Jul 30, 2012

ROLE OF BIOFILMS IN CHRONIC WOUNDS

PAPEL DE LOS BIOFILMS EN LAS HERIDAS CRÓNICAS

AUTORES: Elsa Menoita, Vítor Santos, Cláudia Gomes , Ana Sofia Santos

Resumo

Começa a amplamente aceite, que as feridas crónicas na sua maioria apresentam biofilme e que este representa um importante potencial infeccioso. O que importa considerar também é o importante papel que este desempenha ao perpetuar o estímulo inflamatório que caracteriza a ferida crónica. A sua complexidade confere-lhe essa capacidade para induzir a libertação de proteinases e outros factores inflamatórios, enfraquecendo o organismo, danificando o leito da ferida e no fundo comprometendo todo o processo de cicatrização. Caracteriza-se ainda por apresentar multiplos mecanismos de resistência às abordagens terapêuticas tradicionais, o que acentua o seu cariz de factor de cronicidade. A necessidade estratégias terapêuticas especificas para esta entidade, é urgente.

Palavras chave: Biofilmes, Cicatrização, Ferida Crónica

Abstract

It is becoming widely accepted that biofilm is present in most of chronic wounds and that it represents an important potential for infection. It is also important to consider the important role it plays in perpetuating the inflammatory stimulus that characterizes the chronic wound. Its complexity gives it the ability to induce the release of proteinases and other inflammatory factors, weakening the organism, damaging the wound bed and compromising the entire healing process. It is still characterized by presenting multiple mechanisms of resistance to traditional therapeutic approaches, which enhances its factor of chronicity nature. The need for specific therapeutic strategies for this entity, is urgent.

Key words: Biofilms, Wound Healing, Chronic Wound

1. Introdução

Os biofilmes desempenham um papel importante na natureza e em processos tecnológicos. Do ponto de vista do interesse do Homem podem ser benéficos ou prejudiciais. Como exemplo de biofilmes benéficos existem aqueles que se acumulam em ambientes naturais nos depósitos dos rios, lagos ou ambientes marinhos, e que se desenvolvem em associação com as raízes de algumas plantas, fornecendo-lhes alguns nutrientes. São também biofilmes benéficos aqueles que são utilizados em biotecnologia ambiental com grande sucesso no tratamento de efluentes, removendo poluentes orgânicos e inorgânicos de águas contaminadas. Na indústria alimentar, os biofilmes apresentam inúmeras vantagens, podendo ser utilizados na produção de alimentos fermentados, como por exemplo, na produção de vinagre. Contudo, na maioria das situações, a adesão de microrganismos a superfícies sólidas é indesejável, pois, de uma maneira geral, está associada à deterioração das superfícies e/ou ambiente circundante.

1.1. Biofilmes e a cronicidade

Aos biofilmes estão associados a um grande número de problemas de saúde, tais como infecções em tecidos, infecções do trato urinário, infecções desencadeadas por dispositivos médicos, como cateteres vasculares, infecção e consequente rejeição de próteses e implantes e infecções da placa dentária, entre outras (Costerton et al., 1999). No entanto, a ecologia e a gestão dos biofilmes ainda não são bem conhecidos na medicina (Costerton, et al., 1999 citados por Wolcott & Rhoads, 2008). Pelo menos a sua valorização na prática clinica, ainda não atinge a relevância devida e isso é comum a todas as áreas da prestação de cuidados de saúde.

Nos últimos anos, constatou-se que os biofilmes têm um papel preponderante na patogenese de numerosas infecções que não envolvem bio-materiais. De facto, cerca de 65% das infecções humanas de etiologia bacteriana poderão envolver biofilmes (Costerton, et al. 1999; Potera, 1999). The National Institutes of Health (NIH) sugere, mesmo, que 80% das doenças infecciosas é causada por biofilmes podendo causar infecções crónicas (Association for the Advancement of Wound Care, 2008; Wolcott & Rhoads, 2008; Rhoads et al., 2008; Widgerow, 2008). De acordo com Wolcott (2010), há mais de 14 milhões de infecções por biofilme nos EUA cada ano, resultando em mais de 350.000 mortes – uma taxa de mortalidade semelhante à do cancro. Os consórcios de biofilmes podem, mesmo, serem agentes causais de infecções graves em indivíduos imunocomprometidos (Costerton et a.l, 1999). Assim, todos estes dados epidemiológicos, devem servir de alerta para um problema grave, que deve ser encarado como real, as estratégias para o seu controlo devem ser mobilizadas e até mais desenvolvidas.

Rhoads et al. (2008) referem que, as bactérias isoladas em feridas crónicas são geralmente cultivadas e estudadas através de métodos tradicionais aplicáveis somente às bactérias em estado planctónico. No entanto, as bactérias planctónicas cultivadas em laboratório comportam-se de forma diferente das bactérias em biofilme localizadas no leito das feridas crónicas.  É já sobejamente conhecido que mais de 99% das bactérias encontradas na natureza existem em estado séssil, formando biofilmes (Widgerow, 2008), e crê-se que o mesmo se aplica às feridas crónicas (Rhoads et al., 2008). Os biofilmes são de um modo geral heterogéneos, contendo mais do que um microambiente distinto, por exemplo, no mesmo biofilme podem ser encontrados estratos aeróbios e estratos anaeróbios (Characklis & Marshall, 1989; Van Der Wende & Characklis, 1990), apesar de que, de acordo com Flemming (1993) cerca de 70 a 95% da matéria orgânica da massa seca do biofilme seja constituido por substância polimérica extracelular (“Extracellular Polymeric Substances” – EPS).

A presença de biofilme no leito da ferida crónica tem vindo a ser mencionado em estudos há vários anos (Mertz, 2003; Welsh, et al., 2003, Serralta et al., 2001, Bello et al., 2001, citados por Wolcott & Rhoads, 2008), mas actualmente há evidências concretas da sua presença (James et al., 2008).

Num estudo realizado num  modelo suíno, por microscopia eletrónica e microscopia confocal a laser, verificaram, em queimaduras infectadas por Pseudomonas aeruginosa, que as bactérias se encontravam envolvidas numa matriz polimérica (Serralta et al., 2001, citados por Cooper, 2010).

Quadro 1: Forma planctónica versus biofilme: explicação para as observações clínicas
Adaptado: Wolcott (2008) – A study of biofilm-based wound management in subjects with critical limb ischaemia.

Noutra ocasião foi efectuado um estudo de referência por James et al. (2008), citados por Phillips et al., (2010) e Wolcott e Rhoads (2008), através de microscopia de imagem electrónica a 50 feridas crónicas e 16 agudas. Os autores verificaram que, 60% das feridas crónicas possuíam biofilme e apenas 6% das feridas agudas apresentavam biofilme

(Steinberg, 2011; James et al., 2008; Widgerow, 2008). Estes resultados sugerem para os autores que, não só as feridas crónicas apresentavam biofilme, como, também, a sua presença pode prejudicar a cicatrização, contribuindo para a cronicidade das feridas. Wolcott e Rhoads (2008) corroboram esse facto, sublinhando que, os biofilmes podem ser uma das causas da cronicidade das feridas. Phillips et al., (2010) consideram, mesmo, que é provável que quase todas as feridas crónicas tenham biofilme, em pelo menos uma parte do leito da ferida.

Curiosamente, a libertação “deliberada” de bactérias planctónicas do biofilme tem sido proposto para manter uma resposta inflamatória em feridas (Wolcott et al., 2008 citados por Cooper, 2010).

De um microrganismo plantónico a uma comunidade complexa com impressionantes defesas, incluindo um aumento da resistência aos antibióticos, biocidas, e imunidade humana, pode levar somente 10 horas (Fux, et al., 2005, citados por Wolcott & Rhoads, 2008; Widgerow, 2008).

Já de acordo com Costerton (1984) e Bester et al. (2010) citados por Phillips et al. (2010), estudos experimentais têm mostrado que as bactérias planctónicas (como por exemplo, estafilococos, estreptococos, Pseudomonas e Escherichia coli), geralmente:

– Fixam-se em poucos minutos;

– As microcolónias formam-se dentro de 2-4 horas;

– A EPS forma-se em 6- 12 horas, tornando o biofilme cada vez mais resistente a biocidas e a antibióticos;

– O biofilme maduro pode começar a desprender bactérias planctónicas dentro 2-4 dias.

– Um biofilme maduro depois de libertar células bacterianas pode recuperar num espaço temporal de 24 horas.

Stoodley et al. (2001), citados por Association for the Advancement of Wound Care (2008), também, referem que o biofilme leva cerca de 24 horas para restabelecer a sua biomassa. Estes achados experimentais são fundamentais para a gestão dos biofilmes, pois significa que depois de desencadear a ruptura de células bacterianas planctónicas com desbridamento e tratamento tópico, como por exemplo com surfactantes, há uma janela de oportunidade de 24 horas, utilizando antimicrobianos, de forma a não se recuperarem.

Um biofilme pode se reconstituir numa ferida por (Phillips et al., 2010):

– Crescimento a partir de bactérias planctónicas deixadas pelo desbridamento / limpeza;

– Crescimento por  microorganismos  recém  introduzidos.

Segundo Gibson et al. (2009), parece provável que, em muitos casos, as feridas agudas sejam colonizadas por bactérias que em dias se transformam em bactérias de biofilme persistente, estabelecendo uma fonte inflamatória a longo prazo. Numa fase inflamatória prolongada existe um estímulo pró-inflamatório constante, com aumento de libertação de neutrofilios e leucócitos para o leito da ferida. Estes libertam espécies reactivas de oxigénio (ERO) e enzimas (Philipps et al., 2010).

As espécies reactivas de oxigénio são moléculas capazes de modificarem outras moléculas, como proteínas, hidratos de carbono, lipídos e o ácido desoxirribonucléico (DNA). Estas desenvolvem-se a partir do metabolismo aeróbio do oxigénio, causando stress oxidativo.  As ERO podem romper a membrana lipoproteica, destruir as funções enzimáticas celulares, alterar o DNA e conduzir à morte celular.

As enzimas produzidas pelas células inflamatórias são proteínas que facilitam reacções biológicas e que geralmente actuam sobre um número limitado de moléculas (conhecidas como substratos das enzimas), transformando-as fisicamente noutras substâncias. As proteinases (também conhecidas como proteases) são enzimas que actuam sobre as proteínas, geralmente fragmentando a molécula da proteína (Gibson et al., 2009; Schultz et al., 2009). Uma família especifica de proteinases,  as metaloproteinases da matriz – MMP’s, são prticularmente nocivas para o leito da ferida. Os substratos naturais para as diferentes MMPs variam substancialmente, mas incluem importantes proteínas da matriz extracelular (MEC), como o colagénio, a gelatina e os proteoglicanos. As MMPs degradam estas proteínas fragmentando-as em pequenas partes.

Segundo Gibson et al. (2009), a designação “matriz metaloproteinase” (ou “matriz metaloprotease”) indica as propriedades-chave partilhadas pelas MMPs. Todas elas, preferencialmente, degradam as proteínas que compõem a matriz extracelular dos tecidos e requerem um ião metálico (zinco) no centro activo da enzima. Rhoads et al. (2008) defendem que, provavelmente, o biofilme pode desencadear uma resposta imunitária com aumento de MMP, como a MMP -2, MM-8, MMP -9 e a elastase, para além de desencadear senescência com incapacidade funcional dos fibroblastos, queratinócitos, e das células endoteliais para iniciar a angiogénese.

Quando sintetizadas inicialmente, as MMPs permanecem em forma latente (inactivas ou pro-MMP). Elas são activadas por outras proteases que recortam uma pequena parte da molécula, abrindo o centro activo da molécula MMP, permitindo ligar-se ao(s) substrato(s) da sua proteína. Outras moléculas designadas como inibidores de tecido de metaloproteinases (TIMPs) podem inibir as MMPs activadas e bloquear a activação de pro-MMPs (Gibson et al., 2009).

Enquanto a maioria das MMPs é segregada para a MEC (matriz extracelular) circundante, algumas MPPs mantêm-se associadas a membranas celulares, sendo conhecidas como MMPs “tipo membrana” (MMP-TPs). Pensa-se que este grupo de MMPs desempenha um papel importante na activação de pro-MMPs, bem como na activação de pro-TNF (factor de necrose tumoral – um mediador  importante envolvido na inflamação e morte celular) (Gibson et al., 2009).

As MMPs, que essenciais para a cicatrização em feridas agudas, tornam-se prejudiciais nas crónicas, destruindo ou corrompendo continuamente as proteínas essenciais da MEC (Gibson et al., 2009; Schultz et al., 2009). Adicionalmente, as proteinases captam os factores de crescimento, tornando-os indisponíveis para o processo de cicatrização.

1.2. Mecanismos de resistência de bactérias

A capacidade de sobrevivência do biofilme é um resultado de estratégias de adaptação desenvolvidas ao longo de milhões de anos (Association for the Advancement of Wound Care, 2008).

Um dos grandes avanços da medicina tem sido o controlo de infecções através do uso de antibióticos, contudo estes têm uma eficácia limitada nos biofilmes, podendo estes ser mil vezes mais resistentes a antibióticos do que o mesmo organismo em forma plantónica, sendo ainda parcialmente protegidos da acção destruidora dos fagócitos (Davey & O’toole, 2000). Para Wolcott et al. (2009), os biofilmes podem 50 a 1500 vezes mais ser resistentes aos antibióticos. Os biofilmes bacterianos são muito resistentes à eliminação efectuada pelos anticorpos do hospedeiro, pelas células inflamatórias, pelos antibióticos e pelos antissépticos (Gibson et al., 2009; James et al., 2008; Costerton J, Stewart, 2001). Wolcott e Rhoads (2008) corroboram, defendendo que o sistema imunitário e os antibióticos são mais bem-sucedidos em destruir bactérias individuais do que em biofilmes.

Para além das já mencionadas resistências, os biofilmes demonstram, também, resistência acrescida à radiação UV (Elasri & Miller, 1999) e à desidratação, pois a matriz de EPS é altamente hidratada. Flemming (1991) e Mittelman (1998) acrescentam, defendendo que os biofilmes têm processos de protecção contra factores ambientais agressivos, como por exemplo as flutuações de pH, concentração de sais, desidratação, substâncias químicas agressivas, agentes bactericidas (biocidas), predadores, antibióticos.

Existem algumas explicações que defendem as suas multi-resistências, tais como as que iremos explanar.

  1. O desenvolvimento preferencial em superfícies inertes, tecidos mortos e instrumentos médicos (Costerton et a.l, 1999, Yasuda et al., 1994).
  2. A capacidade para estabelecer e colonizar nichos ecológicos (Flemming, 1991; Mittelman, 1998).
  3. A facilidade de desenvolvimento de microconsórcios que permitem o estabelecimento de relações de simbiose, bem como a utilização de substratos de difícil degradação (Flemming, 1991; Mittelman, 1998). Os biofilmes são ambientes ideais para o desenvolvimento de relações sintróficas, que é um tipo de simbiose onde dois tipos de organismos metabolicamente distintos dependem um do outro para utilizarem certos substratos, na produção de energia.
  4. A matriz polimérica parece funcionar como uma barreira protectora contra factores agressivos externos – efeito Blocking (Phillips et al., 2010). De acordo com alguns autores, esta matriz EPS tem o potencial de prevenir o acesso físico de certos agentes antimicrobianos (Allison, 2003; Elvers & Lappin-Scott, 2000;).
  5. O quorum sensing regula actividades celulares, como a produção de metabolitos, como enzimas citotóxicas, conforme já referido. Loryman e Mansbridge (2007), citados por Steinberg (2011), observaram que o efeito do quorum sensing inibia a migração de queratinócitos.
  6. O aumento da concentração de nutrientes nas interfaces líquido-biofilme uma vez que a matriz polimérica favorece a adsorção de moléculas de nutrientes (Flemming, 1991; Mittelman, 1998).
  7. Os componentes da membrana externa das bactérias envolvidos na aderência, tais como pili, e a actividade flagelar por parte das células fixas inicialmente, designada por twitching motility, são necessárias para o desenvolvimento de biofilmes, como a de P. aeruginosa (O’Toole & Kolter, 1998).
  8. O crescimento lento dos biofilmes é um factor facilitador à resistência (Costerton et a.l, 1999; Yasuda et al., 1994). Estas microcolónias têm ecologia diferente das formas planctónicas, pois elas proliferam mais devagar, prejudicando, portanto, a sua resposta a muitos antibióticos que agem essencialmente quando as células se encontram na fase mitótica. De acordo com Phillips et al. (2010), as bactérias em biofilme podem se encontrar, mesmo, em estado de hibernação, conforme já referido, em que as células estão metabolicamente quiescentes. As bactérias precisam de ser metabolicamente activas para poderem ser eliminadas pelos antibióticos.
  9. A libertação de antigénios que levam à produção de anticorpos específicos e formação de imunocomplexos que podem provocar lesões nos tecidos adjacentes (Phillips et al., 2010; Costerton et a.l., 1999).
  10. A possibilidade de troca de material genético devido aos longos tempos de retenção dos microrganismos (Flemming, 1991; Mittelman, 1998). Assim, esta comunidade bacteriana adquire novas informações genéticas. O designado processo de conjugação, ou seja, o mecanismo de transferência de plasmídios (porções de DNA), ocorre a uma taxa superior entre células em biofilmes do que entre células livres (Roberts et al. 1999; Steinberg, 2011), e estirpes de relevância médica contendo certos plasmídios demonstram maior tendência para a formação de biofilmes (Ghingo, 2001). Assim, com esse mecanismo, uma mesma bactéria pode adquirir resistência simultânea contra diversos antibióticos diferentes das bactérias vizinhas (Steinberg, 2011; Phillips et al., 2010).
  11. Apresentam processos de transferência diferentes (Stewart, 2003), ou seja, as implicações físicas do crescimento em sistemas geometricamente tão diferentes, como o caso dos biofilmes em comparação com as células livres. Em culturas de células livres ou planctónicas, o transporte de solutos do meio líquido (normalmente bem homogeneizado) para uma célula, ou vice-versa, é um processo relativamente rápido, não constituindo um passo limitante na totalidade dos bioprocessos que ocorrem na célula. Agregados microbianos, no entanto, são ambientes densamente empacotados onde o fluxo de líquido é limitado. Apesar do facto de se observar fluxo de líquido ocorrendo nos canais de água dos biofilmes (De Beer et al. 1994; Stoodley et al., 1994), nos agregados em si, toda a transferência de massa se dá através de difusão (De Beer et al., 1994), um processo muito mais lento. Este facto é ainda agravado por limitações difusionais acrescidas, causadas pela matriz do biofilme (Stewart, 2003). Em agregados microbianos suficientemente espessos, usuais em biofilmes, as distâncias difusionais são suficientemente grandes para que o transporte de solutos de e para as células bacterianas interiores se torne lento em comparação com as cinéticas de bioprocessos dos microrganismos. Nestas situações formam-se gradientes de solutos no biofilme, e a transferência de massa torna-se num processo limitante para os bioprocessos (Characklis et al., 1990). Limitações de transferência de massa que impedem penetração eficiente de antibióticos no biofilme são também, frequentemente, apontadas como possíveis causas para a resistência a antibióticos.

De acordo com Donlan e Costerton (2002) e Gilbert et al. (2003), as limitações difusionais à passagem do agente pela matriz extracelular, são muitas vezes acompanhados por alterações/mutações fenotípicas das células no biofilme e ainda com o desenvolvimento de mecanismos de resistência por alteração do genótipo das células.

Nestes ambientes em limitação de transporte de solutos, os gradientes de concentração formados constituem condições favoráveis para a criação de micro-nichos. Baixas concentrações de oxigénio podem originar micro-ambientes propícios à proliferação de organismos anaeróbios, apesar da presença de oxigénio em solução no meio líquido.

Em suma, a resistência ocorre em função de inúmeros factores inter-relacionados, incluindo actividade metabólica diferencial, barreiras de difusão e ultra-estrutura da parede celular.

É fundamental, ainda, fazer a diferenciação dos 3 tipos de resistência: 1) resistência natural ou inerente ou intrínseca; 2) resistência adquirida devido à mutação e, 3) resistência por adaptação (Cloete, 2003; Heinzel, 1998).

Dos diferentes tipos de resistência bacteriana, a resistência intrínseca é considerado o mecanismo mais utilizado pelas bactérias para se adaptarem às condições físico-químicas agressivas a que são submetidas (McDonnell & Russell, 1999).

Bactérias intrinsecamente resistentes são aquelas cujas propriedades naturais podem reduzir ou prevenir acções bacterianas. Um microrganismo, que apresente uma maior capacidade de produção de polímeros extracelulares, adere com maior facilidade a substratos sólidos por ligação entre as cadeias de polímeros situadas na parede do organismo e no substrato. Geralmente é verificado que as bactérias Gram – são menos susceptíveis a biocidas e antibióticos do que as bactérias Gram+ (McDonnell & Russell, 1999).

No caso da resistência adquirida, os mecanismos de resistência surgem, geralmente, como resultado da aquisição de material genético ou de mutação. Também podem ocorrer trocas genéticas resultantes da conjugação, transformação ou mutações no genoma da célula (Cloete, 2003; Lambert et al., 2001). Numa colónia de biofilme, onde as células microbianas estão mais próximas umas das outras, acredita-se que esta proximidade pode aumentar a troca de material genético.

A resistência adaptativa é um tipo de resistência que as bactérias rapidamente perdem assim que se alteram as condições fisiológicas (Heinzel, 1998).

1.3. Considerações Finais

O biofilme cada vez mais revela ser uma entidade de extrema relevância clínica, pois não somente constitui um entrave à cicatrização, pelo componente infeccioso, mas também consequentemente, pelo estímulo inflamatório que promove a cronicidade da ferida crónica.

Mais uma vez a evidência científica disponível vem a salientar a complexidade desta entidade, que lhe confere ainda uma série de mecanismos de resistência face às modalidades terapêuticas tradicionais. Mais do que salientar o papel do biofilme na cronicidade da ferida, pretendeu-se com esta revisão, alertar para a necessidade de desenvolver estratégias cada vez mais diversificadas de abordagem deste problema, bem como para o abandono de algumas, ditas tradicionais, que podem trazer mais maleficio que beneficio, ao potenciar o desenvolvimento de microorganismos multi-resistentes, sendo que ficou bem patente a capacidade desta comunidade microbiológica, em desenvolver variados mecanismos de resistência.

A ideia central que fica, assenta na necessidade de desenvolver estratégias dirigidas ao biofilme, sempre que haja probabilidade da sua presença, para podermos ter um verdadeiro “biofilm based wound care”, pois se não encararmos esta entidade como associada à ferida, mas diferente desta, as consequências podem vir a ser desastrosas para o prognóstico da ferida.

É fundamental portanto saber reconhecer sinais e sintomas, que sugiram grande probabilidade de presença de biofilme e dispor de alternativas capazes para o seu tratamento, algumas já existentes, outras em desenvolvimento, mas que sejam verdadeiramente efectivas pois o biofilme já mostrou ser verdadeiramente complexo e eficaz, no que respeita à sua sobrevivência em relação a agressões exteriores.

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