Fev 26, 2013

_______________________________________________________________

PSYCHIATRIC PATIENT AND CO-DEPENDENCY

EL PACIENTE PSIQUIÁTRICO Y LA CO-DEPENDENCIA

_______________________________________________________________

AUTORES: Albano Ramos, Benvinda Pedroso, Cláudia Campos, Luís Pato, Nilton Macedo, César Fonseca, Vítor Santos,Fátima Nunes

Resumo

A Co-Dependência é caracterizada por um padrão apreendido de comportamentos, sentimentos e crenças, que tornam dolorosa a vida da pessoa. As relações interpessoais assumem características de dependência, focalizadas num agente agressor que é o dependente de agentes químicos.  Apesar de não ser consensual o reconhecimento do conceito de Co-Dependência como fenómeno com etiologia e identidade próprias, vários são os autores que se debruçaram sobre o seu estudo, no âmbito do tratamento das dependências de substâncias psicoactivas, álcool ou outras.

Palavras-Chave: Co-Dependência; Toxicodependência; Família

_______________________________________________________________

Abstract

The Co-Dependence phenomenon is characterized by behaviours, feelings and believes that can make the persons’ life very painful. In this process, personal relationships develop the same characteristics as dependence; focus on an aggressive agent that means the person with chemical dependence.

Although the concept of Co-Dependence doesn’t be consensual as a phenomenon with proper identity and aetiology, some authors have been studying it, in order to deal with chemical dependencies.

Key-Words: Co-Dependence, Chemical Dependency, Family.

_______________________________________________________________

O conceito de Co-Dependência é recente, encontrando-se associado à dependência de substâncias psicoactivas, onde é, essencialmente usado, no âmbito do seu tratamento.

O seu reconhecimento não é consensual. Na verdade, não se encontra sequer mencionado no DSM-IV. Daí, talvez, a recusa em o aceitar como diagnostico “per si”.

Foi nos Estados Unidos que começou a ser usado para designar as disfunções observadas nos familiares, resultantes do seu envolvimento com alcoólicos. Posteriormente, foi-se observando que, esse fenómeno, também se estendia à dependência de outras substâncias psicoactivas, para além do álcool.

A investigação realizada ao longo dos últimos anos tem permitido compreender os factores envolvidos na origem e desenvolvimento do fenómeno, contribuindo para a construção do conceito.

No campo da investigação dos comportamentos aditivos, as opiniões dividem-se com divergências quase epistemológicas, existentes entre as diferentes abordagens do fenómeno, em que, de um lado se posicionam os que consideram o fenómeno uma estratégia de “coping”, desadequada para lidar com situações indutoras de sofrimento e do outro, os que o encaram como uma doença primária.

De igual modo, as abordagens às perturbações encontradas, nos que se relacionam com adictos, sofrem duma perspectiva clivada. De um lado, os que as vêm como disfuncionalidades que dão origem à toxicodependência do doente, do outro, os que as consideram consequência das alterações de comportamento deste.

NETO (1996), citando o Group for Advancement of Psychiatry, afirma que a “disfunção familiar é por vezes circular, tanto podendo situar-se na génese da toxicodependência, como em resposta ao comportamento do jovem”. Parece-nos que, de certa forma, acaba por conciliar ambas as perspectivas.

O presente trabalho resulta da pesquisa bibliográfica que fizemos em literatura dedicada ao tema da Toxicodependência e que aborda a problemática da Co-Dependência numa perspectiva de fenómeno com etiologia e identidade próprias, definindo parâmetros de intervenção adequados.

Utilizaremos o termo Toxicodependência de forma indistinta do tipo de substância usada, álcool ou drogas ilícitas, pois todas produzem alterações sobre o humor, comportamento e a cognição de quem as usa.

CERMARK citado por CARRILHO (1989), define Co-Dependência como “um padrão particular de personalidade que, é previsível de encontrar na maioria dos membros de famílias de dependentes de químicos e que, em termos de disfunção, poderão integrar-se nos distúrbios de personalidade conforme descrito no DSM IV”.

Novamente CARRILHO (1991) ao abordar o tema da Co-Dependência, cita entre outros, SMALLEY que refere ser a Co-Dependência “ um padrão aprendido de comportamentos, sentimentos e crenças as quais tornam a vida dolorosa e, levam a que as relações interpessoais apresentem uma característica de dependência, focalizadas num agente agressor que é o dependente de químicos”.

O mesmo autor (1989), definiu Co-Dependente como “alguém que num relacionamento interpessoal começa a ser afectado pelo comportamento de outra pessoa e que concomitantemente se torna obsessivo na tentativa de controlo desse mesmo comportamento”.

Paralelamente, assiste-se ao desenvolvimento de atitudes e comportamentos de facilitação, das atitudes que conduzem à auto-destruição do adicto.

Talvez o primeiro caso de Co-Dependência registado na História seja o narrado na ode de Narciso e Eco descrita por Ovídio nas Metamorfoses. Nesta história, Eco funcionou como espelho de Narciso e, ao contrário do que havia acontecido com outras, conseguiu impressionar Narciso, provocando-lhe não uma reacção de afecto mas de repulsa. Repulsa da sua própria imagem que viu reflectida em Eco (prefiro morrer a ser teu).

Encontramos naqueles que sofrem de dependência de substâncias psicoactivas (adictos), uma dificuldade de se vincularem a outros mas, por outro lado, também encontramos pessoas que se disponibilizam a querer servir de espelho deles. Este é um padrão de Co-Dependência.

De certa forma a Co-Dependência encontra-se associada a pessoas com baixa auto-estima, com um deficit de confiança em si mesmos e uma grande necessidade de se afirmarem como imprescindíveis. Como forma de afirmação optam, frequentemente, por assumir como suas, tarefas que são da responsabilidade de outros. Da mesma forma que não acreditam nas suas percepções dos fenómenos, buscam a validação das mesmas pelos outros.

Este padrão encontra-se associado a uma ausência de referências internas eficazes, necessitando de construir para os outros uma imagem que compõem no seu imaginário como sendo a “ideal”. Em consequência, estão sempre a tentar exibir um comportamento que fantasiam como sendo “exemplar”, procurando controlar as percepções dos que os rodeiam, numa clara atitude de manipulação, à semelhança do que também encontramos nos adictos.

Associado ao deficit de auto-estima e em sua consequência, o Co-Dependente estabelece uma segurança precária, com um sentimento de que não lhe é possível sobreviver sem a outra parte, estando as fronteiras, entre a sua individualidade e a do outro, diluídas; assumindo uma atitude estática, não crescendo emocionalmente. Em consequência desta diluição de fronteiras, o Co-Dependente deposita no adicto o poder de definir e determinar os seus humores e reacções.

CERMARK (1986), à semelhança dos critérios estabelecidos pelo DSM-IV TR para definir dependência, estabeleceu uma tabela de critérios que caracterizariam o fenómeno da Co-Dependência. São eles:

Investimento persistente da auto-estima na tentativa de controlo de si e dos outros perante consequências adversas intensas.

Assumir para si a responsabilidade de encontrar e ser sensível às necessidades dos outros, esquecendo as suas.

Ansiedade e distorções extremas acerca dos conceitos de intimidade e separação.

Ficar enredado em relacionamentos interpessoais com um portador de distúrbios de personalidade por dependência química, outro elemento co-dependente e/ou com indivíduos sofrendo de distúrbio impulsivo de personalidade.

Coexistência de três ou mais dos seguintes sinais:

            5.1- Confiança excessiva na negação

            5.2- Constrangimento emocional

            5.3- Depressão

            5.4- Hipervigilância

            5.5- Compulsões

            5.6- Ansiedade

            5.7- Abuso de Substâncias

            5.8- É ou foi vítima de brutalidades físicas ou sexuais

            5.9- Patologia de stress diagnosticada clinicamente

       5.10- Relacionou-se intimamente com um abusador de substâncias tóxicas, sem solicitar ajuda exterior.

Por consequência, é frequente o Co-Dependente assumir comportamentos característicos como o “papel de mártir”, resultante de um esforço em que tenta manter as aparências e a união familiar a qualquer preço, resultando apenas na facilitação do comportamento auto-destrutivo do adicto e, frequentemente, impedindo uma intervenção mais precoce que o conduza a tratamento.

Por outro lado, a intensa actividade que o Co-Dependente desenvolve, cuidando dos outros, mantendo a funcionalidade do lar e sustentando a sobrevivência, frequentemente precária do sistema familiar, origina elevados níveis de stress que, resultam em distúrbios somáticos como cefaleias, hipertensão arterial e outras doenças psicossomáticas a nível respiratório, cardiovascular e gastrointestinal. Também é frequente serem vítimas de processos de adicção como obesidade mórbida (por ingestão compulsiva de alimentos), distúrbios obsessivos de jogo ou pelo trabalho (workaholics), ou mesmo toxicodependência.

Na linha dos comportamentos obsessivos, o Co-Dependente torna-se um exímio controlador. A crença que é capaz de tudo controlar é frequente. Quanto mais caótica a situação se apresenta, maior o seu exercício de controlo. O caos funciona como estímulo activador dos esquemas de exercício de controlo que, exerce de forma obsessiva, levando depois a elevados níveis de stress e consequente somatização do fenómeno. Quase como se funcionasse em circuito fechado. Para além duma permanente intromissão na vida e nos problemas dos outros, acaba assumindo como consequência de alguma acção sua, tudo o que acontece aos que se encontram próximos dele, como se fosse o centro do Universo. É uma personalização dos conflitos e relacionamentos interpessoais dos que se situam na sua proximidade. Esta atitude de assumpção das responsabilidades que cabem aos outros, pode ser tão obsessiva e generalizada que desencadeia a hostilidade e agressividade dos outros. Isto não é entendido pelo Co-Dependente que se considera movido apenas por boas intenções (Sindroma do Calímero).

Outra característica habitual do Co-Dependente, consiste na perda progressiva da capacidade de ter os seus próprios sentimentos, resultante da sua preocupação permanente pelos sentimentos dos outros, distorcendo a sua genuína expressividade emocional, de forma a mantê-la num nível que considera que será aceitável pelos outros.

A repressão das suas emoções e a incapacidade de as articular com o seu pensamento ou a sua distorção com o intuito de agradar a terceiros, é uma forma de desonestidade própria da doença. À semelhança da toxicodependência, existe uma deterioração moral e espiritual que se caracteriza pela repressão das emoções já referida, a sua distorção com intuito de manipulação e, um aumento de negligência consigo e com aqueles que ama como, por exemplo, os filhos. Por outro lado, o co-dependente possui uma grande capacidade de acreditar em tudo o que lhe é dito de uma forma ingénua, particularmente se isso vai de encontro aos seus desejos e aspirações. Exemplo típico é o do conjuge que acredita, na permanentemente renovada promessa de deixar o uso de substâncias que, o toxicodependente vai fazendo.

Em consequência da permanente instabilidade resultante de viver em estado de temor e receio, de alguma forma, acaba por se instalar uma progressiva rigidez emocional e cognitiva, associada a uma obsessão pelo controle, mas também um permanente julgamento hipercrítico dos outros.

Após o reconhecimento de que o alcoolismo era um fenómeno passível de ser sujeito a tratamento válido e reconhecido como tal, deixando para trás conceitos mais ou menos moralistas sobre a fraqueza moral de quem usava a substância e sobre a origem, mais ou menos maléfica da referida substância; algum tempo depois, iniciaram-se esforços com o objectivo de caracterizar e ajudar as pessoas emocionalmente envolvidas com alcoólicos.

Foi durante a década de 1940 que surgiram os primeiros grupos de auto-ajuda para familiares, baseados no programa de 12 passos dos Alcoólicos Anónimos (Al-Anon).

Com o desenvolvimento do conceito de doença para a dependência de substâncias psicoactivas, a aceitação social do mesmo e a implementação do tratamento clínico; esta começou a ser encarada também como uma doença da família. GAMEIRO (1981) refere que o alcoolismo de uma pessoa afecta outras cinco à sua volta. Desta forma o uso de substâncias psicoactivas pelo adicto, afecta directamente a família e esta afecta a sua dependência, condicionando-lhe a recuperação. Muitas famílias acabavam desmembrando-se durante a recuperação.

A visão sistémica do fenómeno levou à introdução de técnicas de terapia familiar com o objectivo de reestruturar o sistema familiar, quebrando as regras familiares que as governam e que podem ser sintetizadas pela fórmula “não falar, não confiar e não sentir” BLACK (1981), citado por CUNHA FILHO (2004):

Não falar: quaisquer tentativas de abordar assuntos dolorosos relacionados com a dependência são reprimidas pela família.

Não confiar: a inconsistência do comportamento parental cria, nas crianças, um sentimento de permanente insegurança, condicionando o seu desenvolvimento.

Não sentir: os sentimentos são reprimidos de forma a manter a expressão emocional num nível considerado aceitável e normal pelos outros.

Deste quadro resultam distúrbios de identidade e de comportamento nas famílias de características por vezes semelhantes às do adicto. É quase um fenómeno em que este apresenta alterações de comportamento e do humor, induzidos pela dependência de substâncias psicoactivas, enquanto o co-dependente apresenta alterações de comportamento e do humor resultantes da dependência daquele. Ambos apresentam um padrão de alteração de comportamento e de humor, diferenciando-se entre si pelo facto de um usar substâncias e o outro não. Outra característica é a negação do fenómeno, mecanismo de defesa que o minimiza e desculpabiliza, justificando-o ou pior, culpando outros pela sua existência.

Busca-se assim proteger, de forma desadequada, o sistema familiar, acabando por manter-se fora do contacto com a realidade, contribuindo para um isolamento progressivo e afastando-o do contacto com outros sistemas familiares saudáveis.

A compreensão da Co-Dependência leva-nos a entender as pessoas que dela sofrem como pessoas frágeis, com dificuldade em expressar os conflitos que sentem, (para elas mesmas e para os outros), sendo, por isso, incapazes de procurar ajuda. Grande resistência à mudança encontra-se, igualmente, presente; não sendo capazes de levar a cabo as mudanças necessárias para poderem solucionar a situação.

Por outro lado, apresentam” perturbações de factores intrapsíquicos entre os sentimentos do individuo e o seu Ego, mas também deste individuo com os outros – demonstrando factores interpessoais – o que a caracteriza como uma doença de relacionamentos sociais.” CUNHA FILHO (2004).

 Uma sociedade onde se desenvolve uma cultura de facilitação da circulação e consumo de substâncias psicoactivas, é de certo modo uma sociedade que enferma de Co-Dependência. A compreensão do fenómeno e dos mecanismos em que este se desenvolve permitirá, idealmente, desenvolver estratégias de intervenção que visem desenvolver melhores níveis de saúde mental, bem-estar e qualidade de vida da mesma.

 

Bibliografia

  •   AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION; DSM – IV – TR; Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais; 4ª Edição – Revisão de Texto; CLIMEPSI Editores; Lisboa, 2002; ISBN 972-796-020-0.
  •   CARRILHO, J. M.; Novos Avanços na Reabilitação da Dependência Química; TUPAM Editores; Lisboa 1991; ISBN 972-9385-27-0.
  •  CARRILHO, J. M.; Manual Prático de Recuperação do Alcoolismo e Uso de Drogas (Modelo Minesota); TEMPO E MEDICINA Editores; Lisboa 1987.
  •   CERMARK, Timmen I.; Diagnosing and Treating CO-DEPENDENCE; Editores: Johnson Institute Books; Minneapolis 1986; ISBN 0-935908-32-3.
  •  FERREIRA-BORGES, Carina: CUNHA FILHO, Hilson et al; Alcoolismo e Toxicodependências, Usos, Abusos e Dependências, Manual Técnico-2; CLIMEPSI Editores; Lisboa, 2004; ISBN 972-796-150-9.
  •   GAMEIRO, Aires; Alcoolismo na Interacção Sistémica; Edições da Revista HOSPITALIDADE; Casa de Saúde do Telhal, 1981.
  • NETO, Domingos; Tratamento Combinado e por Etapas de Heroínodependentes; Universitária Editora; Lisboa 1996. ISBN 972/700/052/5.

Read More