoria, é susceptível de induzir este tipo de efeito, apesar da falta de estudos com nível de evidência elevado (Menoita & Santos, et al., 2011).

Existe, também, no mercado uma pomada que controla o pH local da ferida e que modula a actividade das proteases. Esta consiste numa matriz de goma com ligações cruzadas que neutraliza os iões básicos em excesso presentes, conseguindo reduzir o pH para 5. É de ressalvar que esta vai apenas inibir a actividade das proteases, sem provocar a sua desactivação permanente.

Por seu lado o Poliacrilato Super Absorvente, que existe no mercado impregnado com solução de Ringer, ou desidratado, sob a forma de pensos com grande capacidade de absorção, desempenha um importante papel ao neutralizar MMP, absorvendo-as para o seu núcleo, fruto da grande afinidade deste material para com fluídos proteicos (Eming & Smola et al., 2008).

 

 

 

 

 

 

 

Este efeito traduz-se pela redução da actividade das MMP em 88% (Eming & Smola et al., 2008).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Recentemente surgiu no mercado um material que inibe directamente a acção das MMP’s e que promove a acção dos factores de crescimento, o penso impregnado com o factor nano-oligossacarídeo (NOSF) (Schmutz, et al., 2008).

Também o gel tópico de sucralfato, é uma opção bastante válida para o tratamento de feridas crónicas estagnadas, ao promover a angiogénese, o que favorece a formação de tecido de granulação, bem como promove a proliferação de fibroblastos, e logo a formação de colagénio. Estimula ainda o factor de crescimento epitelial (Kouchak et al., 2008).

O ácido hialurónico, é também utilizado desde há muitos anos no tratamento especifico de feridas estagnadas, primeiro sob a forma de apósito seco, absorvível, depois sob a forma de gel mais recentemente, sendo que surge agora associado a antissépticos como a prata ou o iodo em concentrações mínimas, que permitem controlar a colonização critica da ferida. Era esta principal causa de abandono deste tipo de terapêutica, o facto da ferida voltar a estagnar devido a um aumento da carga bacteriana, com o evoluir do tratamento. A sua abordagem é multifacetada, no processo de cicatrização, na medida em que se trata de um componente da matriz extra-celular, responsável pela regulação da hidratação da mesma, facilitando assim a migração de factores de crescimento, células inflamatórias, fibroblastos e queratinócitos. É um forte promotor da angiogénese (e logo, da granulação) e re-epitelização (Slavkovsky, 2010).

Numa segunda linha da abordagem da ferida estagnada, surgem alguns materiais cuja acção incide na regulação do ambiente húmido ideal para a ferida cicatrizar. Um exemplo é o penso de hidrogel com matriz iónica, que promove o equilibrio do ambiente húmido das feridas pouco ou moderadamente exsudativas. Basicamente, o que distingue este material é por um lado a capacidade de fornecer a humidade que a  ferida necessita, sem perda significativa de massa e sem macerar a pele perilesional, sendo que no caso de exsudado ligeiro, tem capacidade para absorção eficaz do mesmo. Existe evidência de que estimula a produção de tecido de granulação e é bastante eficaz no alivio da dor (Armitage, 2004).

Considerações Finais

O controlo do microambiente da ferida estagnada não é uma tarefa fácil para os profissionais de saúde, pois requer uma grande perícia clínica para descartar outras causas mais simples de cronicidade/estagnação, por um lado, bem como uma rigorosa selecção dos materiais a utilizar de acordo com o estadio em que a ferida se encontra, por outro. Esta selecção deve ser criteriosa e não “standardizada”, deve-se procurar o material certo para o doente certo, e não aplicar o mesmo material em todos os doentes sob o pretexto de houve sucesso em casos anteriores, pois este tipo de abordagem deve ser o mais possível custo-efectiva, para o bem dos doentes e sustentabilidade do sistema de saúde. Deve assim imperar o bom senso na selecção dos materiais, e o rigor na análise do doente/ferida e sua história clinica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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 (6) Martin, L. (2011). Healing a chronic wound using Promogran Prisma. Journal of Community Nursing, 25(3), 30-31.

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 (7) Menoita, E., Santos, V., Santos, A., Gomes C. (2011). pH no controle do microambiente das feridas crónicas. Coimbra, Sinais Vitais, n.º94 (Janeiro), 54-61

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(11) Kouchak, Maryam; Hemmati, Ali Asghar; Khorasgani, Zahra Nazari; Amiri, Omid. (2008) Toxicology Letters, Oct2008 Supplement, Vol. 180, pS238-S238, 1p; DOI: 10.1016/j.toxlet.

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(13) Armitage, Margaret; Roberts, Joan. (2004) British Journal of Community Nursing, Vol. 9 Issue 12, pS16-S22, 6p

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Jul 30, 2012

ROLE OF BIOFILMS IN CHRONIC WOUNDS

PAPEL DE LOS BIOFILMS EN LAS HERIDAS CRÓNICAS

AUTORES: Elsa Menoita, Vítor Santos, Cláudia Gomes , Ana Sofia Santos

Resumo

Começa a amplamente aceite, que as feridas crónicas na sua maioria apresentam biofilme e que este representa um importante potencial infeccioso. O que importa considerar também é o importante papel que este desempenha ao perpetuar o estímulo inflamatório que caracteriza a ferida crónica. A sua complexidade confere-lhe essa capacidade para induzir a libertação de proteinases e outros factores inflamatórios, enfraquecendo o organismo, danificando o leito da ferida e no fundo comprometendo todo o processo de cicatrização. Caracteriza-se ainda por apresentar multiplos mecanismos de resistência às abordagens terapêuticas tradicionais, o que acentua o seu cariz de factor de cronicidade. A necessidade estratégias terapêuticas especificas para esta entidade, é urgente.

Palavras chave: Biofilmes, Cicatrização, Ferida Crónica

Abstract

It is becoming widely accepted that biofilm is present in most of chronic wounds and that it represents an important potential for infection. It is also important to consider the important role it plays in perpetuating the inflammatory stimulus that characterizes the chronic wound. Its complexity gives it the ability to induce the release of proteinases and other inflammatory factors, weakening the organism, damaging the wound bed and compromising the entire healing process. It is still characterized by presenting multiple mechanisms of resistance to traditional therapeutic approaches, which enhances its factor of chronicity nature. The need for specific therapeutic strategies for this entity, is urgent.

Key words: Biofilms, Wound Healing, Chronic Wound

1. Introdução

Os biofilmes desempenham um papel importante na natureza e em processos tecnológicos. Do ponto de vista do interesse do Homem podem ser benéficos ou prejudiciais. Como exemplo de biofilmes benéficos existem aqueles que se acumulam em ambientes naturais nos depósitos dos rios, lagos ou ambientes marinhos, e que se desenvolvem em associação com as raízes de algumas plantas, fornecendo-lhes alguns nutrientes. São também biofilmes benéficos aqueles que são utilizados em biotecnologia ambiental com grande sucesso no tratamento de efluentes, removendo poluentes orgânicos e inorgânicos de águas contaminadas. Na indústria alimentar, os biofilmes apresentam inúmeras vantagens, podendo ser utilizados na produção de alimentos fermentados, como por exemplo, na produção de vinagre. Contudo, na maioria das situações, a adesão de microrganismos a superfícies sólidas é indesejável, pois, de uma maneira geral, está associada à deterioração das superfícies e/ou ambiente circundante.

1.1. Biofilmes e a cronicidade

Aos biofilmes estão associados a um grande número de problemas de saúde, tais como infecções em tecidos, infecções do trato urinário, infecções desencadeadas por dispositivos médicos, como cateteres vasculares, infecção e consequente rejeição de próteses e implantes e infecções da placa dentária, entre outras (Costerton et al., 1999). No entanto, a ecologia e a gestão dos biofilmes ainda não são bem conhecidos na medicina (Costerton, et al., 1999 citados por Wolcott & Rhoads, 2008). Pelo menos a sua valorização na prática clinica, ainda não atinge a relevância devida e isso é comum a todas as áreas da prestação de cuidados de saúde.

Nos últimos anos, constatou-se que os biofilmes têm um papel preponderante na patogenese de numerosas infecções que não envolvem bio-materiais. De facto, cerca de 65% das infecções humanas de etiologia bacteriana poderão envolver biofilmes (Costerton, et al. 1999; Potera, 1999). The National Institutes of Health (NIH) sugere, mesmo, que 80% das doenças infecciosas é causada por biofilmes podendo causar infecções crónicas (Association for the Advancement of Wound Care, 2008; Wolcott & Rhoads, 2008; Rhoads et al., 2008; Widgerow, 2008). De acordo com Wolcott (2010), há mais de 14 milhões de infecções por biofilme nos EUA cada ano, resultando em mais de 350.000 mortes – uma taxa de mortalidade semelhante à do cancro. Os consórcios de biofilmes podem, mesmo, serem agentes causais de infecções graves em indivíduos imunocomprometidos (Costerton et a.l, 1999). Assim, todos estes dados epidemiológicos, devem servir de alerta para um problema grave, que deve ser encarado como real, as estratégias para o seu controlo devem ser mobilizadas e até mais desenvolvidas.

Rhoads et al. (2008) referem que, as bactérias isoladas em feridas crónicas são geralmente cultivadas e estudadas através de métodos tradicionais aplicáveis somente às bactérias em estado planctónico. No entanto, as bactérias planctónicas cultivadas em laboratório comportam-se de forma diferente das bactérias em biofilme localizadas no leito das feridas crónicas.  É já sobejamente conhecido que mais de 99% das bactérias encontradas na natureza existem em estado séssil, formando biofilmes (Widgerow, 2008), e crê-se que o mesmo se aplica às feridas crónicas (Rhoads et al., 2008). Os biofilmes são de um modo geral heterogéneos, contendo mais do que um microambiente distinto, por exemplo, no mesmo biofilme podem ser encontrados estratos aeróbios e estratos anaeróbios (Characklis & Marshall, 1989; Van Der Wende & Characklis, 1990), apesar de que, de acordo com Flemming (1993) cerca de 70 a 95% da matéria orgânica da massa seca do biofilme seja constituido por substância polimérica extracelular (“Extracellular Polymeric Substances” – EPS).

A presença de biofilme no leito da ferida crónica tem vindo a ser mencionado em estudos há vários anos (Mertz, 2003; Welsh, et al., 2003, Serralta et al., 2001, Bello et al., 2001, citados por Wolcott & Rhoads, 2008), mas actualmente há evidências concretas da sua presença (James et al., 2008).

Num estudo realizado num  modelo suíno, por microscopia eletrónica e microscopia confocal a laser, verificaram, em queimaduras infectadas por Pseudomonas aeruginosa, que as bactérias se encontravam envolvidas numa matriz polimérica (Serralta et al., 2001, citados por Cooper, 2010).

Quadro 1: Forma planctónica versus biofilme: explicação para as observações clínicas
Adaptado: Wolcott (2008) – A study of biofilm-based wound management in subjects with critical limb ischaemia.

Noutra ocasião foi efectuado um estudo de referência por James et al. (2008), citados por Phillips et al., (2010) e Wolcott e Rhoads (2008), através de microscopia de imagem electrónica a 50 feridas crónicas e 16 agudas. Os autores verificaram que, 60% das feridas crónicas possuíam biofilme e apenas 6% das feridas agudas apresentavam biofilme

(Steinberg, 2011; James et al., 2008; Widgerow, 2008). Estes resultados sugerem para os autores que, não só as feridas crónicas apresentavam biofilme, como, também, a sua presença pode prejudicar a cicatrização, contribuindo para a cronicidade das feridas. Wolcott e Rhoads (2008) corroboram esse facto, sublinhando que, os biofilmes podem ser uma das causas da cronicidade das feridas. Phillips et al., (2010) consideram, mesmo, que é provável que quase todas as feridas crónicas tenham biofilme, em pelo menos uma parte do leito da ferida.

Curiosamente, a libertação “deliberada” de bactérias planctónicas do biofilme tem sido proposto para manter uma resposta inflamatória em feridas (Wolcott et al., 2008 citados por Cooper, 2010).

De um microrganismo plantónico a uma comunidade complexa com impressionantes defesas, incluindo um aumento da resistência aos antibióticos, biocidas, e imunidade humana, pode levar somente 10 horas (Fux, et al., 2005, citados por Wolcott & Rhoads, 2008; Widgerow, 2008).

Já de acordo com Costerton (1984) e Bester et al. (2010) citados por Phillips et al. (2010), estudos experimentais têm mostrado que as bactérias planctónicas (como por exemplo, estafilococos, estreptococos, Pseudomonas e Escherichia coli), geralmente:

– Fixam-se em poucos minutos;

– As microcolónias formam-se dentro de 2-4 horas;

– A EPS forma-se em 6- 12 horas, tornando o biofilme cada vez mais resistente a biocidas e a antibióticos;

– O biofilme maduro pode começar a desprender bactérias planctónicas dentro 2-4 dias.

– Um biofilme maduro depois de libertar células bacterianas pode recuperar num espaço temporal de 24 horas.

Stoodley et al. (2001), citados por Association for the Advancement of Wound Care (2008), também, referem que o biofilme leva cerca de 24 horas para restabelecer a sua biomassa. Estes achados experimentais são fundamentais para a gestão dos biofilmes, pois significa que depois de desencadear a ruptura de células bacterianas planctónicas com desbridamento e tratamento tópico, como por exemplo com surfactantes, há uma janela de oportunidade de 24 horas, utilizando antimicrobianos, de forma a não se recuperarem.

Um biofilme pode se reconstituir numa ferida por (Phillips et al., 2010):

– Crescimento a partir de bactérias planctónicas deixadas pelo desbridamento / limpeza;

– Crescimento por  microorganismos  recém  introduzidos.

Segundo Gibson et al. (2009), parece provável que, em muitos casos, as feridas agudas sejam colonizadas por bactérias que em dias se transformam em bactérias de biofilme persistente, estabelecendo uma fonte inflamatória a longo prazo. Numa fase inflamatória prolongada existe um estímulo pró-inflamatório constante, com aumento de libertação de neutrofilios e leucócitos para o leito da ferida. Estes libertam espécies reactivas de oxigénio (ERO) e enzimas (Philipps et al., 2010).

As espécies reactivas de oxigénio são moléculas capazes de modificarem outras moléculas, como proteínas, hidratos de carbono, lipídos e o ácido desoxirribonucléico (DNA). Estas desenvolvem-se a partir do metabolismo aeróbio do oxigénio, causando stress oxidativo.  As ERO podem romper a membrana lipoproteica, destruir as funções enzimáticas celulares, alterar o DNA e conduzir à morte celular.

As enzimas produzidas pelas células inflamatórias são proteínas que facilitam reacções biológicas e que geralmente actuam sobre um número limitado de moléculas (conhecidas como substratos das enzimas), transformando-as fisicamente noutras substâncias. As proteinases (também conhecidas como proteases) são enzimas que actuam sobre as proteínas, geralmente fragmentando a molécula da proteína (Gibson et al., 2009; Schultz et al., 2009). Uma família especifica de proteinases,  as metaloproteinases da matriz – MMP’s, são prticularmente nocivas para o leito da ferida. Os substratos naturais para as diferentes MMPs variam substancialmente, mas incluem importantes proteínas da matriz extracelular (MEC), como o colagénio, a gelatina e os proteoglicanos. As MMPs degradam estas proteínas fragmentando-as em pequenas partes.

Segundo Gibson et al. (2009), a designação “matriz metaloproteinase” (ou “matriz metaloprotease”) indica as propriedades-chave partilhadas pelas MMPs. Todas elas, preferencialmente, degradam as proteínas que compõem a matriz extracelular dos tecidos e requerem um ião metálico (zinco) no centro activo da enzima. Rhoads et al. (2008) defendem que, provavelmente, o biofilme pode desencadear uma resposta imunitária com aumento de MMP, como a MMP -2, MM-8, MMP -9 e a elastase, para além de desencadear senescência com incapacidade funcional dos fibroblastos, queratinócitos, e das células endoteliais para iniciar a angiogénese.

Quando sintetizadas inicialmente, as MMPs permanecem em forma latente (inactivas ou pro-MMP). Elas são activadas por outras proteases que recortam uma pequena parte da molécula, abrindo o centro activo da molécula MMP, permitindo ligar-se ao(s) substrato(s) da sua proteína. Outras moléculas designadas como inibidores de tecido de metaloproteinases (TIMPs) podem inibir as MMPs activadas e bloquear a activação de pro-MMPs (Gibson et al., 2009).

Enquanto a maioria das MMPs é segregada para a MEC (matriz extracelular) circundante, algumas MPPs mantêm-se associadas a membranas celulares, sendo conhecidas como MMPs “tipo membrana” (MMP-TPs). Pensa-se que este grupo de MMPs desempenha um papel importante na activação de pro-MMPs, bem como na activação de pro-TNF (factor de necrose tumoral – um mediador  importante envolvido na inflamação e morte celular) (Gibson et al., 2009).

As MMPs, que essenciais para a cicatrização em feridas agudas, tornam-se prejudiciais nas crónicas, destruindo ou corrompendo continuamente as proteínas essenciais da MEC (Gibson et al., 2009; Schultz et al., 2009). Adicionalmente, as proteinases captam os factores de crescimento, tornando-os indisponíveis para o processo de cicatrização.

1.2. Mecanismos de resistência de bactérias

A capacidade de sobrevivência do biofilme é um resultado de estratégias de adaptação desenvolvidas ao longo de milhões de anos (Association for the Advancement of Wound Care, 2008).

Um dos grandes avanços da medicina tem sido o controlo de infecções através do uso de antibióticos, contudo estes têm uma eficácia limitada nos biofilmes, podendo estes ser mil vezes mais resistentes a antibióticos do que o mesmo organismo em forma plantónica, sendo ainda parcialmente protegidos da acção destruidora dos fagócitos (Davey & O’toole, 2000). Para Wolcott et al. (2009), os biofilmes podem 50 a 1500 vezes mais ser resistentes aos antibióticos. Os biofilmes bacterianos são muito resistentes à eliminação efectuada pelos anticorpos do hospedeiro, pelas células inflamatórias, pelos antibióticos e pelos antissépticos (Gibson et al., 2009; James et al., 2008; Costerton J, Stewart, 2001). Wolcott e Rhoads (2008) corroboram, defendendo que o sistema imunitário e os antibióticos são mais bem-sucedidos em destruir bactérias individuais do que em biofilmes.

Para além das já mencionadas resistências, os biofilmes demonstram, também, resistência acrescida à radiação UV (Elasri & Miller, 1999) e à desidratação, pois a matriz de EPS é altamente hidratada. Flemming (1991) e Mittelman (1998) acrescentam, defendendo que os biofilmes têm processos de protecção contra factores ambientais agressivos, como por exemplo as flutuações de pH, concentração de sais, desidratação, substâncias químicas agressivas, agentes bactericidas (biocidas), predadores, antibióticos.

Existem algumas explicações que defendem as suas multi-resistências, tais como as que iremos explanar.

  1. O desenvolvimento preferencial em superfícies inertes, tecidos mortos e instrumentos médicos (Costerton et a.l, 1999, Yasuda et al., 1994).
  2. A capacidade para estabelecer e colonizar nichos ecológicos (Flemming, 1991; Mittelman, 1998).
  3. A facilidade de desenvolvimento de microconsórcios que permitem o estabelecimento de relações de simbiose, bem como a utilização de substratos de difícil degradação (Flemming, 1991; Mittelman, 1998). Os biofilmes são ambientes ideais para o desenvolvimento de relações sintróficas, que é um tipo de simbiose onde dois tipos de organismos metabolicamente distintos dependem um do outro para utilizarem certos substratos, na produção de energia.
  4. A matriz polimérica parece funcionar como uma barreira protectora contra factores agressivos externos – efeito Blocking (Phillips et al., 2010). De acordo com alguns autores, esta matriz EPS tem o potencial de prevenir o acesso físico de certos agentes antimicrobianos (Allison, 2003; Elvers & Lappin-Scott, 2000;).
  5. O quorum sensing regula actividades celulares, como a produção de metabolitos, como enzimas citotóxicas, conforme já referido. Loryman e Mansbridge (2007), citados por Steinberg (2011), observaram que o efeito do quorum sensing inibia a migração de queratinócitos.
  6. O aumento da concentração de nutrientes nas interfaces líquido-biofilme uma vez que a matriz polimérica favorece a adsorção de moléculas de nutrientes (Flemming, 1991; Mittelman, 1998).
  7. Os componentes da membrana externa das bactérias envolvidos na aderência, tais como pili, e a actividade flagelar por parte das células fixas inicialmente, designada por twitching motility, são necessárias para o desenvolvimento de biofilmes, como a de P. aeruginosa (O’Toole & Kolter, 1998).
  8. O crescimento lento dos biofilmes é um factor facilitador à resistência (Costerton et a.l, 1999; Yasuda et al., 1994). Estas microcolónias têm ecologia diferente das formas planctónicas, pois elas proliferam mais devagar, prejudicando, portanto, a sua resposta a muitos antibióticos que agem essencialmente quando as células se encontram na fase mitótica. De acordo com Phillips et al. (2010), as bactérias em biofilme podem se encontrar, mesmo, em estado de hibernação, conforme já referido, em que as células estão metabolicamente quiescentes. As bactérias precisam de ser metabolicamente activas para poderem ser eliminadas pelos antibióticos.
  9. A libertação de antigénios que levam à produção de anticorpos específicos e formação de imunocomplexos que podem provocar lesões nos tecidos adjacentes (Phillips et al., 2010; Costerton et a.l., 1999).
  10. A possibilidade de troca de material genético devido aos longos tempos de retenção dos microrganismos (Flemming, 1991; Mittelman, 1998). Assim, esta comunidade bacteriana adquire novas informações genéticas. O designado processo de conjugação, ou seja, o mecanismo de transferência de plasmídios (porções de DNA), ocorre a uma taxa superior entre células em biofilmes do que entre células livres (Roberts et al. 1999; Steinberg, 2011), e estirpes de relevância médica contendo certos plasmídios demonstram maior tendência para a formação de biofilmes (Ghingo, 2001). Assim, com esse mecanismo, uma mesma bactéria pode adquirir resistência simultânea contra diversos antibióticos diferentes das bactérias vizinhas (Steinberg, 2011; Phillips et al., 2010).
  11. Apresentam processos de transferência diferentes (Stewart, 2003), ou seja, as implicações físicas do crescimento em sistemas geometricamente tão diferentes, como o caso dos biofilmes em comparação com as células livres. Em culturas de células livres ou planctónicas, o transporte de solutos do meio líquido (normalmente bem homogeneizado) para uma célula, ou vice-versa, é um processo relativamente rápido, não constituindo um passo limitante na totalidade dos bioprocessos que ocorrem na célula. Agregados microbianos, no entanto, são ambientes densamente empacotados onde o fluxo de líquido é limitado. Apesar do facto de se observar fluxo de líquido ocorrendo nos canais de água dos biofilmes (De Beer et al. 1994; Stoodley et al., 1994), nos agregados em si, toda a transferência de massa se dá através de difusão (De Beer et al., 1994), um processo muito mais lento. Este facto é ainda agravado por limitações difusionais acrescidas, causadas pela matriz do biofilme (Stewart, 2003). Em agregados microbianos suficientemente espessos, usuais em biofilmes, as distâncias difusionais são suficientemente grandes para que o transporte de solutos de e para as células bacterianas interiores se torne lento em comparação com as cinéticas de bioprocessos dos microrganismos. Nestas situações formam-se gradientes de solutos no biofilme, e a transferência de massa torna-se num processo limitante para os bioprocessos (Characklis et al., 1990). Limitações de transferência de massa que impedem penetração eficiente de antibióticos no biofilme são também, frequentemente, apontadas como possíveis causas para a resistência a antibióticos.

De acordo com Donlan e Costerton (2002) e Gilbert et al. (2003), as limitações difusionais à passagem do agente pela matriz extracelular, são muitas vezes acompanhados por alterações/mutações fenotípicas das células no biofilme e ainda com o desenvolvimento de mecanismos de resistência por alteração do genótipo das células.

Nestes ambientes em limitação de transporte de solutos, os gradientes de concentração formados constituem condições favoráveis para a criação de micro-nichos. Baixas concentrações de oxigénio podem originar micro-ambientes propícios à proliferação de organismos anaeróbios, apesar da presença de oxigénio em solução no meio líquido.

Em suma, a resistência ocorre em função de inúmeros factores inter-relacionados, incluindo actividade metabólica diferencial, barreiras de difusão e ultra-estrutura da parede celular.

É fundamental, ainda, fazer a diferenciação dos 3 tipos de resistência: 1) resistência natural ou inerente ou intrínseca; 2) resistência adquirida devido à mutação e, 3) resistência por adaptação (Cloete, 2003; Heinzel, 1998).

Dos diferentes tipos de resistência bacteriana, a resistência intrínseca é considerado o mecanismo mais utilizado pelas bactérias para se adaptarem às condições físico-químicas agressivas a que são submetidas (McDonnell & Russell, 1999).

Bactérias intrinsecamente resistentes são aquelas cujas propriedades naturais podem reduzir ou prevenir acções bacterianas. Um microrganismo, que apresente uma maior capacidade de produção de polímeros extracelulares, adere com maior facilidade a substratos sólidos por ligação entre as cadeias de polímeros situadas na parede do organismo e no substrato. Geralmente é verificado que as bactérias Gram – são menos susceptíveis a biocidas e antibióticos do que as bactérias Gram+ (McDonnell & Russell, 1999).

No caso da resistência adquirida, os mecanismos de resistência surgem, geralmente, como resultado da aquisição de material genético ou de mutação. Também podem ocorrer trocas genéticas resultantes da conjugação, transformação ou mutações no genoma da célula (Cloete, 2003; Lambert et al., 2001). Numa colónia de biofilme, onde as células microbianas estão mais próximas umas das outras, acredita-se que esta proximidade pode aumentar a troca de material genético.

A resistência adaptativa é um tipo de resistência que as bactérias rapidamente perdem assim que se alteram as condições fisiológicas (Heinzel, 1998).

1.3. Considerações Finais

O biofilme cada vez mais revela ser uma entidade de extrema relevância clínica, pois não somente constitui um entrave à cicatrização, pelo componente infeccioso, mas também consequentemente, pelo estímulo inflamatório que promove a cronicidade da ferida crónica.

Mais uma vez a evidência científica disponível vem a salientar a complexidade desta entidade, que lhe confere ainda uma série de mecanismos de resistência face às modalidades terapêuticas tradicionais. Mais do que salientar o papel do biofilme na cronicidade da ferida, pretendeu-se com esta revisão, alertar para a necessidade de desenvolver estratégias cada vez mais diversificadas de abordagem deste problema, bem como para o abandono de algumas, ditas tradicionais, que podem trazer mais maleficio que beneficio, ao potenciar o desenvolvimento de microorganismos multi-resistentes, sendo que ficou bem patente a capacidade desta comunidade microbiológica, em desenvolver variados mecanismos de resistência.

A ideia central que fica, assenta na necessidade de desenvolver estratégias dirigidas ao biofilme, sempre que haja probabilidade da sua presença, para podermos ter um verdadeiro “biofilm based wound care”, pois se não encararmos esta entidade como associada à ferida, mas diferente desta, as consequências podem vir a ser desastrosas para o prognóstico da ferida.

É fundamental portanto saber reconhecer sinais e sintomas, que sugiram grande probabilidade de presença de biofilme e dispor de alternativas capazes para o seu tratamento, algumas já existentes, outras em desenvolvimento, mas que sejam verdadeiramente efectivas pois o biofilme já mostrou ser verdadeiramente complexo e eficaz, no que respeita à sua sobrevivência em relação a agressões exteriores.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Jul 30, 2012

BIOFILMS: KNOWING THE ENTITY

BIOFILMS: CONOCER LA ENTIDAD

AUTORES: Elsa Menoita, Vítor Santos, Carlos Testas , Cláudia Gomes, Ana Sofia Santos

Resumo

Dada a complexidade de algumas feridas complexas/crónicas e sua dificuldade de cicatrização, os biofilmes têm sido apontados como entidades que atrasam todo este processo. Para se poder gerir os casos de feridas com biofilmes é indispensável conhecer a sua origem, estrutura e composição, perceber o seu ciclo de vida de modo a se obter o conhecimento necessário para intervir na sua prevenção e controlo. Como tal, foi efectuada uma revisão bibliográfica de literatura relevante e recente, com vista a caracterizar objectivamente esta entidade, que ainda permanece desconhecida para quem cuida de pessoas com feridas.

Palavras chave: Biofilmes, Cicatrização, Ciclo de Vida

ABSTRACT

Due to the complexity of some complex/chronic wounds and their hard to heal status, biofilms have been described as entities that delay this process. In order to manage the cases of wounds with biofilms it is essential to know its origin, structure and composition, understand its life cycle in order to obtain the necessary knowledge to intervene in the prevention and control. As so, a literature review of recent and relevant knowledge was made, in order to objectively characterize this entity, which still remains unknown to caregivers of people with wounds.

Key words: Biofilms, Wound Healing, Life Cycle Stages

1. Introdução

Actualmente, muitas feridas complexas/crónicas, simplesmente estagnam sem razão aparente.  Não respondem ao tratamento com material de penso avançado, que inclui mesmo os mais recentes avanços no campo dos antimicrobianos e controlo das metaloproteinases da matriz. Isto porque algumas destas feridas apresentam  sinais de infecção local evidente, sem resposta ao respectivo tratamento e outras embora sem sinal de infecção evidente ou  tecido inviável, persistem sem cicatrizar mesmo com a utilização de moduladores e inibidores das proteases, moduladores do pH entre outros. Já é consensual a atribuição de deste atraso na cicatrização à presença de biofilme no leito da ferida em alguns casos especificos, um conceito que começa a merecer mais atenção na área de tratamento de feridas. No entanto será que conhecemos suficientemente esta entidade, de modo a podermos intervir eficazmente no seu controlo? Torna-se fundamental conhecer o seu processo de formação, estrutura e ciclo de vida, para melhor podermos traçar um plano de tratamento de feridas, verdadeiramente custo-efectivo, permitindo em última instância uma melhor qualidade de vida para a pessoa com ferida complexa/crónica.

1.1. Biofilmes microbianos: comunidade complexa

Os microrganismos são estruturas simples, que estão presentes nos mais diversos habitats, mas capazes de desenvolverem comportamentos bastante complexos.

Em 1800, Robert Koch formulou os conhecidos postulados de Koch que foram muito úteis para provar que uma bactéria seria o agente causal de uma determinada doença. Estes postulados basearam-se no paradigma uma-doença/uma-bactéria, e requeriam o isolamento numa cultura pura da bactéria supostamente patogénica. Este conceito da etiologia mono-microbiana das doenças infecciosas ajudou a sedimentar a noção de que cada espécie bacteriana se comportaria como uma entidade isolada tanto no homem como na natureza. A microbiologia tradicional caracterizou durante anos as células encontradas em suspensões como planctónicas (Widgerow, 2008). Estas células foram exaustivamente avaliadas, isoladas e identificadas. Algumas das bactérias planctónicas estudadas têm a capacidade de aderir em várias superfícies, formando biofilmes.

O conceito de biofilme tem emergido gradualmente de estudos científicos durante longo período de tempo, porém, nas últimas duas décadas, essa concepção tem avançado consideravelmente.

Inicialmente, as observações de biofilmes foram realizadas por Antonie Van Leuwenhoek que, estudando amostras de dente, no seu microscópio, notou mais fragmentos de células agregadas do que planctónicas. Porém, a primeira publicação detalhada que descreve biofilmes foi descrita por Zobell em 1943, onde o autor iniciou estudos sobre a adesão de bactérias marinhas em cascos de navios e em diferentes tipos de superfície que incluíam vidro, metal e plástico que estavam submersas.

Técnicas de microscopia mais sofisticadas e efectivas foram empregadas por Costerton em 1978, o qual verificou que a maioria dos microrganismos nos ambientes naturais se encontrava fixo a substatos, e não na forma dispersa em suspensão. Aos microrganismos aderidos foi atribuído o nome de biofilme, composto por células microbianas de fisiologia distinta, chamadas sésseis. A partir de então, o conceito de biofilme tem evoluído e várias pesquisas têm sido realizadas em muitas áreas relacionadas com a ecologia microbiana.

 Estima-se que mais de 90% dos microrganismos vivem sob a forma de biofilmes (Costerton et al., 1987) e praticamente não existe nenhuma superfície que não possa ser ou vir a ser colonizada por bactérias (Characklis & Marshall, 1990).

Em suma, os microrganismos apresentam-se nos ambientes aquosos, tanto na forma planctónica com na forma séssil (Costerton et al., 1987; Characklis et al., 1982). Na forma planctónica os microrganismos encontram-se em suspensão e dispersos no meio aquoso, e na forma séssil encontram-se aderidos a superfícies sólidas sob a forma de biofilmes (Phillips et al., 2010).

 1.2. Estrutura e composição do biofilme

O biofilme microbiano é definido como uma associação de células microbianas fixadas às superfícies, bióticas ou abióticas, envolvidas numa complexa matriz extracelular de substâncias poliméricas, juntamente com os nutrientes capturados para a formação da matriz.

Na década de 1980, considerava-se que os biofilmes fossem representados por uma simples estrutura plana, principalmente 2D, com espessura relativamente constante.

 No entanto, um modelo conceptual formulado a partir da investigação de um sistema particular não deve ser generalizado para a totalidade dos sistemas de biofilmes, como aconteceu com o modelo designado water channel model (Costerton et al. 1994). Tal generalização é incorrecta, em especial considerando a evidência de que cada comunidade microbiana é única (Tolker-Nielsen & Molin, 2000).

Depois de várias investigações, foi possível afirmar que existem, no mínimo, três estruturas diferentes de biofilme. A primeira é a tradicional, plana, visão homogénea da estrutura do biofilme. A segunda, denominada de “Modelo do Mosaico Heterogéneo”, e foi descoberta utilizando-se microscopia de contraste de interferência diferencial (DIC), para examinar amostras crescidas em superfícies internas de sistema de distribuição de água. Desta forma os investigadores observaram mosaicos constituídos por microcolónias de bactérias ligadas umas às outras por uma substância polimérica extracelular e apresentando colunas (Figura nº1).

O terceiro tipo de biofilme representa o modelo na forma de cogumelo ou tulipa, com estrutura porosa e canais capilares de água, por onde ocorre a distribuição de nutrientes e água (Figura nº2).

Os biofilmes são constituídos por microrganismos, material polimérico extracelular e resíduos do ambiente colonizado, aderidos a uma superfície sólida, formando uma estrutura porosa e altamente hidratada, contendo pequenos canais, abertos por entre as microcolónias (Allison, 2003; Sutherland et al., 2001). Os microrganismos representam somente uma parte da massa de biofilme que, frequentemente, é menor que 10%. Os biofilmes possuem uma enorme diversidade de espécies microbianas, em que os microrganismos frequentemente encontrados são microalgas, fungos, protozoários, bactérias e vírus (Characklis et al., 1990), sendo, no entanto, devido à sua maior versatilidade e resistência, as bactérias os microrganismos predominantes. As bactérias, devido às suas características (como tamanhos reduzidos, elevadas taxas de reprodução, grande capacidade de adaptação e de produção de substâncias e estruturas extracelulares que as protegem do meio circundante), são, de entre todos os microrganismos, consideradas como excelentes produtoras de biofilme (Characklis et al., 1990).

Os biofilmes, complexos ecossistemas microbianos, podem ser formados por populações desenvolvidas a partir de uma única, ou de múltiplas espécies (Rhoads et al., 2008).

Os microrganismos têm sistemas de comunicação entre si, um dos quais chama-se quorum sensing (QS). Estudos baseados numa cultura pura de biofilme de P. aeruginosa cultivado em fluxo laminar (Davies et al. 1998) indicam que quorum sensing é possivelmente importante para a formação de estrutura em biofilmes. Quorum sensing é um mecanismo para regulação de certas actividades celulares, dependente da densidade celular (Salmond et al. 1995), ou seja, é um mecanismo intercelular de sinalização, que tanto pode ocorrer em células microbianas da mesma espécie como em interespécies (Rhoads et al., 2008). As bactérias, sintetizam compostos sinalizadores de baixo peso molecular, os autoindutores (AIs), que são excretados no ambiente. Quando se atinge uma quantidade crítica desses compostos, as bactérias detectam a presença de um número suficiente ou quórum de bactérias e respondem por meio da activação ou repressão de certos genes. Em baixas densidades populacionais, há, proporcionalmente, baixas concentrações destes autoindutores e, por esta razão, talvez não haja seu impacto sobre a expressão genética. Entretanto, quando a densidade populacional de microrganismos se eleva, o mesmo acontece com a concentração de AIs no meio, havendo, assim, influência sobre a regulação genica.

Assim, as etapas do ciclo de um biofilme requerem um sistema adequado de comunicação célula-célula (Steinberg, 2011). A sua fundamental importância consiste na distribuição, na ordenação e na sincronização, para a manutenção da relativa homeostase da comunidade microbiana, o que favorece o acesso a nutrientes ou a nichos ambientais mais favoráveis, permite que as bactérias organizem respostas defensivas, além de optimizar a capacidade das bactérias de se diferenciarem em formas mais bem adaptadas a sobreviverem em ambientes hostis.

Verificou-se portanto, que os microrganismos alteram a transcrição genética como resposta aos AIs, variando, desse modo, a produção de exopolissacarídeos, a motilidade, a produção de enzimas, como proteases, lípases e alginases e, também, a produção de compostos bactericidas e/ou bacteriostáticos. Este processo coordenativo influencia a própria sobrevivência do microrganismo em condições desfavoráveis, principalmente no estágio maduro, no qual há limitação na disponibilidade de oxigénio, nutrientes, componentes orgânicos e inorgânicos, e, até mesmo, a restrição quanto ao espaço físico. Por outro lado, os microrganismos podem rapidamente começar a produzir até 800 novas proteínas para formar microcolónias dentro horas (Sauer, et al, 2002 citados por Wolcott & Rhoads, 2008), através do referido mecanismo de quorum sensing (Rhoads et al., 2008).

Para Flemming (1993), a substância polimérica extracelular (“Extracellular Polymeric Substances” – EPS) que envolve todas as células microbianas representa cerca de 70 a 95% da matéria orgânica da massa seca do biofilme, formando glicocálix. Glicocálix é uma camada abundante de material polimérico extracelular produzida pelas células bacterianas, quando aderentes (Cooper, 2010). Para Bakke et al. (1984), a EPS pode variar entre 50 e 90% do total da matéria orgânica dos biofilmes. Rhoads et al. (2008) por sua vez defendem que, geralmente o biofilme é constituido por 80% de EPS e os microorganismos cerca de 20%. A composição química das EPS é muito heterogénea e complexa, no entanto, de um modo geral, são os polissacarídeos que predominam (Wimpenney et al., 1993). A matriz polimérica pode ser constituída por proteínas, substância húmicas, ácidos nucleicos (DNA, RNA), (Jahn & Nielsen, 1995), glicoproteínas, fosfolípidos (Phillips et al., 2010), etc.

Os exopolissacarídeos da EPS são considerados componentes importantes que determinam a estrutura e a integridade funcional do biofilme microbiano. A EPS age como barreira defensiva, protegendo as células para que não sejam arrastadas pelo fluxo de substâncias, auxiliando a célula a resistir a condições de stress múltiplo, tais como a diminuição de nutrientes e água, a presença de biocidas e outros agentes antimicrobianos e condições ambientais.

Em alguns casos, o EPS é capaz de captar catiões, metais e toxinas, conferindo, também, protecção contra radiações UV, alterações de pH, choques osmóticos, etc.

Assim, a matriz polimérica é a responsável pela morfologia, estrutura, coesão, integridade funcional dos biofilmes e a sua composição determina a maioria das propriedades físico-químicas e biológicas dos biofilmes (Flemming & Wingender, 1999).

No que concerne à distribuição da populacional, as células microbianas presentes nas camadas s superficiais externas têm propriedades semelhantes às das células planctónicas com acesso fácil a oxigénio e nutrientes, são metabolicamente activas e não têm dificuldade na eliminação de detritos metabólicos, sendo que as células incorporadas na matriz estão protegidas de agentes stressores, são metabolicamente menos activas e em fase de dormência.

Conforme já referido, um biofilme é considerado uma estrutura muito adsorvente e porosa (possui espaços intersticiais com água), sendo constituído essencialmente por água, pois contém cerca de 80 a 95% de água. A água é a fracção mais significativa da massa total do biofilme, podendo variar entre 70 a 95% da massa total do biofilme (Flemming, 1993). Outros autores, como Christensen e Characklis (1990); Neu (1994) e Azeredo e Oliveira (2000) referem que a razão massa de água/massa de biofilme pode ser até próximo de 99% ou mesmo atingir valores superiores.Os canais aquosos dos biofilmes (Figura nº3) podem ser comparados a um sistema circulatório primitivo, permitindo a troca de nutrientes e metabólitos, assim como a remoção de metabótilos potencialmente tóxicos. Assim, os biofilmes que se encontram em ambientes naturais são de um modo geral heterogéneos, contendo mais do que um microambiente distinto. No mesmo biofilme podem ser encontrados estratos aeróbios e estratos anaeróbios (Characklis & Marshall, 1989; Van Der Wende & Characklis, 1990). Os primeiros situam-se nas zonas mais superficiais do biofilme e os segundos nas mais profundas, junto ao substrato sobre o qual o biofilme se desenvolve. Esta estratificação deve-se à dificuldade de difusão do oxigénio presente na água através do biofilme, conjugado com o facto do oxigénio disponível ser logo consumido pelos microrganismos que compõem as camadas mais superficiais. De referir ainda que a composição dos biofilmes é dependente das condições do meio (como a temperatura, composição do meio, pressão, pH e oxigénio dissolvido) (Flemming, 1991; O’Toole et al., 2000) e não é necessariamente uniforme, podendo até englobar partículas sólidas (argilas, areias, partículas orgânicas) provenientes do meio aquoso onde está imerso (Characklis e Marshall, 1990; Wimpenny et al., 1993), ou fragmentos proteicos, como fibrina, corpos estranhos como parte de certos materiais de penso, no caso de feridas complexas/crónicas.

 

 

 

 

 

 

1.3. Ciclo de vida do biofilme

A acumulação de biofilme em superfícies é um fenómeno natural que resulta de processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem simultaneamente. Na Figura nº 4 estão esquematizadas as diferentes etapas de formação de biofilme.

O transporte de células livres do meio líquido para uma superfície sólida, e sua subsequente fixação, é a base de todo o desenvolvimento de um biofilme. Esta fase ocorre em poucos minutos após o transporte e adsorção à superfície de substâncias orgânicas dissolvidas no meio aquoso (Etapa 1 e 2). Os microganismos, denominados colonizadores primários, que se aderem a uma superficie, passam a se desenvolver, originando microcolónias, que sintetizam a EPS (Rhoads et al., 2008), que passam a ser um substrato para

a aderência dos colonizadores secundários. Estes últimos podem se aderir directamente aos primários, ou promoverem a formação de coagregados com outros microrganismos e então se aderirem aos primários. De facto, uma vez formada a primeira camada de microrganismos, a adesão de outros microrganismos é favorecida. O desenvolvimento e reprodução dos primeiros colonizadores podem, também, contribuir para a modificação das propriedades superficiais da superfície do suporte, tornando-a mais adequada para a colonização subsequente dos microrganismos secundários, favorecendo assim a acumulação de biofilme (Charackils et al. 1990).

A velocidade a que ocorre a formação inicial do biofilme depende da concentração de moléculas orgânicas no meio aquoso que contacta com a superfície sólida, da afinidade das moléculas para com o suporte e das condições hidrodinâmicas do meio líquido (Chamberlain, 1992), sendo de capital importância para a adesão das moléculas orgânicas as características da superfície do suporte (carga superficial, energia livre de superfície, rugosidade da superfície) (Marshall & Blainey, 1990; Flemming, 1990). Quando presentes alguns apêndices celulares, como pili, flagelos e fímbrias o processo de aderência e formação do

biofilme está facilitado (Steinberg, 2011).O pili é um componente competitivo muito importante no processo de adesão inicial e colonização da superfície, essencialmente para microrganismos gram-negativos. O pili tipo IV pode-se ligar a uma grande variedade de superfícies sejam elas abióticas, bem como bióticas, onde se tem adesão célula-célula. É de ressaltar que a colonização de superfícies e o deslocamento de microcolónias, onde o pili tipo IV está presente, é um movimento social, ou seja, envolve o contacto célula-célula, orientando-se este por nutrientes e sinalizadores, a que se designa por quimiotaxia. Os flagelos são utilizados para locomoção do microrganismo, e são constituídos por unidades de flagelina e emergem por uma extensão da membrana externa, sendo a sua força motora garantida pela diferença de potencial osmótico de sódio transmembrana e pela degradação de grupos fosfato.

Após ter ocorrido a formação inicial do biofilme, ocorre o transporte de células microbianas desde o meio aquoso até à superfície sólida (Etapa 3).

Esse transporte ocorre devido ao gradiente de concentrações de microrganismos entre o meio aquático e a superfície. As moléculas existentes no desenvolvimento inicial do biofilme podem estabelecer ligações para uma adesão forte e estável através da formação de cadeias poliméricas com os microrganismos existentes à superfície, ou em consequência da motilidade que os microrganismos apresentam devido à existência dos referidos apêndices externos filamentosos, tais como flagelos que permitem a mobilidade, pili, fímbrias que permitem a adesão (Characklis, et al., 1990; Widgerow, 2008).

O processo de dispersão/desprendimento de porções de biomassa de biofilme pode ter origem em fenómenos de erosão superficial, descolamento (“sloughing off”), abrasão e ataque por predadores (Characklis et al., 1990; Gjaltema, 1996) (Etapa 4). A erosão consiste na perda contínua de porções de biofilme causada pelas alterações ambientais. A taxa de remoção do biofilme aumenta à medida que o biofilme se vai desenvolvendo. O descolamento ou “sloughing off” acontece quando há destacamento de grandes porções de biofilme em resultado da alteração de certas condições dentro do próprio biofilme. A abrasão corresponde à perda de biofilme devido a repetidas colisões entre a superfície que suporta o biofilme e as partículas existentes no fluído, ou a colisões de partículas suspensas com biofilme (Gjaltema, 1996). O ataque por predadores (“grazing”) pode também reduzir consideravelmente a acumulação de biofilme (Ratsak et al., 1996). As próprias células englobadas no biofilme podem  provocar o seu desprendimento pela segregação e excreção de enzimas que podem  levar à quebra das ligações da matriz polimérica (Boyd & Chakrabarty, 1994).

Deste modo, de acordo com Bott (1993), a acumulação de biofilme é um processo natural, que ocorre segundo um padrão sigmoidal (Figura nº 6), como resultado de um balanço entre vários processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem em simultâneo.

1.4. Considerações Finais

A percepção da forma como as comunidades microbianas co-existem com o seu substrato, como por exemplo o leito de uma ferida, são extremamente importantes, de modo a perceber como abordar este potencial impedimento do processo de cicatrização. Perceber que na sua maioria, os microorganismos vivem em comunidades como biofilmes,

e conhecendo as suas propriedades e modo como se organizam, ajuda na adequação do tratamento e controlo desta entidade.

Por seu lado, também a percepção do biofilme não como uma massa de bactérias e outros microorganismos, mas essencialmente uma massa composta maioritariamente por substância polimérica extracelular, na qual se alojam  e desenvolvem  estas entidades, é factor fundamental na adequação da estratégia de tratamento.

Também fundamental para nortear a nossa intervenção neste tipo de situação, é perceber como é que evoluem estas comunidades ao longo do seu ciclo de vida, de modo a abrir uma nova janela de oportunidade, sob a forma de prevenção do seu crescimento ou reconstituição.

Apesar de ser uma temática relativamente recente na área do tratamento de feridas, os biofilmes já cá estavam antes da humanidade, e estão para continuar. É nosso dever aprender a co-habitar com estes, de modo a podermos assegurar os nossos próprios objectivos pessoais, que neste caso especifico, passa pelo tratamento de feridas, algo também tão antigo como a humanidade.

 Referências Bibliográficas

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