Fev 26, 2014

Autores
Carlos Monteiro1, M.ª do Céu Monteiro2, Maria de Jesus Terras3
1,2,3 Enfermeiros

Desde os primórdios da história que o Homem ambiciona viver o mais possível e luta para adiar a hora de morrer. Nós, profissionais de Saúde, temos consciência que contribuímos para o aumento da esperança de vida. “A população idosa mais que duplicou nos últimos quarenta anos (INE,1999:8). Contudo, a longevidade de vida coloca-nos perante uma questão fulcral e urgente: contribuímos para dar anos à vida, mas será que damos vida aos anos?
A população portuguesa na chamada “terceira idade” é cada vez mais expressiva no conjunto do tecido social, um fenómeno motivado essencialmente pelo duplo envelhecimento, expressão utilizada por alguns autores como NAZARETH(1988); FERNANDES (1997) e COSTA(1999). Ao longo do tempo, o aumento do número de idosos tornou mais relevante o peso destes na sociedade. “A velhice representa a fase da vida em que as capacidades e resistências físicas vão gradualmente diminuindo” FERNANDES (1997:1), reduzindo-se assim a capacidade produtiva do idoso.
A esta fase estão associadas representações negativas como a pobreza, a doença, a solidão e a morte que, conjugadas com a pensionalização da velhice e com uma alteração da estrutura das relações familiares nas sociedades ocidentais, contribui para que a idade avançada seja encarada como um problema social e familiar. Como refere GIDDENS (2000:171) “Numa sociedade que valoriza a juventude, a vitalidade e a aparência física, os idosos tendem a tornar-se invisíveis”. Que lugar ocupam os idosos na família? Será que a família estará preparada para acolher a senescência (4 ª idade)? A institucionalização será o último recurso das famílias? “À medida que aumenta a idade, a proporção de idosos a viver (…) [em instituições] cresce significativamente” (INE,1999:20). Será que este facto se deve ao esgotamento familiar e à falta de ajuda por parte dos técnicos de saúde? Como poderá ser feito o apoio aos familiares, dada a escassez de recursos externos? Esse apoio é considerado crucial para cuidar do idoso com este tipo de patologia, como alerta BRITO(2001:19): “Cuidemos dos cuidadores, pois, com generosidade e competência, e todos teremos a ganhar com isso”. Cuidar de familiares idosos doentes é algo árduo e exigente, desgastante em termos físicos e emocionais, pelas múltiplas alterações que provoca na vida das famílias. A saúde destes familiares, por mais vontade que tenham em cuidar dos seus idosos, acaba por se ressentir, sendo frequentes situações de depressão e ansiedade aumentada.
A família, na maioria dos casos sem preparação, vivencia situações de sobrecarga, geradoras de angustia e culpa (LIBERMAN e LIBERMAN, 2003). Cuidar de familiares idosos doentes é algo árduo e exigente, desgastante em termos físicos e emocionais, pelas múltiplas alterações que provoca na vida das famílias. A saúde destes familiares, por mais vontade que tenham em cuidar dos seus familiares idosos, acaba por se ressentir, sendo frequentes (cerca de 50%) situações de depressão e ansiedade aumentada, estando sujeitas por um lado a uma sobrecarga objectiva (impacto das modificações e limitações impostas pela doença de um indivíduo nos seus familiares (Ex: disrupção doméstica, restrição das actividades sociais, dificuldades laborais e financeiras) e por outro a uma sobrecarga subjectiva ( conjunto de sentimentos decorrente da vivência destas limitações (perda, culpabilidade, tensão relacional intra-familiar, preocupação com o futuro, medo da violência, entre outros) (SEQUEIRA, 2007; SERRA,2002; BRITO,2001).
Há uma crescente atenção a esta problemática em vários países ocidentais, nomeadamente por parte dos profissionais de saúde. O sucesso da família no apoio ao doente psicogeriátrico depende de suportes adequados na comunidade, e da capacidade, por parte dos profissionais, de perceberem a experiência da família do ponto de vista desta, e de serem capazes de irem ao encontro das necessidades por ela identificadas. Entre técnicos e família é crucial a solidez de uma aliança que se move para um objectivo comum: promover a autonomia e minimizar a dependência do idoso com problemas psicogeriátricos.
Com a reformulação das politicas de saúde mental, há um aumento do número de doentes com perturbações mentais a viver com a família, que passa a estar assim potencialmente sujeitos a uma sobrecarga psicológica significativa. (CNRSSM, 2007).
O envelhecimento é um processo complexo em que intervêm factores biológicos, socio-económicos e culturais, num sistema de relações constituído pelo indivíduo, a sociedade e o meio ambiente. Esta fase da vida sempre constituiu uma preocupação da humanidade, mas o crescente número de idosos na sociedade actual despertou maior interesse para o assunto. É um processo contínuo e irreversível, mas nem sempre a longevidade significa qualidade de vida, pois, em muitos casos, os idosos perdem a sua autonomia, tornando-se assim dependentes da ajuda de terceiros. Paralelamente ao aumento do número global de idosos há outro fenómeno que deve ser considerado: a existência em número cada vez maior de pessoas muito idosas.
A orientação política actual consagra a família como instituição privilegiada para a integração social dos idosos. A este respeito SERRA(2002:535) alerta-nos para alguns factos: “Devido à evolução sociocultural, às formas de emprego, ao crescimento da urbanização e da industrialização, à necessidade de gerir o tempo de maneira diferente, certas funções, tradicionalmente cumpridas pela família, foram transferidas para agências exteriores (…) Contudo embora a família tenha sido expoliada de algumas obrigações antigas, mantém ainda cinco funções importantes: económica, educacional, reprodutiva, sexual e afectiva”.
A velhice é um fenómeno normal, mas leva a um aumento da fragilidade e da vulnerabilidade. Qualquer agressão, ainda que mínima à sua integridade, representa o risco de provocar um desequilíbrio global e irreparável. Como refere CORDEIRO (1999:55), “cada situação é única. O limite entre a normalidade e a patologia, ou entre um comportamento aceitável e inaceitável, nunca é preciso. Acresce que as doenças crónicas, sendo as mais frequentes no idoso, têm diferentes repercussões, em diferentes pessoas e em diferentes idades”. Com a idade, aumenta a probabilidade de desenvolverem, em simultâneo, várias patologias degenerativas e de evolução prolongada, que se potenciam entre si, originando a instalação, com o decorrer do tempo, de alguma dependência de carácter físico, mental ou social.
A demência constitui uma clara fonte de stress para o indivíduo mas também para a sua família. As perturbações originam sequelas mais ou menos prolongadas e implicam importantes mudanças, que geram ansiedade, necessidade de adaptação e resistência. Quando alguém é afectado, as repercussões para toda a família são grandes. O impacto faz-se sentir pois todos os membros da família podem ter que assumir novas responsabilidades e alterar o estilo de vida, tornando-se extremamente difícil (física e emocionalmente) dependendo do grau de envolvimento e do nível da incapacidade do doente.
PAÚL(1997:137) desperta-nos para o seguinte facto “Ao contrário do que se passa com o cuidar das crianças, [no cuidar de um idoso], a dependência é crescente” Contudo, “a família constitui um núcleo com um equilíbrio próprio, por vezes difícil de manter, e que se poderá tornar instável quando confrontado com novas exigências” PIMENTEL(2001:37). Quanto a este propósito PINTO(1999:23) refere que “em consequência do stress permanente, a que os cuidadores estão sujeitos, verifica-se nestes, em cerca de 50% dos casos, descompensações psiquiátricas importantes”. Para HARTFORD(1982), citado por SHANDS e ZAHLIS(1995:126), “as necessidades de dependência do doente, muitas vezes, não deixam ao prestador de cuidados tempo para si próprio”.
Quando um dos membros da família se confronta com problemas psicogeriátricos, é uma situação nova que contribui para descontrolar a dinâmica familiar. Como refere MARQUES(1991:105), “o confronto com uma doença grave constitui para o doente, assim como para a família e amigos, um acontecimento de vida indutor de elevados níveis de stress. (…) susceptíveis de provocar um forte impacto emocional, alterações comportamentais, podendo mesmo surgir quadros psiquiátricos”. Também para MORVAL(1986), citado por SERRA (2002:531) “uma família é um grupo de indivíduos em interacção.O que acontece a um dos membros (seja uma doença grave, a aposentação, ou o simples recomeço do ano escolar) repercute-se nos restantes”.
Acresce ainda que nas modernas sociedades ocidentais o estatuto social do idoso é muitas vezes desvalorizado. Devemos, portanto, interrogarmo-nos: será que a família está preparada para acolher o envelhecimento normal de um dos seus membros? Se neste caso a resposta já tenderá a ser negativa, naturalmente que a situação se agrava quando nos colocamos perante episódios de envelhecimento patológico, envolvendo, por exemplo, quadros de demência.
A escolha pela institucionalização ou não nem sempre é uma decisão fácil de tomar por parte de quem é cuidado (“idoso”) assim como de quem cuida (“família”). A preocupação de não recorrer à institucionalização é uma constante, como refere HESPANHA(1993) citado por PIMENTEL(2001:33): “a família, mesmo nas piores condições, organiza-se para assumir o que considera a sua obrigação: retribuir o sacrifício dos pais.”
Para KAHANA (1989), citado por PAÚL (1997:29), a “institucionalização ocorre geralmente na sequência da incapacidade funcional, combinada com a ausência ou insuficiência de apoios sociais”. Quando surge um diagnóstico de demência na família, a garantia de determinados cuidados pode ser tornar-se factor gerador de um esforço elevado e uma sobrecarga acrescida que a família não estava preparada para acolher.
Quando a família está perante o envelhecimento patológico de um dos seus membros, o acompanhamento e a prestação de cuidados podem ser problemáticos e nem sempre a manutenção do idoso em casa é a melhor solução. Sobre este assunto, PIMENTEL (2001:74), alerta-nos que “ é necessário ponderar vários factores, como o grau de dependência do mesmo, o tipo de cuidados de que necessita e as possibilidades da família em termos de recursos materiais e de tempo. Embora, por vezes, os filhos estejam dispostos a fazer todos os possíveis para apoiar os seus pais idosos, isso pode não ser, de facto, realista e praticável; por vezes, o internamento em instituições especializadas responde de forma mais adequada às suas necessidades”.
Na opinião de VIEIRA (1995:22), há imensas razões que justificam a necessidade de criar serviços psiquiátricos para os idosos, como “problemas de diagnóstico (…); o problema das patologias múltiplas de que em regra sofrem os velhos (…)” [e a] ausência de condições físicas adequadas na maioria dos Serviços de Psiquiatria”. O autor defende a criação de Unidades Gerontopsiquiátricas, tendo em consideração a experiência internacional, e a importância de haver uma colaboração institucional com todos os serviços de apoio comunitário e social, sendo fundamental uma boa articulação com os Centros de Saúde da zona. VIEIRA(1995:22) alerta-nos ainda que “a assistência Gerontopsiquiátrica em Portugal, efectuada de forma organizada, tem vindo a processar-se através da criação de Consultas de Gerontopsiquiatria nos Hospitais Escolares, por iniciativa de psiquiatras interessados nesta área”. O Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa têm já uma unidade de psicogeriatria respectivamente que, à luz de outras, assenta num trabalho desenvolvido por uma equipa multidisciplinar, para dar resposta às necessidades dos idosos e cuidadores, prevenindo a deterioração física, psíquica e social do idoso, visando a autonomia e satisfação do idoso e família. Este tipo de serviço pretende por um lado, diminuir a ansiedade e o stresse dos cuidadores, por outro lado, que cuidadores adquiram competências para lidar com o doente idoso.
Em suma, defendemos que o envelhecimento deve ser encarado como algo natural, como mais uma etapa da nossa vida. Porém, não deve ser esquecido que esta fase implica um declínio das nossas potencialidades e condição física. A família e a própria sociedade desempenham um papel essencial no suavizar dos aspectos nefastos dessa decadência. Por outro lado, os profissionais de saúde devem estar despertos para as dificuldades dos cuidadores informais, de modo a ajudá-los a promover e garantir o apoio aos idosos.Dessa colaboração, dessa ajuda depende em muito a capacidade de os idosos poderem viver um envelhecimento digno, em qualidade (mesmo que do foro patológico) beneficiando do insubstituível aconchego familiar. Paralelamente, ao sentirem-se apoiadas, as famílias adoptarão uma outra atitude quando confrontadas com esta circunstância, deixando de temer e dramatizar o envelhecimento dos seus elementos mais chegados e para que possam afirmar que: “não tenho medo de ter um familiar a envelhecer ! ”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRITO, L. A saúde mental dos prestadores de cuidados a familiares idosos, Coimbra, Quarteto Editora, 2002.
COMISSÃO Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental – Relatório Proposta de Plano de Acção para a Reestruturação e Desenvolvimento dos Serviços de Saúde Mental em Portugal 2007/2016. Ministério da Saúde, 2007.

CORDEIRO, M.P.- Avaliação da saúde em gerontologia. In Manual Sinais Vitais- O idoso problemas e realidades.1ª ed, Coimbra, Formasau, 1999, pp.53-61.
COSTA, M. A., O idoso – Problemas e Realidades, Coimbra, Formasau, 1999.
FERNANDES, A. A., Velhice e Sociedade: Demografia, família e políticas sociais em Portugal, Oeiras, Celta, 1997.
FERNANDES, A. A., Quando a vida é mais longa…os impactos sociais do aumento da longevidade, in O Sentido das idades da vida, col. Gerontologia social, Editora CESDET, 2004.
GIDDENS, A ., Sociologia, Lisboa, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
Instituto Nacional de Estatística, As Gerações Mais Idosas, Lisboa, Série de estudos nº85,1999.
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MARQUES, A.; SANTOS, G.; Reacções à doença grave: como lidar, Coimbra, Clínica Psiquiátrica HUC, 1991.
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PAÚL, M. C., Lá para o fim da vida, Coimbra, Livraria Almedina, 1997.
PIMENTEL, L. , O lugar do idoso na família: Contextos e trajectórias, Coimbra, Quarteto Editora, 2001.
PINTO, L. C., Doença de Alzheimer, diagnóstico diferencial e sua importância na prática clínica, Revista de Psiquiatria do Hospital Júlio de Matos,1999, Lisboa, n.º1, pp.17-25.
SHANDS, M. E; ZAHLIS, E. H. – A família e a doença. In Phipps, et al – Enfermagem medico – cirúrgica – conceitos e prática clínica. I volume, 2ª ed., Lisboa: Lusodidacta, 1995, pp. 121-145.
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VIEIRA, C.R. A unidade de gerontopsiquiatria, Geriatria, Lisboa, Dezembro de 1995, nº80, pp. 22-27.
Monteiro, M. C. ; TERRAS, J., O Impacto dos problemas psicogeriátricos na família, as percepções da sobrecarga sentida pelos cuidadores informais, Lisboa, E.S.EM.F.R. , 2003.

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