Mai 20, 2013

THE PAIN OF THE PATIENT WITH CHRONIC LEG ULCER DURING DRESSING

EL DOLOR DEL PACIENTE CON ÚLCERA CRÓNICA DE LA PIERNA  EN EL CAMBIO DE APOSITO

Autores

            Ana Sofia Santos1, Susana Rodrigues2

              1Enfermeira,  Serviço Medicina E, HSM, Centro Hospitalar Lisboa Norte, 2 Enfermeira,  Serviço Medicina 2C, HSM, Centro Hospitalar Lisboa Norte

 Corresponding author: santos.sophye@gmail.com

Resumo

Esta revisão sistemática da literatura, pretende dar resposta a um conjunto de questões sobre a dor sentida pelo utente com úlcera de perna crónica, bem como os factores agravantes e de alivio da mesma. Objectivo: Identificar quais as intervenções de Enfermagem que possam contribuir para o controlo/alívio da dor do utente com ulcera de perna crónica durante a realização do penso. Metodologia: Foi realizada uma pesquisa na Base de dados electrónica observada: EBSCO usando as seguintes palavras-chave: Pain AND Nursing AND Wound – Código S1; Leg AND Ulcer AND Pain – Código S2. Código S3 -Site consultado www.woundsinternational.com; Foram procuradas textos acerca da temática. Código S4 – www.wuwhs.org; Foram procuradas textos acerca da temática. Código S5 – Site consultado www.ewma.org; Foram procuradas textos acerca da temática. Resultados: Através da análise dos textos seleccionados, foram agrupados algumas intervenções de Enfermagem a ter em conta ao longo de todo o processo de implementação de cuidados. Conclusão: Com esta prática baseada na evidência podemos concluir que é importante: bom conhecimento acerca da dor e do seu impacto no utente, por parte do Enfermeiro; avaliação precisa e multi-sistémica da dor sentida pelo doente ao longo de todo o processo de tratamento; e a adopção de intervenções específicas para o controlo e alívio da dor aquando da realização do penso.

Palavras – CHAVE: Úlcera de perna, ferida, penso, dor, Enfermagem

 

ABSTRACT

This systematic review of literature, aims to respond to a set of questions about the pain felt by the patients with chronic leg ulcers, as well as aggravating factors and the same relief. Objective: To identify the nursing interventions that can contribute to the control / pain relief of the patients with chronic leg ulcer during the course of the dressing change.  Methods: We performed a search on a electronic database: EBSCO using the keywords:  Pain Nursing AND  Wound – Code S1; Leg AND Ulcer  AND Pain – Code S2. Code S3: Website: www.woundsinternational.com consulted; were searched texts about our subject.  Code S4: Website: www.wuwhs.org consulted; were searched texts  about our subject. Code S5: Website: www.ewma.org consulted; were searched texts about our subject. Results: Through analysis of selected texts, there were grouped some nursing interventions to be taken into account throughout the implementation process of care. Conclusions: With this practice based on evidence we can conclude that it is important: good knowledge of pain and its impact on the patients by the Nurses, accurate and multi-systemic evaluation of the pain felt by the patient throughout the treatment process, and adoption of specific interventions for the control and relief of pain during dressing change.

KEYWORDS: Leg, ulcer, wound, pain, Nursing

INTRODUÇÃO

As úlceras de perna são uma realidade crescente junto da população mundial. Surgindo num contexto complexo, necessita de uma abordagem também ela, global e multi-sistémica, não só para o seu tratamento mas também para a compreensão e acompanhamento da pessoa que padece desta patologia. Um dos factores mais frequentemente referidos pelos utentes, como destabilizador do seu conforto e consequentemente do seu quotidiano é a dor. Esta surge como uma das complicações que mais transtorno traz ao utente, não só a nível físico como também a nível psicológico, social, familiar e espiritual.

Deste modo, torna-se vital para a equipa de saúde, e mais especificamente para o enfermeiro, compreender o seu papel no processo de cuidados à pessoa com úlcera de perna crónica, tendo em conta a relevância e impacto que certos procedimentos que são inerentes à sua prática têm na avaliação, controlo e alívio da dor. Neste sentido, foi realizada uma revisão sistemática da literatura com o seguinte objectivo: identificar quais as intervenções de Enfermagem que possam contribuir para o controlo/alívio da dor do utente com úlcera de perna crónica durante a realização do penso.

DEFINIÇÃO E JUSTIFICAÇÃO DA PROBLEMÁTICA

As úlceras de perna crónica constituem um problema para a população portuguesa e mundial. No entanto, associado a esta patologia, não podemos negligenciar a dor sentida pelo utente. Esta experiência sensorial negativa deve ser controlada, sendo que o enfermeiro tem um papel fundamental na avaliação e controlo da mesma. As feridas crónicas têm uma duração prolongada no tempo. Exemplos deste tipo de feridas são as úlceras de perna e as úlceras de pressão. As úlceras de perna podem ter etiologia venosa, arterial ou mista. É essencial conhecer a etiopatologia das feridas dos membros inferiores para um adequado tratamento. A etiologia deve ser diagnosticada com base em critérios clínicos (avalação holística do doente, tendo atenção aos antecedentes, sinais e sintomas), Índice de Pressão Tornozelo Braço (IPTB), com recurso a eco-doppler ou arteriografia. Na prestação de cuidados a doentes com este tipo de patologia, não podemos esquecer a problemática da dor, uma vez que os doentes com úlcera de perna percepcionam frequentemente experiências dolorosas.

Dor pode ser definida como ”uma experiência sensorial e emocional desagradável associada à lesão tecidular real ou potencial, ou descrita em termos de uma lesão deste tipo.” (Morrison, 2007, pág.490) De acordo com um documento elaborado com a iniciativa da WUWHS (2004), a dor pode ser nociceptiva ou neuropática. A dor neuropática, caracteriza-se por uma resposta inadequada na sequência de uma lesão primária (isto é, danos nas células nervosas devido a alterações metabólicas, processo de infecção, trauma ou neoplasia) ou de uma disfunção do sistema nervoso. Este tipo de dor enconta-se na base do fenómeno chamado alodinia, em que a pessoa experiencia uma dor intensa face a um estímulo sensorial ligeiro, que normalmente não provoca sensações alteradas ou desagradáveis. É também este tipo de dor que se encontra na origem da dor crónica.

Segundo Grencho (2009), a dor crónica é aquela que se estende para além de três ou seis meses, não respondendo ao tratamento e pode não desaparecer com a cicatrização da lesão. Este tipo de dor, pode ser despoletada por inúmeros factores. Um deles relaciona-se com os procedimentos efectuados aquando o tratamento das feridas, em que remoção e colocação de penso e limpeza da ferida agravam a dor sentida pelo doente. Por outro lado factores psico e socio-culturais também influenciam o grau de tolerância que o utente demonstra face à dor sentida e a sua capacidade de falar acerca dela, e do modo como afecta o seu bem-estar. A dor é assim uma experiência singular que deve ser valorizada. Segundo Dealey (2006), existe um maior reconhecimento da influência da dor nos doentes com feridas crónicas, incluindo um impacto negativo na cicatrização da ferida. A dor não valorizada e mal gerida, pode inclusivamente desmotivar o utente no que diz respeito ao seu plano de tratamentos, levando à sua não colaboração. Deste modo, é de extrema importância o conhecimento e desenvolvimento de intervenções de Enfermagem que ajudem a aliviar a dor nos doentes com ferida crónica. Para isso é essencial que os profissionais de saúde saibam identificar, avaliar e gerir a dor, tendo em conta os conhecimentos básicos da sua fisiologia e os factores psicossociais do indivíduo que influenciam a experiência fisiológica.

Metodologia

Tendo por base a problemática da dor associada às úlceras de perna crónica, realizamos a presente revisão sistemática da literatura, recorrendo ao formato PI(C)O, de modo a responder à questão de investigação delineada: “Em doentes com úlcera de perna crónica (P), quais os procedimentos de Enfermagem durante a realização do penso (I), que possam contribuir para o alívio da dor (O)?” Tendo por base a nossa questão central, definimos o seguinte objectivo: identificar intervenções de Enfermagem que possam contribuir para o controlo/alívio da dor dos doentes com úlcera de perna crónica, aquando a realização do penso. Assim, definimos as seguintes palavras-chave: Pain, Wound, Nursing, Leg, Ulcer, que utilizámos para a realização da nossa pesquisa da revisão sistemática da literatura, com os seguintes códigos: Código S1 – Base de dados electrónica observada: EBSCO (Fonte Académica; CINAHL Plus with Full Text; MEDLINE with Full Text; British Nursing Index; Cochrane Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews). Procurados artigos científicos publicados entre 1998 e 2010, usando as palavras-chave: Pain AND Nursing AND Wound, tendo sido seleccionados 6 artigos. Código S2 – Base de dados electrónica observada EBSCO (Fonte Académica; CINAHL Plus with Full Text; MEDLINE with Full Text; British Nursing Index; Cochrane Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews). Procurados artigos científicos publicados entre 1998 e 2010, usando as palavras-chave: Leg AND Ulcer AND Pain, tendo sido seleccionado 1 artigo. Código S3 – Site consultado www.woundsinternational.com; Procuradas guidelines acerca da temática, tendo sido seleccionada uma. Código S4 – Site consultado www.wuwhs.org; Procuradas guidelines acerca da temática, tendo sido seleccionada uma. Código S5 – Site consultado www.ewma.org; Procuradas guideline acerca da temática, tendo sido seleccionada uma.

De forma a sistematizar a nossa busca de informação do nosso estudo, definimos os seguintes critérios de inclusão, estudos qualitativos e quantitativos, revisões de literatura, guidelines, revisões bibliográficas, que falem de: utentes com dor associada a úlcera de perna crónica, quer em contexto hospitalar, quer em ambulatório; técnicas e procedimentos de Enfermagem que permitam o alívio da dor aquando a realização do pensoe ensinos de enfermagem. Como critérios de de exclusão, definimos todos os tipo de artigos não previstos nos critérios de inclusão, ou artigos que falem de: utentes com úlcera de pressão, pé diabético, feridas cirúrgicas e actos médicos.

  1. ANÁLISE DOS DADOS

Após a selecção dos textos, submetemo-los a uma análise de modo a reter a informação relevante face à questão de investigação e de forma a dar resposta aos objectivos por nós delineados.

É ainda importante referir, que os textos seleccionados foram categorizados segundo Guyatt e Rennie (2002), que apresentam uma lista de referência para a classificação da literatura face a vários níveis de evidência (Level I: Systematic Reviews (Integrative/Meta-analyses/Clinical Practice Guidelines based on systematic reviews); Level II: Single experimental study (RCTs); Level III: Quasi-experimental studies; Level IV: Non-experimental studies; Level V: Care report/program evaluation/narrative literature reviews; Level VI: Opinions of respected authorities/Consensus panels.)

Assim, obteve-se: 6 textos qualitativos – Nível de Evidência V, 1 Revisão Sistemática da Literatura – Nível de Evidência I e 3 Guidelines – Nível de Evidência I.

No primeiro texto analisado, “Minimising pain at dressing changes”, a autora após uma pesquisa, analisa conceitos de vários autores acerca da dor, sua tipologia e subjectividade. A salientar neste artigo, temos a importância de uma avaliação adequada e sistematizada, através de escalas da dor, de modo a perceber quais os factores influenciadores desta experiência sensitiva: clínicos (patologias como doença vascular periférica, neuropatia diabética, doença maligna, artrite e problemas dermatológicos) e psicológicos (percepção do doente, experiências anteriores, ansiedade, atitudes, crenças, relação enfermeiro/doente). Só assim poderá ser implementado um plano de cuidados individualizado e mais eficiente. Em termos de estratégias para controlo da dor encontramos o recurso a agentes farmacológicos, em que se destaca a aplicação tópica de EMLA (lidocaína a 2,5% mais prilocaína a 2,5%), aquando o desbridamento cortante. São também salientadas estratégias não farmacológicas como o conversar com o doente acerca do seu tratamento, características da ferida ao longo do mesmo e aplicação de técnicas de relaxamento como musicoterapia e exercícios respiratórios. Aquando a realização do penso, enfatiza-se o abandono de técnicas que exacerbem a dor, tais como o uso de compressas como apósito e uso de hidrogéis em feridas exsudativas (este em excesso macera a pele circundante e causa dor). Expõem-se sugestões como a remoção cuidadosa do penso, lavagem da ferida com solução salina morna, selecção de pensos como hidrofibras e alginatos (em feridas exsudativas) e pensos de silicone que por não aderirem ao leito da ferida, são menos traumáticos. É ainda de salientar, a protecção da pele circundante para evitar maceração e consequnte dor.

Quanto ao 2º texto “Wound-related pain: key sources and trigguers”, face á pesquisa de conceitos de vários autores, a autora inicialmente refere alguns factores precipitantes da dor. Entre eles encontramos novamente a remoção do penso e a utilização de antissépticos. É ainda feita a referência a métodos agressivos de lavagem da ferida (como a fricção com compressas) e à utilização de uma solução de limpeza a uma temperatura desadequada. É então sugerido uma correcta avaliação das características da dor e dos factores que a despoletam, de modo a minimizá-los. Como estratégias, a autora reúne várias: limpeza suave da ferida e pele circundante, quando necessário, com soluções mornas e sem fricção; selecção do penso adequado á ferida respectiva, com características de menor aderência (menos traumatismo); e utilização de creme barreira na pele circundante para a sua protecção.

No 3º texto “Topical dressings to manage pain in venous leg ulceration”, encontramos novamente um artigo que reúne opiniões de vários autores. É de salientar, a abordagem do recurso a pensos de hidrogel e de ibuprofeno tópico, que segundo alguns estudos referidos neste artigo, podem diminuir a dor local sentida pelo utente.

Quanto ao 4º texto analisado,“Management of patients’ pain in wound care”, a autora ao longo do artigo menciona algumas desvantagens dos tratamentos modernos, causadores de dor, como a utilização de hidrocolóides adesivos e alginatos em feridas pouco exsudativas (causam fricção e dor); a utilização de antissépticos que muitas vezes causam dermatites de contacto; e o recurso ao desbridamento cortante. É também referido que uma exposição prolongada da ferida ao ar poderá também ser desencadeante de dor local. São assim apontadas algumas abordagens de alívio da dor: uso de sistemas de penso sem adesivos e sem antissépticos; selecção de produtos menos traumatizantes com os de silicone, hidrogel (em feridas pouco exsudativas), hidrofibras e alginatos (em feridas exsudativas); protecção da pele perilesional; e irrigação da ferida com solução isotónica morna.

Relativamente ao 5º texto, “Fundamentals of pain management in wound care”, é novamente referido, de modo semelhante aos textos anteriores, a importância de evitar estímulos desnecessários aquando a realização do penso; seleccionar um penso adequado ao tipo de ferida que seja o mais atraumático possível, que mantenha humidade para a cicatrização e que tenha uma durabilidade que evite uma mudança muito frequente do mesmo. É também mencionada a importância de incentivar o utente ao exercício físico adequado e à utilização de técnicas de relaxamento e de distracção.

Relativamente ao 6º texto “ Treating patients with painful chronic wounds”, os autores focam-se no facto de a dor contínua e indevidamente tratada, poder desencadear consequências negativas como a perda de independência, a diminuição da actividade, perda de energia e apetite, mudanças de humor e depressão no doente. Para o controlo da dor, após uma avaliação adequada das suas características e impacto na qualidade de vida do utente, é referida a possibilidade de recurso a agentes farmacológicos como AINE’s, anti-depressivos e anticonvulsivantes. Porém, face à possibilidade de efeitos secundários sistémicos nefastos, os autores falam de uma opção que deve ser ponderada pelo enfermeiro: a aplicação de um penso de espuma com ibuprofeno. É referido como um penso que não só faz uma adequada gestão de exsudado (promovendo um ambiente óptimo no leito da ferida), como também promove a diminuição da dor local através da libertação de ibuprofeno. São citados alguns estudos pesquisados, que mostram uma diminuição da dor aquando a mudança de penso, melhorando o nível de relaxamento da pessoa e seu bem-estar.

De seguida apresentamos uma revisão de literatura, “Venous leg ulcer patient’s: review of literature of lifestyle and pain – related interventions”. Nesta, foi feita uma análise de textos que abordassem os efeitos de intervenções para o alívio da dor em utentes com úlcera de perna ou apenas com insuficiência venosa. Entre elas, destacamos o uso do creme tópico de EMLA, uma mistura de lidocaína e prilocaína, aquando o desbridamento cortante. É referido que estudos demonstraram que a aplicação de EMLA na úlcera durante 30 a 40 minutos, reduz a dor durante esta técnica e reduz a incidência de dor após o tratamento.

Relativamente ao texto “Best Practice Statement Minimising Trauma and Pain in Wound Management” da Wounds International, este faz referência à utilização de pensos adesivos, gase e tule de parafina, como traumatizantes dos tecidos vivos da ferida, levando ao aumento da dor. Apesar desta evidência estas práticas persistem. Outras causas de aumento da dor são a infecção, a existência de doença arterial e a exposição prolongada da ferida ao ar. Como estratégias para o controlo ou alívio da dor associado à ferida, são referidas intervenções farmacológicas (ex: opióides tópicos) e intervenções não farmacológicas a implementar aquando a realização do penso. Como intervenções não farmacológicas podemos considerar: distracção; técnicas de relaxamento; envolvimento do doente no processo de cuidados; apoio emocional; posicionamentos cuidadosos; privacidade; ambiente aconchegante; manipulação suave da ferida; selecção de produtos para a ferida: não aderentes e não traumatizantes, protecção da pele perilesional e evitar reacções alérgicas, boa gestão do exsudado, selecção de produtos tendo em conta o tempo de uso efectivo, uso criterioso de antibióticos sistémicos e antimicrobianos e irrigação suave com solução isotónica morna.

      A segunda guideline analisada, “Minimising pain at wound dressing related procedures – a consensus document” da WUWHS, fala-nos sobre a importância de um controlo da dor durante os tratamentos à ferida, mediante uma avaliação rigorosa da escolha de um penso adequado, tratamentos cuidadosos à ferida e a dosagem de analgésicos personalizados. São também salientados os factores locais que mais contribuem para o aumento da dor, como por exemplo a isquémia, infecção, desidratação excessiva, edema, problemas dermatológicos e maceração da pele circundante. Deste modo, para minimizar a dor os autores recomendam analgesia, preparação de uma ambiente adequado e intervenções directas à ferida. Nestes dois últimos parâmetros enfatiza-se a escolha de um ambiente calmo, explicando todo o processo ao doente evitando a manipulação e exposição prolongada da ferida e qualquer estímulo desnecessário, considerar a necessidade de analgesia preventiva, através de uma avaliação das características da dor, conhecer factores redutores e desencadeantes da dor, utilização de técnicas simples como a musicoterapia e exercicios respiratórios, despistar sinais de agravamento da dor, utilização de produtos ou solução á temperatura adequada, evitar uma pressão excessiva da ligadura ou adesivo avaliando o conforto do doente após a aplicação dos mesmos, recorrer a técnicas de hipnose ou toque terapêutico.

      No que diz respeito à guideline da EWMA, “Pain at wound dressing change” faz-se uma abordagem a alguns factores que intensificam a dor durante a mudança de penso, como a remoção deste, desbridamento de tecido necrosado e desvitalizado, aplicação de antissépticos, uso de produtos de limpeza da ferida, maceração da pele perilesional, infecção/inflamação, isquémia, e mudança da temperatura da ferida. A nível emocional, o medo, raiva, ansiedade, depressão, tristeza e fadiga são factores que têm impacto a nível do aumento da dor. As atitudes, crenças e os factores culturais, espirituais e sociais também influenciam esta experiência sensorial negativa. Neste texto é feita ainda a referência à importância da analgesia (anti-inflamatórios não esteróides, opióides ligeiros e fortes, EMLA e Entonox), das medidas não farmacológicas para redução de ansiedade do doente (distracção, explicação do procedimento ao doente) e durante o tratamento (evitar estímulos desnecessários, manuseamento cuidadoso das feridas e selecção de um penso apropriado ao tipo de ferida, minimizador da dor e do trauma durante a remoção, capacidade de manutenção do grau de humidade no leito da ferida e o seu uso efectivo).

CONCLUSÕES / IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA

Pela análise e reflexão dos textos seleccionados, podemos concluir que a preocupação do enfermeiro no controlo e alívio da dor em doentes com úlcera de perna crónica é uma realidade. Não só durante como antes e depois da realização do penso. As medidas de alívio da dor passam não só por administração de terapêutica analgésica e co-adjuvantes de analgesia, como também pela implementação e realização de medidas não farmacológicas, sendo estas últimas da total responsabilidade do enfermeiro.

Tendo em conta a nossa pergunta PI(C)O: “Em doentes com úlcera de perna crónica (P), quais os procedimentos de Enfermagem durante a realização do penso (I), que possam contribuir para o alívio da dor (O)?”, apresentamos uma sistematização das medidas de alívio da dor durante a realização do penso:

  • Selecção e aplicação do tipo de penso mais adequado para a ferida, tendo em conta as suas características;1,2,3,5,8,10,14,15,16
  • Selecção de penso que permaneça mais tempo na ferida;5,15,16
  • Protecção da pele perilesional de modo a evitar macerações e reacções alérgicas;5,8,10,14,15,16
  • Lavagem da ferida, quando necessário, com solução isotónica morna e sem fricção; 5,8,10,14,15
  • Evitar exposição prolongada da ferida ao ar;8,16
  • Usar toque suave e evitar manipulação desnecessária da ferida;5,15,16
  • Abandono da utilização de compressas como apósito;5,10,15
  • Eficaz controlo do exsudado de forma a evitar maceração da pele circundante;5,8,10,16
  • Adopção de pensos como hidrofibras e alginatos para feridas exsudativas;5,8,10,15
  • Utilização de hidrogel apenas em feridas pouco exsudativas;8,10,15
  • Evitar utilização de pensos adesivos e hidrocolóides;8,10,14,15
  • Recurso a pensos de silicone;5,8,10,15,16
  • Aplicação tópica na ferida de EMLA, aquando a realização de desbridamento cortante;5,7,10,
  • Quando disponíveis no mercado português, é uma mais-valia o uso de pensos com ibuprofeno em situação de doentes com grandes níveis de dor local.1,3

Paralelamente, são igualmente importantes procedimentos não farmacológicos como:

  • Conversar com o doente;1,2,3,5,8,10,14,15,16
  • Promover ambiente acolhedor;15,16
  • Adequar o posicionamento do doente para minimização do desconforto;15,16
  • Envolvê-lo no seu processo de cuidados; 1,2,3,5,8,10,14,15,16
  • Explicar o tratamento a efectuar e as alterações que poderão ocorrer no aspecto da ferida;5,10,15,16
  • Uso de técnicas de relaxamento, musicoterapia, aromaterapia, exercícios respiratórios e de visualização.2,5,8,10,15,16

É também de salientar a importância da avaliação frequente da dor e da administração de analgesia prescrita, quando necessário ou de forma contínua. 1,2,3,5,8,10,15,16

BIBLIOGRAFIA

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15) Wound internationaL – Best Pratice Statement Minimising Trauma and  Pain in Wound Management [on-line] [acedido em 13/06/2010], disponível em: http://www.woundsinternational.com/pdf/content_27.pdf

16)    WUWHS – Minimising pain at wound dressing related procedures – a consensus document [on-line] [acedido em 7/03/2010], disponível em: http://www.wuwhs.org/datas/2_1/2/A_consensus_document_Minimising_pain_at_wound_dressing_related_procedures.pdf

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Nov 23, 2012

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CONCEPT AND EXPERIENCE OF PAIN: CROSS-CULTURAL PERSPECTIVE

CONCEPTO Y EXPERIENCIA DEL DOLOR: PERSPECTIVA TRANSCULTURAL
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AUTORES: Antónia Maria Nicolau Espadinha, Vítor António Soares Santos

Resumo

A problemática da dor reveste-se de uma componente cultural, cada vez mais relevante e que merece uma abordagem adequada por parte dos profissionais de saúde. Ao longo deste artigo é efectuada uma reflexão acerca do conceito de dor e da sua vivência ao longo da história e nas diferentes culturas e etnias. É efectuada uma contextualização da dor como um fenómeno único e vivido por cada pessoa de uma forma que lhe é particularmente singular. Numa sociedade em que as migrações tanto continentais como transcontinentais fazem parte do nosso quotidiano é urgente o conhecimento das várias culturas que compõem a nossa sociedade cada vez mais global, de modo a alargar os horizontes nesta área. Com esta revisão e reflexão, foram desenvolvidos conceitos preciosos que vão certamente contribuir para o enriquecimento dos cuidados a prestar a estes tipo de indivíduos.

Palavras-chaves: Dor; Cultura; Etnia
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Abstract

The issue of pain as a increasingly important cultural component, and deserves a proper approach by health professionals. Throughout this article a reflection is made about the concept of pain and their experience throughout history as well as in different cultures and ethnicities. Pain is contextualized as a unique phenomenon that is experienced by each person in a way that it is particularly unique. In a society where both continental and transcontinental migrations are part of our daily lives is urgent and relevant to possess knowledge of various cultures that comprise our increasingly global society in order to broaden the horizons in this area. With this review and reflection valuable concepts have emerged and will certainly contribute to enrich the care of these of individuals.

Keywords: Pain; Culture; Ethnicity
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Resumen

El problema del dolor es de un componente cultural, cada vez más importante y merece un enfoque adecuado de los profesionales de la salud. En este artículo se hace una reflexión sobre el concepto del dolor y su experiencia través de la historia y en diferentes culturas y etnias. Se hizo una contextualización del dolor como un fenómeno único y vivido por cada persona de una manera que es especialmente único. En una sociedad donde tanto las migraciones continentales e intercontinentales son parte de nuestra vida cotidiana, es urgente un conocimiento de las distintas culturas que componen nuestra sociedad cada vez más global a fin de ampliar los horizontes en este ámbito. Con esta revisión y reflexión se han desarrollado conceptos valiosos que sin duda contribuirá a enriquecer la atención de este tipo de individuos.

Palabras clave: Dolor; Cultura, Etnicidad
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INTRODUÇÃO

Ao poetizar a dor, Fernando Pessoa escreve: “O poeta é um fingindor. Finge tão completamente. Que até finge que é dor. A dor que deveras sente”. Com esta quadra o poeta dá-nos uma noção de ambivalência deste fenómeno ao misturar/integrar o real e o psíquico; ou seja, dependendo da sensação dolorosa inicial, do estado psicológico e da experiência passada, assim a dor é percebida tanto como um acontecimento neurofisiológico como psicológico.

As diferentes expressões utilizadas para definir dor e a sua vivência têm variado ao longo da história e assumem significados diferentes consoante a origem, a raça, a cultura e a personalidade de cada indivíduo.

De onde vêm as dores do corpo, espírito e coração? As mágoas e as desgraças que atravessam a nossa vida? São perguntas tão antigas e já levantadas desta ou de outra forma.

Ao longo da história do homem, cada cultura tem tentado encontrar as respostas mais adequadas para o fenómeno de dor, de acordo com a época e grupos de pertença.

Foi com todas estas interrogações que se originou o ponto de partida para um trabalho neste contexto, no sentido de reflectirmos acerca de conhecimentos, que ajudem a compreender melhor a evolução do conceito de dor, sua vivência ao longo dos tempos e forma como é experienciada em algumas culturas e grupos étnicos. O método de trabalho assenta na pesquisa bibliográfica e ainda da análise de um filme. Faz portanto sentido, começar por uma abordagem histórica, partindo em seguida para uma pequena abordagem etnográfica.

Trata-se de uma tema que nos é muito próximo, pois lidamos constantemente com pessoas, que experimentam a dor, sob várias dimensões, sendo que apesar da singularidade de cada indivíduo, existem segundo alguns autores comportamentos padrão entre as várias pessoas com quem contactamos. O facto de inconscientemente nos centrarmos nos nossos próprios sistemas de valores, faz com que em algumas situações, não consigamos dar à dor o seu sentido real, ou seja, ter compreendido, de forma satisfatória, como ela é sentida pelo próprio indivíduo.

Numa época em que a globalização assume um papel cada vez mais preponderante, com cada vez mais migrações intracontinentais e intercontinentais, que começam a fazer parte do nosso quotidiano, alargar os horizontes e enriquecer os nossos conhecimentos nesta área é aliciante e da maior pertinência.

É nossa intenção que esta reflexão venha a aprofundar conhecimentos sobre este tema, proporcionando uma visão não apenas limitada aos aspectos do seu tratamento farmacológico que frequentemente são aqueles que emergem ou mais nos preocupam nos nossos contextos de trabalho.

CONCEITO E VIVÊNCIA DA DOR

Para Portela (1983), a dor, não é apenas um conceito, é uma força, uma linguagem própria, muitas vezes um grito para um mundo agreste que nos rodeia.

 O autor acima citado refere que a dor não passa de uma abstracção diferente para cada um de nós, envolvendo vários outros conceitos, linguagens cujas implicações sociais, culturais e até religiosas a tornam um fenómeno extremamente complexo.

Quando se fala do conceito de dor, um dos primeiros conceitos que emerge, é o de Margo McCaffery, que define a dor como qualquer coisa, que a pessoa que a sente diz que é, existindo sempre que ela diz que existe (adaptado de MCcaffery & Pasero, 1999), o que reforça a natureza subjectiva da dor e faz da pessoa com dor a maior autoridade acerca da sua existência, sendo a sua validação baseada no seu relato (adaptado de WILLENS, 2003). A Associação Internacional para o Estudo da Dor, a  IASP, caracteriza a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a lesão tecidular real ou potencial, ou descrita em termos dessa lesão (adaptado de Merkey & Bogduk, 1994, citados por Willens, 2003), sendo que o seu alívio, constiui normalmente um problema para a Pessoa e sua família, bem como para os profissionais que deles cuidam, sendo a resposta a este fenómeno variável, de indivíduo para indivíduo, o que faz com que seja multidimensional e subjectiva, tal como é reforçado por Bullington et al., (2003, citado por Jeffrey, 2006), que caracteriza a dor como um  “fenómeno multidimensional que reside na intersecção entre a biologia e a cultura”, sendo o aspecto cultural também enfatizado por Melzack & Wall (1973; 2008) que descrevem a Dor como uma experiência altamente pessoal e variável que é influenciada pela aprendizagem cultural, conhecimentos e significado do seu contexto actual. Wall (1982), citado por Dias(1999), evidencia que, embora as várias definições de dor tenham sido muito discutidas, não há nenhuma definição satisfatória e que se continua a estudar qual a sua melhor definição.

Se bem que a dor seja um problema humano, desde a existência do Homem, os esforços feitos no sentido do seu estudo e entendimento só começaram a ser significativos praticamente, nos últimos 25 anos.

Para Schwob (1994), os investigadores e clínicos que trabalham sobre a dor  reconhecem múltiplas e diferentes implicações, segundo as diferentes civilizações, existindo uma distorção, cada vez maior desde o início dos anos 80, entre o significado científico e médico do termo. De facto a dor não se traduz apenas por uma lesão física corporal isolada, sendo que a sua intensidade e qualidade são altamente influênciadas pelas nossas experiências anteriores (Melzack & Wall (1973;2008). É inegável, que as  múltiplas expressões de dor sentida ou seja, da sua vivência, representam uma grande dificuldade para a sua compreensão; o próprio Schwob (1994) afirma que o problema está realmente ligado com a comunicação. Dois factores principais parecem determinar a expressão de dor em qualquer indivíduo; o primeiro é a origem cultural e étnica, o segundo tem a ver com a estrutura introvertida ou extrovertida do sujeito.

De acordo com o mesmo autor, o conceito de dor varia em si, conforme a zona geográfica, a sociedade, as grandes correntes religiosas e filosóficas e, ainda, com a evolução dos conhecimentos médicos e científicos. Trata-se de aspecto muito importante a ter em conta, pois a nossa tendência é para nos centrarmos no ponto de vista da cultura ocidental e frequentemente ignoramos determinanrtes sócio-culturais, que assumem grande relevância neste contexto.

Neste sentido Schwob (1994),coloca então, a seguinte questão: Dor quem és tu?

Questão universal, única, de múltiplas respostas, diferentes consoante o lugar e a época e intervenientes.

Perspectiva Histórica

Os conhecimentos e as teorias sobre a dor têm seguido várias fases, através dos séculos.

Dias (1999), refere que a necessidade de controlar ou explicar a dor existe, provavelmente, desde a história da humanidade. O homem primitivo, nomeadamente nas civilizações mesopotâmicas acreditava que todas as dores tinham uma origem exterior, não sendo apenas provocadas por qualquer tipo de ferimento mas, também, por espíritos malignos e deuses do mal, frequentemente, designados como monstros. Havia, por exemplo o demónio das dores de ouvidos, que era descrito como tendo grandes orelhas; o demónio da gota que era uma aranha de aspecto horrível; as dores de dentes eram representadas por um verme destrutivo, enquanto um pássaro demoníaco picava as outras zonas dolorosas.

Outras teorias representavam a dor como o espírito de outro homem, morto ou em agonia, tentando penetrar outro corpo; estas teorias punham o homem primitivo em grande relação com o “médico – bruxo”, considerado o único capaz de o proteger contra a dor. Como tal era comum a utilização de amuletos, talismãs e tatuagens. Quase todas as culturas primitivas tinham – e têm –  rituais de iniciação que marcam a passagem para a vida adulta e nos quais a resistência à dor é considerado um aspecto importante (…), um sinal de maturidade, coragem e disciplina (Fernandéz-Torres et al, 1999).

Menções de tratamento da dor foram observadas em escritos da antiga Babilónia, nos papiros egípcios no Sec. IV A.C e em pergaminhos de Tróia. Dias (1999), evidencia mesmo que nos escritos Babilónicos foram encontradas referências às dores sofridas pelos seres humanos e às orações e outros meios de que se socorriam na esperança de se encontrar um alívio para a dor.

Schwob (1994), salienta também que no Séc. IV A. C., os egípcios, os hebreus e os gregos primitivos entre eles (Homero) consideravam-na como um sinal enviado por Deus, sobre os homens.

Schwob (1994) refere que Aristóteles ainda neste Século, introduz uma nova perspectiva  e tal como Platão, reforçam o conceito racional de não considerar a dor uma sensação (como as provocadas pelos outros sentidos, vista, olfacto, etc.) mas sim como uma emoção, oposta ao prazer, que segundo estes é percebida por um orgão mestre “o coração”. Os filósofos estóicos, achavam que a dor pudia ser ultrapassada, pela sua negação racional, pela lógica e pela razão.

No entanto o mesmo autor refere que Hipocrates (400 anos A. C.) tentou desmistificar o sofrimento, definindo-o como um estado que está contra a harmonia natural, ou seja, a dor seria um equilíbrio devido a factores exteriores, tais como o clima, o regime alimentar, ou os humores do organismo.

Lamou (1994) reportando-se a um estudo de Roselyne Ray(s.d.), que aborda a história da dor, da Antiguidade à Idade Clássica, descreve que na antiguidade grega o fenómeno doloroso foi observado com grande atenção. Testemunha-o a riqueza do vocabulário que a exprime. A representação do corpo em sofrimento na tragédia grega do Séc. V A. C., atesta em público, a não ocultação da dor. A emoção que ela suscitava e o carácter catársico desta emoção era vivido em comunhão colectiva. A emoção dos espectadores seria, em primeiro lugar, suscitada pela revolta do herói trágico perante o destino divino que o inferioriza ou pelo próprio espectáculo da dor?

A cólera de Prometeu insurge-se contra a cólera de Zeus e desafia-a. Os espectadores, participam no coro trágico e experimentam o medo e piedade que lhes inspira o herói e então libertam-se como que entrando em transe.

Para a autora, neste contexto hipocrático é representada a dor física. E formula as seguintes hipóteses: há uma representação ou imagem da dor? Se sim, qual é ela? Há uma terapêutica para a dor?A dor é percebida como um elemento do senso, sinal ou figura, do corpo ou da doença permitindo o seu diagnóstico. Por isso a dor não se vê, ela será intocável?

No Séc. III A. C., a escola de Alexandria, que fazia a dissecção humana, já fundamentava alguns conhecimentos anatómicos e distinguia os nervos sensitivos dos nervos motores, mas também já levantava a questão de conhecer os mecanismos da dor.

Lamau (1994), reportando-se ao mesmo estudo, evidencia que a medicina Romana, com Celse, Aritée de Cappadoce e Galien, aprofundam o conhecimento da dor, dos indicadores que ela dá sobre a doença e o corpo, apresentando alguns meios para a combater sendo que já na medicina antiga, se constituiu uma semiologia da dor, no entanto não se chegou a concluir qual a sua utilidade. As grandes filosofias de então não iam para além do senso, que não eram estoicismo nem epicurismo. O estoicista defende que a sensibilidade procura o prazer e é perturbada quando surge a dor. O epicurista procura uma felicidade discreta e calma que partilha com os seus amigos. Desta forma as dores trazem-lhe a lembrança agradável do tempo que passou com os seus amigos podendo falar sobre ela como “um dia feliz que passou”.

Reportando-se a Roselyne Rey (s.d.), Lamau(1994),refere que esta tal como outros autores suspeitam que o estoicismo seja, a fonte de uma atitude de silêncio e ocultação da dor no ocidente medieval. A autora refere que a dor aos olhos do estoicismo, não é um mal mas um vício ou uma artimanha.

Nos primeiros séculos da nossa era os testemunhos são escassos os conhecimentos que subsistem, sobre o comportamento de homem face à dor.

Segundo Schwob(1994), a Idade Média é marcada pelo obscurantismo no ocidente, pouco ou nada mais se sabe durante séculos e séculos.

Apenas os árabes em Avicena, dão importância à dor e às substâncias analgésicas. Contudo baseiam-se apenas no empirismo. Encontram-se apenas como referências de soluções para a dor, o ópio, a salva, a hera e a mandrágora.

Roselyne Rey(s.d.), referida por Lamau(1994), salienta que no Séc. XII surgem os indícios da influência da Igreja Católica para a qual a dor representa, por um lado um castigo de Deus, ou sinal de uma dádiva particular e, por outro como uma recompensa podendo reforçar a visão estoicista da dor sendo a lição a tirar do livro de Job, perante o problema da dor não merecida (…) é que esta não seja vista como um castigo, mas também como uma provação (Fernandéz-Torres et al, 1999). No entanto a autora refere que não sabemos o que na realidade faziam os homens da Idade Média quando sofriam. Tomando como exemplo S. Tomás de Aquino este não ocultava o fenómeno doloroso. Fala de numerosas represálias, escrevendo mesmo que é natural que quem sofra se defende contra a dor. Distingue a dor física que suaviza com o gritar, a que chama de temor.

No período da Renascença (Séc. XIV, XV e XVI) praticamente nada se encontra escrito sobre a dor.

Schwob(1994), refere que Laurent Medicis e Leonardo Da Vinci influenciam e começam a introduzir a visão anatómica e filosófica da dor,  como sensação transmitida pelo sistema nervoso.

Descartes (s.d.),citado por Portela (1983), reflecte também sobre as dores do membro “fantasma” sentidas pelos amputados, e considera a dor em geral como uma simples exacerbação do tacto, elevada ao extremo e ligada à circulação do espírito nos nervos.

No Séc. XVII os médicos começam a tentar diminuir a dor. Goff(1985), refere que Sydenham  cujo sobrenome era o Hipócrates inglês, começou a utilizar licor à base de ópium. Este exemplo foi seguido pelos médicos franceses. Nesta época já se utilizavam argumentos do tipo racional e não sobre razões teológicas.

Surge então o Século das Luzes, (Séc. XVIII), Jean-Pierre Peter (1993), professor de história cultural da medicina, edita três grandes tratados da medicina moderna.Nessa altura já os diferentes autores destes tratados concordam que a dor é um precioso sinal de alarme. No estudo referido por Lamau(1994), para Ambroise Sassard, cirurgião francês (1780), a definição de saúde integra o grau “zero” de dor. Marc-Antoine Petit (1799), cirurgião de Lion, na mesma obra de Lamau (1994), defende que a dor é um eterno inimigo do homem. É necessário combatê-la com as armas que tivermos. Petit descreve as diferentes formas e localizações da dor dizendo que ela é perigosa, faz muito mal ao doente e é capaz de chamar a morte. Era importante pelo menos atenuá-la. Para atenuar a sensibilidade do doente era necessário optimizar todos os recursos do doente, desde o ar que respirava, alimentos, bebidas e o meio ambiente que o rodeia, que deve ser o mais agradável possível. É necessária a tranquilidade do sono, encorajamento a fazer exercício físico, utilizar o prazer dos sentidos, ter esperança, apreciar o espectáculo, a beleza e ouvir música.

No início do Séc. XIX e ainda de acordo com Lamau (1994), Jaques Alexandre Salgues (1823), publica um tratado “De La Douleur”, cujo objectivo é demonstrar a utilidade da dor em medicina. Este autor vai contrariar a opinião comum que só vê mal na dor. Refere que a dor tem um carácter benéfico desde que tenha um carácter externo, circunscrito e de curta duração. Diz que a dor é inseparável da saúde e defende os efeitos nocivos de uma sedação intensa. Para além disso, para ele, a dor estimula a energia, ela é em si a promessa de vencer. Às vezes é preciso provocá-la, outras vezes não a combater.

Posteriormente, segundo Schwob(1994), Mesner (1810) descobre a hipnose, Hickmann (1828) utiliza o protóxido de azoto, Soubeiran(1828), o clorofórmio, Morton(1846) o éter e em 1894 é descoberta a aspirina. Em 1903, Morton descobre o veronal que é o mais importante barbitúrico da altura. Tudo isto se passa no entanto com a oposição dos cirurgiões, que acham que a dor é inevitável, faz parte da cirurgia. Para estes, induzir a perda de consciência durante a cirurgia é algo “degradante” e significa que o homem que consente a anestesia não tem coragem de enfrentar e suportar a dor. Schwob (1994),refere ainda que finalmente, no Séc. XX começa a luta contra o sofrimento e a tentativa de evitar a dor.

Ainda na primeira parte do Séc. XX, Lamau (1994), cita Leriche, humanista militante contra o dolorismo que defende que a dor crónica pode ser ela própria uma doença. Leriche citado por Roselyne Rey, em Lamou (1994), descreve que “ a dor é sempre um quadro sinistro, que diminui o homem. Ele fica mais doente com dor, do que se não a tiver e a obrigação do médico é sempre de suprimi-la quando puder”.

Nos últimos trinta anos deste século tem-se sabido mais sobre a dor, do que em todos os séculos anteriores.

Segundo Lamau (1994), para J. Cambier a grande mudança consistiu em passar de uma aproximação dispersa sobre esta temática, para uma aproximação pragmática, preocupada com a prevenção e a terapêutica da dor, numa abordagem multidisciplinar que mobiliza psicólogos, filósofos, moralistas, psicanalistas e técnicos de saúde em volta do mesmo tema.

Conjugando uma melhor compreensão dos medicamentos e outras terapias alternativas para a dor, já conhecidas há muito tempo por todo o mundo, passamos a um melhor conhecimento da fisiopatologia da dor, permitindo adoptar estratégias de terapêutica específicas e mais adequadas.

Portela (1983) salienta que Kuypers refere que na verdade o conhecimento recente da acção das morfinas endógenas, como das fibras descendentes parece confirmar, quer no plano anatomo-fisiológico, quer no bioquímico, um sistema cibernético em que por um mecanismo de retrocircuito ou “feed-back” se podem anular os factores desencadeantes.

Para Dias (1999), o meio cultural em que fomos criados, em conjunto com os aspectos psicológicos que nos envolvem, desempenham um papel essencial na maneira como sentimos e reagimos à dor, condicionando a existência de angústia, depressão e ansiedade que, como sabemos, contribuem para o aumento das queixas dolorosas. Nos nossos dias, defende-se que a dor é uma experiência eminentemente pessoal que depende da aprendizagem cultural, do significado atribuído à situação e de outros factores de grande complexidade, essencialmente, individuais. De acordo com o mesmo autor, os recentes avanços da ciência, nomeadamente, no campo dos meios de diagnóstico, permitem apontar algumas causas não psicológicas para sintomas que, anteriormente, eram consideradas do foro psicológico.

Além disso, variados estudos psicológicos e antropológicos têm demonstrado que, pelo menos, nos aspectos humanos a dor não depende exclusivamente da intensidade da lesão orgânica. A intensidade e o carácter da dor que se sente são, também, influenciados pelas experiências vividas anteriormente, pelas recordações que delas temos e pela capacidade de compreender as suas causas e consequências. Marques (1993), salienta que, presentemente, nas sociedades ditas evoluídas é fundamental que as pessoas com dor saibam que esta pode ser tratada e que os profissionais que as tratam lhes incutam a confiança de que nunca serão abandonadas.

Assumida não só como dor-sintoma, que se esvai com a cura da doença-mãe, há também a dor-doença. O alívio desta obriga à execução de medidas terapêuticas dirigidas à própria dor. Daí, que as unidades de Tratamento de Dor não sejam um luxo ou desperdício mas sim uma exigência e um bom motivo de esperança.

Assim como toda a linguagem humana, a linguagem da dor não exprime só o desconforto sentido. Ela tem um aspecto simbólico que permite situá-la num determinado momento histórico e na cultura em que se exprime.

Perspectiva Etnográfica

Helman (1994), refere que cada cultura, grupo social ou mesmo famílias têm a sua linguagem própria, por vezes até um idioma através dos quais, os indivíduos que não se sentem bem ou estão infelizes, são capazes de comunicar aos que os rodeiam o seu sofrimento. Alguns grupos demonstram comportamentos e emoções de formas extravagantes em presença da dor, enquanto outros demonstram uma atitude estóica. Todos estes comportamentos estão relacionados com os grupos de pertença, crenças, valores, imaginários, cultos e práticas que caracterizam a sua própria cultura.

Para Schwob (1994), nos povos primitivos, a dor era essencialmente compreendida através da magia, como demonstra um estudo significativo feito junto dos aborígenes australianos, em determinadas tribos da Nova Guiné, Melanésia ou América do Sul.

Devido à penetração no corpo por um demónio, um fluido mágico, um objecto maléfico tal como uma flecha ou punhal invisível, a dor traduz a presença de um espírito mau que sofre. Esta é uma explicação pouco racional mas servia para atenuar um fenómeno que aparecia repentinamente. É sobre esta crença que se baseiam os tratamentos aplicados pelos Xamãs, feiticeiros e homens da medicina que tentam frequentemente aliviar a dor, provocando uma ferida leve mas real deixando que o espírito mau ou o fluido maléfico possa abandonar o corpo que invadira.

Para o mesmo autor, a integração da informação de dor provoca uma componente secundária, isto é, uma reacção, uma mensagem dirigida ao meio, uma forma de comunicação, como uma expiação, um castigo merecido, uma derrota de si próprio e dos outros indo até um certo prazer da dor,  portador de valores espirituais ou até mesmo divinos. Assim, a avaliação da dor torna-se um fenómeno bi-cultural, em que a pessoa expressa a unicidade do seu fenómeno doloroso, e o outro individuo (…) tenta interpretar esse mesmo fenómeno com a melhor precisão possível (Fenwick, 2006). A mesma Claire Fenwick (2006), alerta para a necessidade de manter uma postura objectiva neste contexto, devido ao elevado risco de mal-entendidos, tratamento desigual ou memso abuso de poder. Fenwick (2006) reforça ainda no caso dos aborigenes australianos, que a pespectiva e valores do modelo de saúde ocidental, tende a negar os aspectos emocionais, sociais, espirituais e politicos dos indigenas (…), falhando o apoio devido a estes aspectos e providenciando cuidados de saúde culturalmente inseguros. Assim a autora alerta-nos para o facto de que em qualquer situação onde haja diferença entre a cultura do assistido e a cultura do prestador, há o risco de prestação de cuidados de saúde sem sensibilidade cultural, logo a segurança cultural assenta no principio da identificação e respeito pelas diferenças culturais da pessoa, bem como pelo estabelecimento de uma relação de confiança, visto que em certas culturas como a aborigene, a expressão de aspectos relacionados com a dor, só ocorre quando já existe alguma confiança entre a pessoa e o prestador de cuidados. Caso se falhe no estabelecimento desta relação, o prestador corre o risco fazer uma má interpretação, que pode inclusive passar por identificar falsas atitudes estoicistas (Fenwick, 2006).

De acordo com Dias (1999), o controlo psicofisiológico da dor pode ser observado em indivíduos capazes de elevados níveis de condicionamento emocional, sugestão e auto-sugestão. Diz o autor que um exemplo bastante exótico é o do festival anual da suspensão do gancho que se passa em algumas aldeias remotas da Índia, na qual um faquir é suspenso de uma armação móvel de bambu por dois ganchos colocados através da pele e fixados aos músculos em posição paravertebral. Depois, são transportados de aldeia em aldeia para abençoar o povo e os campos e, no final, balança-se, preso unicamente pelos ganchos. Durante a cerimónia, o celebrante, em estado de transe, não mostra qualquer sinal de dor. Estes aspectos são altamente influenciados pelos determinantes culturais, tal como reforçado por Melzack & Wall (1973; 2006), que atribuem esta incrivel tolerância à dor aos diferentes níveis de limiar de dor, que variam de acordo com a cultura da pessoa, e que estão relacionados com um exemplo dado pelos mesmos autores, em que para os povos do sul da europa um determinado estímulo térmico pode ser identificado como estímulo doloroso, enquanto que para os povos do norte da europa, pode não passar apenas de uma sensação de calor. Estas diferenças na tolerância à dor, reflectem-se em diferentes atitudes étnicas face à dor.

Helman (1994), cita um estudo de Pugh (s.d.), em que este descreve vários significados da dor na cultura do Norte da Índia e as metáforas utilizadas para as descrever. Na ausência do dualismo, espírito/corpo do Oeste da Índia, nem os curandeiros nem os doentes vêem a dor somente em termos físicos. Quando se fala da dor desenham-na com determinadas palavras, imagens e metáforas, derivadas da cultura local e da vida do dia a dia. As metáforas que utilizam (tais como “queimadura” ou “aperto” ou como uma dor “perfurante”) misturam a experiência física e a emocional numa só imagem. A mesma palavra, frase ou metáfora, serve para dar significado da dor física e psicológica ao mesmo tempo. Por exemplo as metáforas utilizadas para a dor física, podem também ser utilizadas para descrever a dor emocional; tristeza e desgosto como a expressão “comida quente pode fazer o coração arder”.

Segundo o estudo acima referido os poetas Urdu descrevem a queimadura do coração e os sentimentos maravilhosos da dor do amor. Estas metáforas para a dor como o “quente” ou “queimadura” reflectem como Pugh descreve a integração do sistema espírito/corpo na cultura indiana.

No filme de Cooper, Scott e Zegwaar(s.d.) denominada “Cura em Causa” os autores apresentam aspectos de rituais e crenças em relação à vivência do tratamento da dor.

Como exemplo mostram-nos um episódio numa zona rural do Bali durante uma consulta de uma mulher ao curandeiro chamado “Balien”, que é o responsável pela saúde da aldeia. A mulher chega acompanhada com o marido trazendo uma oferenda (tal como nós vamos ao nosso médico assistente). Queixa-se de dores no estômago e uma “opressão” no peito. O curandeiro observa-lhe os olhos, o pulso e bate-lhe nas costas à procura de espíritos malignos. Receita ervas medicinais e segue-se uma cerimónia para fazer desaparecer a doença. O Balien entoa cânticos à água que se encontra dentro da casca de um fruto parecido com um côco.

Depois molhando uma flor vai salpicando a mulher e no fim despeja a água sobre a mulher para a “lavar da doença”. Os habitantes do Bali acreditam que os espíritos estão intimamente associados à água. Esta lavagem simbólica dos sofrimentos é comum não só no Bali como em outras culturas.

No entanto, o filme “Cura em Causa”, mostra-nos como o andar sobre o fogo não é exclusivo do misticismo oriental. Mostra-nos um grupo americano, (não refere exactamente a sua origem) que participa num seminário de fim-de-semana, cujo o tema é a marcha sobre o fogo. Segundo os orientadores do seminário, qualquer pessoa que queira pode andar sobre o fogo. Em grupo, os participantes confiam uns aos outros os seus medos íntimos para criar confiança no grupo.

Isso ajuda ao controlo sobre a mente. O segredo é conseguir ter a atenção concentrada no caminho e continuar a andar. Isto é o suficiente para não se queimarem. O orientador diz que, quando inicia a caminhada sobre as brasas sente um véu de medo oito a dez passos diante de si, mas se conseguir dar o primeiro passo, então vai atravessar mesmo as brasas todas em confiança. No filme, vêem-se os participantes executando a experiência e conseguindo, de facto, atravessar a passadeira de brasas descalços.

Helman (1994), refere que Zborowski (1952), examinou os componentes culturais da vivência da dor em três grupos – italo-americanos, judeus-americanos e antigos protestantes americanos. As principais diferenças encontradas entre estes grupos foram tanto os italianos como os judeus eram mais emotivos e exageravam mais ao exprimir a dor, deixando os médicos por vezes concluir que o seu limiar de dor era mais baixo do que noutros grupos; contudo, esta manifestação emocional, embora semelhante nos dois grupos, tinha por base expectativas diferentes em relação à dor.

Os italianos concentravam-se só na dor, choravam, gritavam, mas logo que lhes era dado um analgésico a dor desaparecia e voltavam ao seu comportamento habitual. A sua ansiedade estava centrada nos efeitos da experiência da dor enquanto esta durava. Em contraste, os doentes judeus estavam preocupados com o significado da dor, em relação à sua saúde, o seu bem-estar futuro e das suas famílias. A sua ansiedade tinha a ver com o futuro. Estes tinham relutância em aceitar os medicamentos ou recusavam-nos com medo dos efeitos secundários, convencidos de que o medicamento tratava a dor e não a doença. Mesmo depois de a dor desaparecer, continuavam preocupados, deprimidos porque acreditavam que ela podia voltar enquanto a doença não estivesse curada. Alguns até exageravam não porque a dor fosse mais intensa mas para que os médicos averiguassem melhor a sua doença e tratassem melhor as suas causas. Os italianos, pelo contrário, demonstravam confiança no médico e acreditavam que ele sabia o que devia saber. Daqui, o autor conclui:

‣ Reacções semelhantes à experiência da dor em grupos etnoculturais diferentes não demonstram necessariamente a mesma forma de vivenciar a dor;
‣ Padrões de reacção semelhantes, em termos das manifestações, podem ter diferentes funções e servir diferentes objectivos nas diversas culturas;

Quanto ao grupo dos protestantes americanizados já por várias gerações, mostravam-se muito menos emotivos em relação ao fenómeno da dor. Descrevem-na, o tipo, a localização e duração. Para eles, não é necessário exagerar as suas queixas porque isso não iria ajudar ninguém. Para além disso, eles não gostam de incomodar os outros e colaboram com o pessoal de saúde. Como os judeus a sua ansiedade é mais orientada para o futuro apesar de serem mais optimistas em relação ao tratamento e hospitalização que os outros dois grupos.

Todos estes aspectos são explicados por Melzack & Wall (1973; 2008), ao afirmarem que o significado do estímulo adquirido em condicionamentos anteriores, modula a informação sensorial, antes que active os processos cerebrais por detrás da percepção (…). Relativamente a este assunto os autores enumeram vários exemplos, como o caso de sensações abdominais, muitas vezes atribuidas a flatulência, mas que num individuo que tenha conhecimento de algum caso de neoplasia intestinal, em alguma pessoa conhecida, podem ser sentidas como dores severas; assim como o caso de individuos com dor de dentes durante toda a noite e que cessam à entrada do consultório do dentista, chegando mesmo a não conseguir identificar concretamente qual o dente afectado. Assim verifica-se que a presença ou ausência de dor nestes individuos pode variar entre insuportável, quando a ajuda não está disponível ou há dúvidas quanto à causa e diminuida ou ausente quando o alivio está à mão, ou há uma explicação lógica que é aceite pela pessoa, como válida. Posto isto, é legitimo considerar que se a atenção da pessoa de focar numa situação potencialmente dolorosa, a dor tende a ser percepcionada como mais intensa do que o normal (…), sendo a mera antecipação desta o suficiente para elevar os níveis de ansiedade e consequentemente a intensidade da experiência dolorosa (Melzack & Wall 1973; 2008), logo facilmente se confirmam nestes aspectos as premissas enunciadas por Helman (1994), pois se a pessoa for desde pequena condicionada por aspectos culturais, que a ensinem a dar mais ou menos importância à dor, estes aspectos vão efectivamente modular o limiar de dor e resposta ao episódio doloroso.

Zborowsky, citado na mesma obra de Helman (1994), salienta como as práticas de educar as crianças ajudam a modelar as atitudes em relação às expectativas da dor quando são adultos. O autor refere particularmente os valores e atitudes culturais dos pais, parentes ou seus substitutos, irmão e grupos de amigos da mesma idade.No seu estudo, um grupo de pais judeus-americanos e italo-americanos manifestaram-se ultraprotectores nas suas atitudes em relação à saúde dos filhos, participação em desportos, jogos, etc. À criança era sempre recomendado evitar lutas, discussões ou outras situações perigosas. O gritar, no entanto, já era facilmente admitido com alguma simpatia e consenso dos pais.

Do ponto de vista do autor do estudo acima referido, os pais nutriam uma excessiva cautela com os desvios do normal, pela sua própria ansiedade e pelas suas próprias representações em relação ao que podia provocar dor. Ao contrário, as famílias dos antigos protestantes americanos eram menos protectores; à criança que, por qualquer pequena contrariedade, viesse logo ter com a mãe; era-lhe explicado que era natural poder magoar-se nos jogos, desportos e brincadeiras mas que não era necessário reagir de forma demasiado emocional, porque tudo se resolveria.

Este aspecto é reforçado por Melzack & Wall (1973; 2008), que constataram que as experências passadas influenciam o comportamento adulto relacionado com a dor, concordando os autores que as crianças são influenciadas pelos comportamentos dos seus pais face à dor.

Estes aspectos são validados por Melzack & Wall (1973; 2008), que consideram que a intensidade e qualidade da dor dependem fortemente das nossas experiências prévias, a nossa memória destas, capacidade para compreender e aceitar a causa, bem como para gerir as suas consequências. Os mesmos autor concluem, referindo que se trata de uma experiência altamente pessoal, dependente da aprendizagem cultural, o significado do contexto em que está inserido e factores únicos inerentes a cada individuo.

Zborowsky (1952) citado por Helman (1994), salienta ainda que todas estas culturas definem linguagens de angustia e irão influenciar a dor privada dos outros e os tipos de reacção que esperam deles. Mais tarde podem originar problemas, sobretudo, quando a dor ou sofrimento ocorrem quando estiverem rodeados ou inseridos num grupo com origens culturais diferentes, vindos de diferentes classes sociais, com diferentes expectativas de como a pessoa e a dor devem interagir e de como devem ser tratados.

De acordo com Helman (1994), Zborowsky (1952), descreve um outro estudo que evidencia que, nas culturas que dão ênfase aos acontecimentos militares, as pessoas não só esperam como aceitam as feridas resultantes da guerra, enquanto que nas culturas mais pacíficas, os indivíduos podem esperar que estas aconteçam mas não as aceitam pacificamente.

Na mesma linha de pensamento, enquanto que na Polónia como noutras culturas as dores de parto são esperadas e aceites pela mulher que vai ter um filho, nos Estados Unidos estas não são também aceites e a analgesia é frequentemente utilizada.

Estas atitudes em relação à dor são interiorizadas logo desde criança, como parte integrante do crescimento numa determinada família e comunidade. São uma parte essencial de qualquer cultura que se preocupa com a prática  da educação das crianças.

Reflectindo em todos os aspectos descritos, de facto, o que notamos é que cada vez mais é importante melhorar a compreensão e a empatia com a peculiaridade da dor em cada pessoa em particular, com uma história única, vivendo numa determinada comunidade, num determinado período histórico, com a sua religião, os seus próprios medos, ansiedades e expectativas.

CONCLUSÃO

A dor é de facto uma experiência biopsicossocial e a cultura desempenha um papel importante, em determinar como interpretamos e expressamos a dor.

Apesar das limitações a nível de fontes bibliográficas e escassez de estudos, a evidência disponível permite tenhamos acesso a uma nova perspectiva sobre esta temática, que sirva de alerta para a adequação dos cuidados de saúde, consoante os grupos étnicos. Como profissionais de saúde temos de ter consciência dos nossos próprios padrões culturais e reacções face à dor, para melhor podermos avaliar a perspectiva cultural e individual da pessoa que cuidamos. Assim estaremos preparados para ultrapassar barreiras, que normalmente causam sofrimento desnecessário e desigualdades, na prestação de cuidados à pessoa com dor.

Numa sociedade em que as migrações tanto continentais como transcontinentais fazem parte do nosso quotidiano é nossa firme convicção de que é urgente o conhecimento das várias culturas que compõem a nossa sociedade cada vez mais global.

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Ago 2, 2012

CHRONIC WOUND CLENSING: EVIDENCE BASED APPROACH

LIMPIEZA DE LAS HERIDAS CRÓNICAS: UN ENFOQUE BASADO EN LA EVIDENCIA

AUTORES: Vítor Santos, José Marques, Ana Sofia Santos, Bruno Cunha, Marisa Manique

RESUMO

Cada vez mais se constata a importância de uma efectiva limpeza das feridas crónicas na preparação do leito de feridas crónicas. É fundamental enraizar na prática clínica conhecimentos decorrentes da evidência cientifica que nos orientem acerca de como limpar de forma o mais eficaz possivel as feridas, com indicação para esse efeito, bem como, saber quando essa limpeza deve deixar de ser uma rotina e ser adaptada ou talvez mesmo não ser efectuada. Assim, apresenta-se uma abordagem estruturada da limpeza de feridas crónicas, tendo-se recorrido a revisão sistemática de literatura na base de dados EBSCOhost, de modo a legitimar a evidência obtida, com o maior rigor científico, de modo a construir mais uma ferramenta de trabalho a disponibilizar a quem trata de feridas.

Palavras chave: feridas, limpeza, biofilme

ABSTRACT

It is increasingly noted the importance of an effective cleaning of chronic wounds in wound bed preparation. It is rooted in fundamental clinical knowledge from the scientific evidence to guide us on how to clean up wounds on the most effective way possible, if indicated, as well, as knowing when this cleansing stops being a routine and  should be adapted or may not even be made. Thus, it presents a structured approach to the cleaning of chronic wounds, having been resorted to systematic literature review on the EBSCOhost database, in order to legitimize evidence obtained, with greater scientific rigor in order to build more tools to provide the work of those who treat wounds.

Keywords: wound, cleansing, biofilm

Introdução

O desenvolvimento da investigação científica, nos últimos anos, tem permitido uma constante actualização de conhecimentos na área do tratamento de feridas. No entanto, a utilização de produtos sofisticados e dispendiosos, no tratamento de feridas, apenas se justifica se for possível garantir a formação de um leito da ferida saudável, através da sua adequada preparação5. A preparação do leito da ferida é um conceito, que proporciona uma abordagem estruturada no tratamento de feridas crónicas. As componentes da preparação do leito da ferida e da ferramenta TIME (tratamento do tecido, controlo da inflamação e infecção, equilíbrio da humidade e avanço epitelial/margens) endereçam as diferentes anormalidades fisiopatológicas subjacentes às feridas crónicas. A limpeza das feridas crónicas é um procedimento transversal a todos os componentes desta ferramenta, embora surja mais frequentemente associada ao “T”, no que respeita ao tratamento do tecido. Frequentemente, se verifica que a preparação do leito da ferida, através da utilização de soluções e métodos adequados, é desvalorizada e realizada de modo diferente, pelos profissionais de saúde.

Com esta prática recomendada, baseada numa revisão sistemática da literatura, pretende-se uma abordagem estruturada da limpeza de feridas crónicas.

METODOLOGIA

Uma vez definida a nossa problemática continuámos a desenvolver o processo de revisão sistemática, recorrendo à formação de uma pergunta de investigação, o que permitiu definir os critérios de inclusão/ exclusão: (P) Em relação à pessoa com ferida, quais as intervenções (I) com vista à limpeza dessa mesma ferida (O)? Com esta revisão sistemática de literatura pretende-se sistematizar a evidência disponível no concerne às boas práticas para a limpeza de feridas.

Os critérios de inclusão utilizados privilegiam as revisões sistemáticas da literatura, guidelines e RCT’s; possuam delimitação temporal inferior a 20 anos, exceto no caso dos autores de referência de anos precedentes, que poderão também ser incluídos; estejam disponíveis integralmente.

Os critérios de exclusão abrangem os estudos que não obedecem aos critérios de significância (importância que o artigo tem para o tema em estudo, para os clientes, para a enfermagem enquanto profissão e ciência), exequibilidade (disponibilidade ou recursos para desenvolver a pesquisa) e testabilidade (a formulação do problema deve ser mensurável tanto por métodos quantitativos como qualitativos). Excluíram-se também todos os artigos pagos. A revisão bibliográfica resultou da pesquisa eletrónica na Base de dados EBSCO, seleccionando as bases CINAHL e Medline.

Em todas as pesquisas foram procurados artigos científicos publicados em texto integral (09-06-2011), publicados entre 1999 e 2011, assim na primeira pesquisa usamos as seguintes palavras-chave: Chronic Wound* AND Cleansing OR Cleaning. Através desta pesquisa obtivemos um total de 291 artigos, a partir dos quais foram selecionados 8 artigos.  Assim, como resultado da pesquisa efetuado, reunimos um total de 7 artigos acerca da temática em estudo

Porquê limpar e como limpar as feridas crónicas?

As feridas crónicas têm um impacto financeiro significativo nos sistemas de saúde e afectam negativamente a qualidade de vida. Logo, a limpeza de feridas, constitui uma importante componente na sua abordagem (Moore, 2008). É necessário remover os tecidos mortos e corpos estranhos antes de serem aplicados os penso(Moore, 2008). A presença de tecido necrótico, o excesso de exsudado, resíduos dos apósitos e resíduos metabólicos na superfície desta, podem impedir a cicatrização e aumentar o potencial de infecção (Barr, 1995, citado por Williams,1999).

Contudo, há dúvidas acerca dos melhores métodos de limpeza (Moore, 2008). Clínicos e investigadores recomendam um elevado número de métodos, o que poderá levar a algumas incertezas e dúvidas (Moore, 2008).

Blunt (2001), citado por Moore e Cowman (2008), defende que a limpeza da ferida pode ter um impacto positivo na sua cicatrização, no entanto, é uma prática que é realizada sem sustentação evidente. Além disto, Briggs & Closs (2006), citados por Moore e S. Cowman (2008), encontraram outros estudos que referem que a limpeza da ferida, contribui para um aumento da dor durante o tratamento. Defende-se ainda, que deve ser dada mais atenção à escolha do tratamento a usar e à possibilidade deste causar efeito negativo na qualidade de vida do paciente.

Um estudo de Mahe et al (2006), citado por Moore e Cowman (2008), verificou ainda que os antissépticos são usados para limpeza da ferida, mesmo sabendo que estes não são considerados como a primeira linha de limpeza. Logo, uma larga proporção das feridas não é gerida de maneira efectiva, destacando-se a necessidade de esclarecer a melhor prática. Desta forma, torna-se evidente que existe pouca informação que permita clarificar a importância da limpeza da ferida, na gestão das feridas crónicas.

Segundo Magson-Roberts (2006), citado por Cabete et al (2006), existem três componentes essenciais para o sucesso na limpeza de feridas. São eles: a técnica, a escolha do equipamento e o agente de limpeza.

Contudo, a limpeza é, muitas vezes, inconsistente entre os Profissionais de Saúde e entre os diferentes estabelecimentos de saúde, não existindo uniformidade quanto ao tipo de soluções e técnicas utilizadas. A prática ritualista, sobrepõe-se à Prática Baseada em Evidências científicas, o que é atribuído à falta de conhecimento na gestão dos cuidados à ferida e à falta de directrizes para orientar a prática. No que respeita técnicas salientam-se três técnicas para limpeza da ferida (Williams, 1999):

  • Swabbing: pode danificar o novo tecido de granulação formado, devendo ser evitado se possível;
  • Irrigação: as pressões aplicadas nos tecidos é uma componente muito importante, visto que as altas pressões podem danificar o tecido de granulação e epitelização. Deste modo, deve ser usada uma pressão óptima, que permita não danificar os tecidos;
  • Banho: São formas de banho agressivas que utilizam a turbulência da água para remover detritos. Aconselha-se antes o uso do duche, que ultimamente tem sido usado em feridas crónicas;

No que respeita a soluções, a primeira escolha para as feridas que não estão contaminadas são a Água Esterilizada, Solução Salina normal ou Água da Torneira (Williams, 1999). Se os profissionais de saúde usam antissépticos como agentes bactericidas e bacteriostáticos, a sua efectividade deve ser avaliada devido aos efeitos nocivos que estes poderão causar ao tecido saudável (Williams, 1999). O Hipoclorito de Sódio não deve ser usado, por danificar o tecido (Williams, 1999).

De salientar ainda a importância a dar à temperatura da ferida, pois a actividade mitótica abranda quando a temperatura das feridas baixa. A ferida após a limpeza, pode demorar 40 minutos para retomar a sua temperatura original e três horas para a actividade mitótica retomar a sua plenitude (Williams, 1999). Desta forma, as soluções devem ser aquecidas e as feridas não devem ficar muito tempo expostas ao ar, pois também arrefecem desta forma (Williams, 1999).

Também a gestão dos biofilmes surge como um aspecto cada vez mais importante a ter em conta na abordagem da ferida crónica, aquando da sua limpeza, pois a presença de bactérias, apesar da irrigação da ferida com Soro Fisiológico, que tem sido defendida como o método mais adequado de irrigação, leva muito frequentemente à formação destes biofilmes, conhecidos por serem resistentes a este método de limpeza e irrigação, bem como ao tratamento com antibióticos (Horrocks, 2006). Os biofilmes consistem em diferentes tipos de bactérias que se agregaram na superfície da ferida numa matriz de polissacarídeo extracelular (Horrocks, 2006).

O produto terapêutico de eleição actualmente para este tipo de casos, é a solução de Polihexametileno Biguanida (PHMB) com Betaína, uma solução de limpeza incolor que contém agentes hidratantes e PHMB um antisséptico não citotóxico, sendo indicada para feridas crónicas. A betaína é um alcalóide surfactante que tem alta solubilidade em água e induz um efeito de stress osmótico aumentando a solubilidade e melhorando a limpeza, através da baixa tensão superficial induzida pelo surfactante, que ajuda na remoção de detritos e bactérias (Cutting, 2010).

Deste modo, conclui-se que a limpeza e irrigação da ferida devem criar condições óptimas de forma a não complicar a cicatrização, removendo os detritos antes da aplicação do novo apósito.

Conclusão

Posto isto, como fruto da revisão sistemática da literatura efectuada, propõem-se como esquema de actuação para a limpeza de feridas crónicas:

1-       No que diz respeito aos solutos de limpeza, considera-se a Solução Salina, como a solução ideal, pelas suas propriedades isotónicas e por não interferir no processo de cicatrização. Este soluto, não causa dano no tecido, não provoca sensibilização ou alergia, nem altera a flora bacteriana normal da pele (Atiyeh et al., 2009; Bee et al., 2009; Fernandez et al., 2010);

2-       No entanto, vários autores recomendam a Água da Torneira para limpeza de feridas crónicas, afirmando que esta é eficiente ao nível do custo efectivo e de fácil acessibilidade, não se verificando efeitos adversos (Atiyeh et al., 2009; Bee et al., 2009; Fernandez et al., 2010; Cutting, 2010)

3-       Convém referir que só pode ser usada se for potável e deve correr 15 segundos antes de ser utilizada (Joanna Brigs Institute, 2006), além de que, deve ter em conta a natureza das feridas e o estado geral da pessoa (Fernandez et al., 2010).

  1. Em Feridas Crónicas pode ser feita a limpeza com Água Potável, se a Solução Salina estiver indisponível (Joanna Brigs Institute, 2006), assim como também pode ser utilizada a água fervida e arrefecida (Joanna Brigs Institute, 2006; Atiyeh, 2009)
  2. Alguns estudos, referem que não existem diferenças estatisticamente significativas em feridas limpas com Solução Salina, comparadas com a Água (Cutting, 2010; Moore, 2008). Sendo assim, para as feridas que não estão contaminadas pode ser utilizada Água Esterilizada, Solução Salina Normal ou Água da Torneira (Williams, 1999)

4-       Por outro lado, vários autores desaconselham o uso de antissépticos em feridas abertas, uma vez que podem conter detergentes, tornando-se agressivos para o tecido em formação. Deste modo, afectam as células normais, alterando negativamente o tecido normal de reparação (Atiyeh, 2009). Contudo, outros autores referem que estas soluções podem ser usadas apenas a título excepcional e com precaução, uma vez que a sua toxicidade pode superar qualquer benefício (Atiyeh, 2009).

  1. Se os profissionais usam antissépticos como agentes bactericidas, a sua efectividade deve ser avaliada, devido aos efeitos nocivos que estes poderão causar ao tecido saudável (Williams,1999), nomeadamente nos queratinócitos e fibroblastos (Atiyeh, 2009). Os queratinócitos que existem na camada basal da epiderme, são mais sensíveis a agentes de limpeza tais como: Peróxido de Hidrogénio, Solução de Dakin, Iodopovidona (Atiyeh, 2009).
  2. Apesar de ser considerado inócuo o Peróxido de Hidrogénio danifica uma série de componentes celulares. É necessário aplicar grandes concentrações, devido a actividade da catálase das principais bactérias patogénicas (Atiyeh, 2009)
  3. O Hipoclorito de Sódio não deve ser usado por danificar o tecido (Williams, 1999).
  4. Relativamente à utilização de soluções de Iodopovidona, estudos demonstram, que mesmo soluções diluídas são tóxicas para os fibroblastos humanos. Esta solução inibe fortemente o crescimento celular, que em concentrações superiores a 0,1% inibe fortemente a actividade mitótica (Balin, 2002). Além disto, verifica-se uma menor taxa de cicatrização de feridas em doentes tratados com altas concentrações de Iodopovidona (Atiyeh, 2009; Balin, 2002).
  5. A solução de PHMB com Betaína, é adequada para a preparação do leito da ferida, remoção do biofilme, gestão de odores, redução do nível de exsudado, bem como redução da dimensão da ferida (Atiyeh, 2009; Horrocks, 2006). Além disto, é altamente histocompatível, não citotóxica, sendo uma das soluções mais utilizadas actualmente, incluindo em feridas infectadas com MRSA (Atiyeh, 2009).

5-       No que diz respeito às técnicas utilizadas na limpeza de feridas crónicas, verifica-se que esfregar e irrigar, são as técnicas mais comuns de limpeza (Bee, 2009). No entanto, esfregar uma ferida não remove da superfície as bactérias, mas redistribui-as, podendo ainda, introduzir corpos estranhos e traumatizar os novos tecidos de granulação e epitelização (Bee, 2009; Williams, 1999).

  1. Pelo contrário, a lavagem por irrigação, assegura uma limpeza adequada do leito da ferida (Bee, 2009; Williams, 1999)
  2. Outro factor a ter em conta, é a pressão durante a irrigação (Bee, 2009). A pressão excessiva, pode conduzir os detritos do leito da ferida, para a profundidade, mas por outro lado, a pressão insuficiente é ineficaz, para remover os detritos ou exsudado (Bee, 2009). Considera-se que a irrigação com pressão compreendida entre 5 – 8 psi, é o método mais eficaz de limpeza (pressão obtida com uma seringa de 20 ml adaptada a uma agulha ou catéter de 18 G) (Atiyeh, 200; Bee, 2009)

6-       Relativamente ao equipamento, verifica-se que os profissionais de saúde, devem privilegiar o uso de luvas e compressas de tecido-não-tecido, em oposição às pinças ou às compressas de gaze. Estas, podem deixar resíduos no leito da ferida, atrasando a cicatrização. Além disto, as pinças não são ser fáceis de usar pela maioria dos profissionais e não impedem a contaminação da ferida (Williams, 1999). A irrigação da ferida prevalece como método mais eficaz (Moore, 2008; Williams, 1999)

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