Oct 3, 2013

RESUMO:

O propósito do artigo é, através de pesquisa bibliográfica e análise reflexiva, abordar a importância, o impacto e levantamento de estratégias adequadas no cuidado ao doente e família com dor crónica oncológica tendo como foco a qualidade de vida (QdV).

Centramos atenção na evolução histórica do conceito de qualidade de vida e a importância actual na definição do tratamento adequado à pessoa e família; na contextualização da noção de QdV num indivíduo saudável, QdV na pessoa com doença oncológica e qualidade de vida relacionada com a saúde (QdVRS). Seus campos de implicação e abrangência; ética clínica e QdV; instrumentos de medição da QdV e sua importância na prática do cuidar.

Relevamos que na prestação de cuidados de saúde, a QdVRS é cada vez mais aceite como um objectivo principal. Numa fase mais avançada da doença o enfoque dirige-se da cura para a paliação, sendo o objectivo maior, o incremento do bem-estar com melhoria ou preservação da QdV. A QdV só pode ser medida e descrita em termos individuais, dependendo do estilo de vida actual, das experiências passadas e em esperanças, sonhos e ambições.

QUALITY OF LIFE IN ONCOLOGY

Summary:

The purpose of the article is, by using literature review and reflective analysis,to discuss the importance, impact and bring up of appropriate strategies on patient and family care with chronic oncological pain, focusing on quality of life (QoL).

Our attention was focused: on historical evolution of QoL concept and the current importance of appropriate treatment to patient and family; in the contextualization of the concept of QoLin a healthy person; QoL on person with oncological disease and quality of life related to health (HRQoL); clinical ethics and QoL; QoL measurement instruments and its importance in care practice.

We emphasize that on the provision of health care, the HRQoL is increasingly accepted as a major objective. In a more advanced stage of the disease the focus goes from cure to palliation, the main objective being to increase in welfare with improvement or preservation of QoL. The QoL can only be measured and described on an individual basis, depending on the current lifestyle, past experiences and hopes, dreams and ambitions

Palavras-chave: Oncologia, Qualidade de Vida e Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde

Keywords: Cancer, Quality of Life and Quality of Life Linked to Health

AUTORES:

Rui Fernandes - Licenciado em Enfermagem, Especialista em Enfermagem de Reabilitação (Escola Superior Enfermagem de Lisboa), Mestre em Ciências da Dor (Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa), Centro Hospitalar Lisboa Norte, Unidade de Infecciologia Respiratória, Lisboa, Portugal. (ruidpf1@gmail.com)

Carla Fernandes Licenciada em Ciências Farmacêuticas (Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa), Clínica de Santo António, Serviços Farmacêuticos – Amadora, Portugal

Sandra Costa – Licenciada em Enfermagem, Especialista em Enfermagem de Reabilitação (Escola Superior de Enfermagem de Lisboa), Hospital Beatriz Ângelo, Serviço de Urgência Pediátrica, Loures, Portugal

Eduardo Pinheiro – Licenciado em Enfermagem (Escola Superior de Enfermagem São Francisco das Misericórdias, Lisboa), Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica, Hospital Beatriz Ângelo, Serviço de Pediatria – Loures, Portugal.

Filipa Aguiar – Licenciada em Enfermagem (Escola Superior de Enfermagem Cidade do Porto), Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Unidade de Oncologia Pneumológica, Lisboa, Portugal.

Contacto : Rui Fernandes - Telef.914200750, e-mail: ruidpf1@gmail.com

QUALIDADE DE VIDA EM ONCOLOGIA

HISTORIA

Actualmente, podemos afirmar que qualidade de vida (QdV) “está na moda”. Assistindo-se a uma valorização crescente desta nas ciências biomédicas.

Até ao século XX raramente foi mencionada embora a preocupação sobre este tema tenha já referências na antiguidade quando Aristóteles falava no conceito de “boa vida”(Pimentel, 2006).

A definição de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1948, será próxima de uma definição de QdV, dando grande importância às dimensões física, mental e social (Fayers, 2000).

A popularização da QdV ocorreu após a segunda guerra mundial, quando nos anos 60 os políticos passaram a utilizar a expressão nos seus discursos (Frisch, 2000). Nas décadas de 60 e 70 ocorreram mudança de valores e objectivos sociais, com uma diminuição dos interesses materiais e um incremento dos valores, das necessidades sociais e psicológicas (De Haes, 1985).

A QdV é um campo de investigação relativamente recente da Medicina, mais precocemente desenvolvido nas doenças oncológicas e cardiovasculares, e posteriormente em muitas outras áreas da Medicina. O seu aparecimento ficou a dever-se ao uso da expressão pelos políticos, surgindo na literatura médica em 1960 (Elkington, 1966).

A partir do final da década de 60 começaram a surgir, nos “hospícios” ingleses as unidades de cuidados paliativos e as clínicas de dor. A Organização Nacional de Hospícios Americana, fundada em 1977, define como seu objectivo um conjunto de serviços paliativos e de suporte capazes de proporcionar cuidados físicos, psicológicos, sociais e espirituais aos doentes e suas famílias. Trata-se de um processo de personalização, abandonando o modelo biomédico, não considerando unicamente o corpo enfermo, mas sim o ser humano numa perspectiva holística, ou seja, como um todo (Pimentel, 2006).

Esta mudança na abordagem da pessoa com doença crónica facilitou o aparecimento da investigação da qualidade da sobrevivência dos doentes crónicos. Expandiu-se a palavra “tratamento” incluindo-se a paliação. A biomedicina das doenças crónicas cria nessa altura alicerces para o aparecimento da QdV como parte integrante da Medicina (Schou, 1999).

Enquanto a sobrevivência aumentou para os doentes com diversos tipos de neoplasias, a mortalidade não sofreu grandes alterações, e começou a ser importante avaliar a QdV simultaneamente com a sobrevivência (Fallowfiel, 1990). Os objectivos da terapêutica oncológica não podem limitar-se, por exemplo, à redução da massa tumoral ou à sobrevivência mas sim fazer da QdV como parte integrante (Jones, 1987).

A QdV emergiu como um elemento central na oncologia nos anos 80, motivada pelo crescimento acentuado da tecnologia médica usada na terapêutica do cancro e ao crescimento da complexidade das decisões médicas (Macguire, 1989). Este avanço tecnológico da medicina tem permitido que doentes com doença crónica, embora não alcançando a cura, vivam mais tempo. Esse número tem vindo a aumentar (Gerhardt, 1990).

É recente a integração da QdV como objectivo principal em Medicina, mas pode-se constatar que algumas instituições e organizações internacionais já sugerem que a mesma seja considerada como objectivo (Pimentel, 2006). A maioria dos grupos cooperativos de investigação em oncologia tem um grupo de trabalho dedicado à qualidade de vida relacionada com a saúde (QdVRS)

A “European Organization Research Treatment of Cancer” (EORTC) iniciou, em 1986, o desenvolvimento de um questionário para avaliação da QdV em doentes oncológicos.

Também em França, é iniciada a avaliação da QdV, promovida pela Sociedade Francesa de Oncologia (Schraub, 1987).

Nos Estados Unidos da América, em 1990, o National Cancer Institute (NCI), com o objectivo de estudar a implementação da QdV nos ensaios clínicos em oncologia, constitui um grupo de trabalho para esse efeito. Da mesma forma, o “Medical Research Council” em Inglaterra, fez integrar a medida de QdV nos ensaios clínicos (Quality of life and clinical trials, 1995).

A “Food and Drug Administration” recomendou formalmente que nos ensaios clínicos se deveriam privilegiar os critérios ligados aos doentes (sobrevivência e QdV) em detrimento dos critérios ligados à doença oncológica (taxas de resposta e duração), (Beitz, Gnecc & Justice, 1996).

A “Multinational Association of Supportive Care in Cancer” (MASCC), dedica um relevante interesse ao estudo da QdVRS, incluindo uma sub-secção dedicada ao desenvolvimento desta área do conhecimento.

Na prestação de cuidados de saúde, a QdVRS é cada vez mais aceite como um objectivo principal, tão ou mais importante que a avaliação dos sintomas ou do desempenho físico (Fallowfiel, 1990).

Contextualização

Apesar de toda a evolução da medicina, actualmente, ainda cerca de 50% dos doentes morre da sua doença oncológica, pelo que, em determinado momento, o enfoque se dirige da cura para a paliação (Jordhoy, Fayers, Loge, Ahlner-Elmqvist, & Kaasa, 2001), sendo o objectivo maior o incremento do bem-estar. A abordagem tem como objectivo principal a melhoria ou preservação da QdV.

Durante o século XX ocorreu, nos países desenvolvidos uma alteração no padrão das doenças. Os principais problemas de saúde passaram das patologias agudas para as doenças crónicas, que persistem, recidivam e necessitam de tratamentos/cuidados por longos períodos; onde se incluem as doenças oncológicas. Para muitos doentes o cancro deixou de ser uma doença rapidamente fatal, tornando-se crónica que dura meses ou anos, com tratamentos complexos e muitas vezes com muitos e severos efeitos adversos (Pimentel, 2006).

Em todas as sociedades, é evidente um aumento da incidência e mortalidade por cancro, devido a uma mudança de estilo de vida, ao envelhecimento da população ou aumento da esperança de vida e a melhores técnicas de diagnóstico (DGS, 2005). O cancro é a segunda causa de morte logo após as doenças cardiovasculares nos países industrializados (Breslow, 1972) e (Bailar & Gornik, 1997).

Em Portugal, a doença oncológica representa uma causa importante de morbilidade e mortalidade, sendo diagnosticados anualmente 40 a 45 mil novos casos de cancro. Pode afirmar-se que em Portugal, tal como na União Europeia (UE), o risco de um indivíduo vir a desenvolver um cancro durante a vida é cerca de 50%, e de este ser a causa de morte é de 25% (DGS, 2005). Contrariamente aos restantes países da EU, em Portugal a mortalidade por cancro continua a aumentar, o que nos torna o país da EU em pior situação neste aspecto (Boyle & Ferlay, 2005) e (DGS, 2005).

A doença oncológica é, sem dúvida, um grave problema de saúde pública, implicando custos elevados (não só económicos, mas também sociais). A nível individual não existe nenhuma dimensão da vivência que não seja afectada. O cancro altera a percepção do indivíduo perante o ambiente que o rodeia e as experiências associadas a ele resultam num desequilíbrio espiritual (White, 2004). Esta doença está associada a perdas e o seu diagnóstico e tratamento têm consequências psicológicas com importantes repercussões na QdV (White 2004).

O sucesso da terapêutica oncológica é habitualmente descrito em termos de tempo livre de doença, sobrevivência, complicações e toxicidade, embora a complexidade da doença oncológica não se esgote nestes parâmetros. A percepção que o doente oncológico tem acerca de tudo que ocorre e está ligado à sua doença, é muito mais globalizante: há a assunção do papel central da sua vivência. O choque do diagnóstico, a dor e o stress das terapêuticas, as restrições ao seu desempenho físico e intelectual, as limitações nas actividades diárias, a estigmatização social, o lidar com situações que põem em risco a vida e que vão diminuir a esperança de vida. Todos estes parâmetros têm de ser tidos em conta (Cabana et al., 1999) e (Lorenz et al., 1999). Sempre que se estabelece uma estratégia terapêutica para um doente oncológico é necessário que, além da avaliação clássica, seja efectuada a avaliação da QdV.

Para os indivíduos saudáveis a noção da QdV reporta-se a termos como riqueza, lazer, autonomia, liberdade, ou seja, tudo o que proporciona um dia-a-dia agradável. Num doente a QdV é um conceito relativo, que se refere ao nível de satisfação em função das suas possibilidades actuais condicionadas pela doença e terapêuticas, comparadas com aquelas que pensa serem possíveis ou ideais (Nordenfelt, 1994).

O conceito de qualidade de vida ligado à saúde é diferente do conceito de QdV global. Cada pessoa tem a sua escala de valores mas podem-se encontrar elementos comuns à generalidade dos doentes. Não existe uma única definição de Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QdVRS), mas pode ser descrita, de forma funcional, como a percepção dos doentes sobre as suas capacidades em quatro grandes dimensões: bem-estar físico e actividades quotidianas, bem-estar psicológico, relações sociais e sintomas (Pimentel, 2006).

O interesse dos médicos em geral e dos oncologistas em particular pela QdV tem vindo a aumentar, mas ainda não está cimentada como uma componente importante na prática clínica. Um inquérito efectuado em Portugal (Pimentel, 2002) a 396 médicos, onde apenas 82 responderam, constatou-se que 95% referiam que QdV é fundamental para proporcionar bons cuidados e 93% concordavam que a QdV é útil para tomar decisões a nível individual. Contrariando esta belíssima percentagem, neste grupo de médicos apenas 40% refere utilizar a QdV na prática clínica, 73% confere maior relevo à toxicidade e aos efeitos adversos do que à QdV e 35% confiam na experiência profissional para avaliar a QdV.

Dos resultados deste inquérito pode-se concluir que, na abrangência da prestação de cuidados aos doentes oncológicos, a QdV ainda não é, de facto, uma realidade considerada.

Uma vez que muitos dos doentes têm que viver a sua doença crónica durante toda a vida, a avaliação da QdV constitui um aspecto importante de qualquer plano de tratamento (Bennett, 2002). A avaliação da QdV nos doentes oncológicos é cada vez mais valorizada, também devido à preocupação com a autonomia e direitos dos doentes e com o papel dos factores psicossociais (Sales, 2001).

Uma causa profunda de perturbação da qualidade de vida é certamente a dor, sobretudo a crónica. A dor não atinge unicamente um órgão, irradia para todo o corpo, perturba as actividades, diminui a concentração intelectual, transforma o psíquico, provoca stress no grupo familiar e empobrece as relações sociais (Barnett, 2001)

Quer no dia-a-dia, quer na realização de ensaios clínicos, a integração de QdV não se verifica com a frequência desejada, privilegiando-se a avaliação de parâmetros que alguns autores designam por “informação dura”, ou seja, o estádio da doença, a taxa de respostas e a sobrevivência. Pelo contrário, os aspectos físico-funcionais, psicológicos, sociais, económicos, e outros que constituem o que se designa por “informação branda”, subjectiva e considerados erradamente de medição impossível, são negligenciados ou esquecidos (Pimentel, 2006).

Definição de qualidade de vida

Não existe uma definição clara do conceito de QdV. Existem inúmeras propostas de definição.

Uma das referências mais antigas, e que mais se pode assemelhar com uma definição de QdV é de Aristóteles (384-322 a.C.) que escreveu: “ Quer a pessoa mais modesta ou mais refinada… entende “vida boa” ou “ estar bem” como a mesma coisa que “estar feliz”. Mas o que é entendido como felicidade é discutível… Uns dizem uma coisa e outros, outra e a mesma pessoa diz coisas diferentes em tempos diferentes: quando está doente pensa que a saúde é a felicidade; quando está pobre felicidade é riqueza(Fayers & Bottomley, 2002)

Nos séculos XVI-XVII, Coménio, falou da relação entre saúde, educação e higiene com o objectivo de estabelecer fundamentos para o prolongamento da vida, manifestando maior preocupação com o destino que atribuímos à nossa vida do que com a sua duração em anos. De salientar que, já nessa época, se identifica a preocupação pela saúde e QdV e contra os problemas decorrentes dos excessos cometidos com o corpo (Pimentel, 2006).

Tiel, McNeiel e Bush, propuseram uma definição de QdV, como sendo um conceito global, que inclui as vertentes psicológica, social e física e, incorpora tanto os aspectos positivos de bem-estar, como os aspectos negativos da doença (Pimentel, 2006).

Esta definição diz-nos que dentro da QdV existem quatro dimensões: física e desempenho (que pode ser dominante em caso de existência de dor, ou efeitos adversos decorrentes da terapêutica), psicológica e bem-estar, social e espiritual (frequentemente esquecida, relacionada com a religião e o nível de cultura do indivíduo). Esta última dimensão existe mesmo quando a pessoa não tem crença religiosa, resultando da reflexão que o doente faz da sua própria vida (Pimentel, 2006).

Levine e Croog propuseram uma definição multidimensional: a funcionalidade ou a interacção do indivíduo com o meio, nas suas diversas vertentes social, física, emocional ou intelectual e a percepção subjectiva que engloba o sentido geral de satisfação do indivíduo e da sua própria saúde, em relação com a das outras pessoas que o rodeiam (Lima, 2002). Este conceito enquadra-se na definição de saúde da OMS: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença”( Brunier, Carson & Harrison, 1995).

Em 1984, Calman propõe que a QdV só pode ser medida e descrita em termos individuais, dependendo do estilo de vida actual, das experiências passadas e em esperanças, sonhos e ambições (Pimentel, 2006).

Há quem defina a QdV como uma avaliação subjectiva à vida, como um todo, englobando a subjectividade e a necessidade de uma avaliação multidimensional e global (Gerhardt, 1990), outra definição baseia-se na avaliação e a satisfação do indivíduo com o seu nível funcional e global, comparando o que ele entenda ser possível, desejado e ideal, realçando o valor que cada um dá à sua vida actual (Gerhardt, 1990). Daqui, podemos retirar que a definição e significado de QdV é diferente de pessoa para pessoa, sustentado numa perspectiva multidimensional não sendo possível uma conceitualização universal, implicando uma flexibilidade e compreensão tal que permita ser aplicado a todos os doentes, independentemente da fase da doença em que se encontram (Herrmann, 1997).

Numa tentativa de definir QdV, a OMS, propôs em 1993, que fosse considerada “ a percepção que o indivíduo tem do seu lugar na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais vive, em relação com os seus objectivos, os seus desejos, as normas e as suas inquietudes. É um conceito muito amplo que pode ser influenciado de maneira complexa pela saúde do indivíduo, pelo estado psicológico e pelo seu nível de independência, a suas relações sociais e as suas relações com os elementos essenciais ao seu meio”(Taylor, 2001)

Assumindo-se e percebendo-se que a QdV é um sentimento individual, significando diferentes coisas para diferentes pessoas, quando a queremos ver numa perspectiva de saúde, entramos noutro conceito que é o da QdVRS.

Quando se aborda o conceito de QdVRS em relação a um indivíduo extremamente doente, devemos ter em consideração que qualquer aspecto da vida está quase sempre relacionado com a saúde (Hardman, Maguire, & Crowther, 1989).

Os doentes dão uma importância muito grande à saúde. Na avaliação da QdV global, a percepção individual do estado geral de saúde é o mais importante em relação a todas as outras vivências (Cano, Gillis, Heinz, Geisser, & Foran, 2004).

Em 1990 Tchkmedylan (Tchekmdyian et al 1990) propõe o seguinte esquema para definir a QdVRS, as suas dimensões e respectivas componentes.

Esquema – Dimensões e respectivas componentes da qualidade de vida relacionada com a saúde

DOR

NÁUSEAS

SINTOMAS

EFEITOS ADVERSOS

ANOREXIA

ANSIEDADE

FAMÍLIA

INTERACÇÃO

DESEMPENHO

SOCIAL

ESTADO

PSICOLÓGICO

TEMPO

AMIGOS

TRABALHO

LASER

SATISFAÇÃO

C/ OS CUIDADOS

DEPRESSÃO

QdVRS

DESEMPENHO

FUNCIONAL

FADIGA

CUIDADOS

PESSOAIS

MOBILIDADE

Actualmente verifica-se uma intensa actividade de investigação da QdVRS em oncologia, utilizando vários modelos de QdVRS e, apesar de algumas indefinições e incertezas, obtiveram-se alguns consensos (Pimentel, 2006):

  • Definição – QdVRS é um conceito multidimensional, que traduz o bem- estar subjectivo do doente, nas vertentes física, psicológica e social, as quais se podem subdividir noutras dimensões. O domínio físico refere-se à percepção que o doente tem da sua capacidade em realizar as suas actividades diárias. O domínio social refere-se à capacidade do doente se relacionar com os membros da família, vizinhos, amigos e outros. Por fim, o domínio psicológico incorpora aspectos do bem-estar emocional e mental, como depressão, ansiedade, medo e raiva.
  • Subjectividade: a QdVRS depende da percepção individual, crenças, sentimentos e expectativas. A natureza da subjectividade da QdVRS implica que os questionários devam ser completados pelo próprio doente e não por outra pessoa.
  • Dinamismo: a QdVRS é dinâmica, mudando ao longo do tempo, dependendo das modificações no doente e das modificações em seu redor.
  • Medida: existem instrumentos de medida da QdVRS validados e que permitem a sua avaliação de forma normalizada.
  • Necessidade: a QdVRS deve ser considerada como o objectivo principal, nas doenças crónicas e incuráveis.

A QdVRS é uma componente da QdV do indivíduo constituída pelos componentes que se relacionam com a saúde (doença ou terapêutica), devendo abranger os sintomas produzidos pela doença ou tratamento, a funcionalidade física, os aspectos psicológicos, sociais, familiares, laborais e económicos, já que todos se inter-relacionam e influenciam mutuamente (Pimentel, 2002).

Constatam-se assim, vários domínios que afectam de forma decisiva a QdVRS, em especial a do doente oncológico (Ahmedzai, 1995) e (Pimentel 2002):

  • Sintomatologia física, como a dor, a anorexia, a fadiga, a qualidade do sono;
  • Funcionalidade física, com alteração da mobilidade e actividade física;
  • Papéis sociais e funcionamento social, com aspectos da independência, capacidade de continuar a trabalhar seja fora ou dentro de casa, interferências nas actividades de lazer;
  • Função cognitiva, em que se engloba a capacidade de concentração, a memória, a confusão e a desorientação;
  • Estado emocional, com ansiedade, depressão, sentimento de culpa e revolta, cólera;
  • Sexualidade, com interferência na imagem corporal, libido e actividade sexual;
  • Económico-financeiro, no qual se devem incluir os problemas relacionados com os familiares que o ajudam directamente;
  • Espiritualidade, em que intervêm o prognóstico, as dúvidas, a dignidade e o sentimento de estar em paz;
  • Autonomia, com a capacidade de manter o controlo das situações e decisões da capacidade de escolha;
  • Satisfação, de uma forma geral.

Ética clínica e qualidade de vida

Depois de terem sido consideradas as indicações médicas e as preferências do doente deve seguir-se uma discussão sobre a QdV do doente antes da doença actual e a QdV que pode ser esperada com e sem tratamento (Jordhoy et al., 2001)

O objectivo mais fundamental dos cuidados de saúde é a melhoria da QdV daqueles que deles necessitam e que a eles recorrem. O alívio da dor e a recuperação funcional são aspectos particulares deste conceito. O objectivo de se atingir a melhor QdV possível no doente deve servir como ponto de orientação e meta desde a fase de diagnóstico (Jordhoy et al., 2001).

A avaliação da QdV deverá estar englobada em todas as discussões acerca da prestação de cuidados mais adequados. Os profissionais de saúde e os doentes devem determinar que nível de QdV é desejável, como pode ser atingido e quais os seus riscos e vantagens. As considerações sobre a QdV focam-se nas consequências a longo prazo da aceitação ou da recusa das recomendações da intervenção médica; contrariamente à avaliação dos riscos e benefícios considerados no âmbito do tratamento médico que são relativamente imediatos (Jordhoy et al., 2001).

A referência à QdVRS pode ser usada em vários sentidos, podendo a sua invocação provocar confusão. Para que tal não aconteça será importante realçar algumas distinções:

  • O julgamento de uma má QdV pode ser feito por aquele que a vive ou por um observador. Acontece frequentemente que as vidas que os observadores consideram de má qualidade são vividas bastante satisfatoriamente pelos próprios. Assim, se os doentes podem avaliar e exprimir a sua própria QdV, outras pessoas não devem presumir ou julgar, mas antes procurar saber a opinião do doente. Da mesma maneira quando a avaliação da própria pessoa não é, ou não pode ser, conhecida por outros, esses mesmos devem ser muito cautelosos ao aplicarem os seus próprios valores.
  • Uma má QdV pode significar, de um modo geral, que as experiências do doente ficam aquém do padrão que o próprio considera como desejável. Em cada caso a experiência em causa é diferente (pode ser dor, perda de mobilidade, existência de muitos e debilitantes problemas de saúde, perda da capacidade mental e da alegria da interacção das relações humanas, perda da alegria de viver, etc…). Uma má QdV pode reportar-se a situações diferentes.
  • A avaliação da QdV, tal como a própria vida, muda ao longo do tempo. Assim, os prestadores de cuidados devem ser prudentes, não tomando decisões com base em condições que poderão ser transitórias.
  • A avaliação pode reflectir um enviesamento e um preconceito. Julgar-se que um doente com atraso mental tem má QdV ou pessoas de uma determinada raça ou nível social pode reflectir o nosso enviesamento.
  • A avaliação pode reflectir condições sócio-económicas em vez da vida experimentada pelo doente, como por exemplo, a falta de cuidados domiciliários, de reabilitação ou educação especial. Os prestadores de cuidados podem contribuir para ultrapassar estes obstáculos e influir na melhoria da QdV (Jordhoy et al., 2001).

Quando há necessidade que pessoas autorizadas, tal como os parentes próximos, procuradores com poderes duradouros, de tomarem decisões pelo doente, estas devem seguir os desejos previamente conhecidos ou, se eles não são conhecidos, devem decidir no melhor dos interesses do doente; a QdV que ele escolheria se o pudesse fazer(Jordhoy et al., 2001).

Ao avaliar se um procedimento ou tratamento seria no melhor interesse do doente, o representante deve ter em conta factores como o alívio do sofrimento, a preservação ou recuperação da função, assim como a qualidade e extensão da vida conseguida. Uma avaliação rigorosa abrangeria a consideração dos desejos actuais, as oportunidades da satisfação futura e a possibilidade de desenvolver ou recuperar a capacidade de autodeterminação(Jordhoy et al., 2001).

Dado que avaliação da QdV é tão subjectiva, observadores diferentes avaliarão certamente de forma diferente certas formas de vida e cada pessoa avalia a sua QdV de forma única. Portanto, as avaliações da QdV, quer sejam pessoais, quer de um observador, são subjectivas no sentido de que reflectem as crenças e os valores pessoais, os gostos e as antipatias de quem faz o julgamento. Assume-se que não existem critérios objectivos claros em relação aos quais se possam aferir os juízos de valor e/ou acerca dos quais todas as pessoas possam estar de acordo na avaliação da QdV. Poderá existir uma larga concordância, praticamente universal sobre as descrições seguintes: (Jordhoy et al., 2001).

  • Qualidade de vida restrita é uma descrição objectiva apropriada a uma situação em que uma pessoa sofre de deficiências graves da saúde física ou mental, ou seja, as capacidades funcionais da pessoa afastam-se da normalidade humana. A avaliação pode ser feita pela própria pessoa ou por observadores, podendo a avaliação do observador e a da pessoa diferir.
  • Qualidade de vida mínima é uma descrição objectiva apropriada para uma situação em que um doente ou um observador encara uma pessoa cuja situação física geral se deteriorou consideravelmente, cuja capacidade de comunicar com os outros está gravemente restrita e que sofre desconforto e dor.
  • Qualidade de vida abaixo do mínimo é uma descrição objectiva apropriada para uma situação em que um doente apresente uma extrema debilitação física assim como uma perda completa e irreversível da actividade sensorial e intelectual. Poderia, este estado, ser descrito como não tendo qualidade, visto que a pessoa não tem capacidade para a avaliação pessoal. Esta aplica-se a pessoas num estado vegetativo persistente.

Muitas pessoas, ao depararem-se com estas possíveis situações futuras, principalmente as duas últimas, diriam “antes queria estar morto”. Esta é uma assunção cautelosa, porque as pessoas parecem julgar diferentemente quando imaginam uma situação e quando se encontram nela(Jordhoy et al., 2001).

A QdV dos doentes terminais é aumentada por uma adequada prestação de cuidados paliativos. Os doentes não devem ser mantidos num regime inadequado para controlar a dor e outros sintomas por causa da ignorância dos profissionais de saúde ou devido a um medo infundado de toxicodependência (Jordhoy et al., 2001).

As tentativas para conseguir um alívio adequado da dor podem ter um outro efeito acessório, nomeadamente a obnubilação da consciência do doente com redução da sua capacidade de comunicar com a família e os amigos. Este duplo efeito pode ser eticamente perturbador para os profissionais de saúde. Uma atenção com sensibilidade às necessidades do doente em conjunto com um tratamento médico adequado, devem conduzir tanto quanto possível ao objectivo desejável, ou seja, um máximo alívio da dor e uma mínima diminuição da consciência e da comunicação. Caso o doente consiga exprimir as suas preferências, estas devem ser seguidas(Jordhoy et al., 2001).

O alívio da dor e a manutenção das funções são ambos objectivos dos cuidados de saúde. No entanto, quando o objectivo de prolongar a vida não pode ser atingido, o alívio da dor e outros sintomas torna-se o objectivo prioritário durante o tempo de vida que resta ao doente (Jordhoy et al., 2001).

Os fármacos utilizados no alívio da dor, como na maior parte dos medicamentos, têm riscos e, face a uma morte eminente, um regime de doses e os riscos mais elevados que comporta podem ser tolerados(Jordhoy et al., 2001).

A dor é apenas uma das componentes de um fenómeno que também é psicológico, social e espiritual, geralmente designado por sofrimento. Os profissionais devem concentrar-se no alívio da dor na sua componente fisiológica, psicológica, social e espiritual. Os profissionais de saúde devem ter atenção a estas componentes e procurar ajuda em outros peritos para corresponder às necessidades do doente e família (Jordhoy et al., 2001).

Medição da qualidade de vida

Enquanto se assiste a uma crescente prática de avaliação da QdVRS, medi-la constitui uma das tarefas mais difíceis.

Tal como para qualquer outro aspecto da investigação clínica, o conceito de níveis de evidência aplica-se à medida de QdVRS (Payne & Gonçalves, 2004)

Um baixo nível de evidência corresponde às avaliações feitas utilizando um único item para avaliar QdVRS ou instrumentos desenvolvidos para um trabalho em particular, sem que tenha sido feita a prévia validação (Pimentel, 2004).

Um nível médio de evidência pode ser atingido utilizando instrumentos validados de uma forma genérica, mas ainda, sem utilização em populações oncológicas, ou medindo uma única dimensão da QdVRS (Pimentel, 2004).

O nível mais elevado de evidência obtém-se quando se utilizam instrumentos que avaliem as várias dimensões da QdVRS e que estejam validadas na população oncológica, como por exemplo o FACT-G ou o QLQ-C30 da EORTC (Pimentel, 2004).

Apesar da avaliação da QdV ser considerada fundamental, trazer benefícios e ser importante para avaliar o resultado dos tratamentos médicos (Bonica, 1985) e (Levi et al, 1999), existe também alguma confusão e dúvidas acerca de como deve ser avaliada. Isto parece reflectir as importantes limitações conceptuais e metodológicas do conceito de QdV (Wright, 2002).

O desenvolvimento de instrumentos de avaliação de medida da QdVRS baseia-se nos princípios de construção e validação de testes. O questionário deve ser prospectivo e reflectir o que se pretende medir, isto é, a QdVRS.

Os questionários podem ser auto-administrados, administrados com a ajuda de um entrevistador ou assistidos por computador (Kuuppelomaki, 1998).

Os principais objectivos dos questionários de avaliação da QdVRS são: avaliar o doente, o seu prognóstico, o impacto da terapêutica utilizada, distinção entre doentes ou grupos de doentes, além de comparar modalidades de tratamento com taxas de cura similares (Beitz et al., 1996) e (Gouveia, 2004).

Bibliografia

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Nov 21, 2012

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Cross-Cultural and Psychological Concept of Cancer as a Disease

Concepto de Cross-Cultural y Psicológico del Cáncer como Enfermedad

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AUTORES: Antónia Maria Nicolau Espadinha, Vítor António Soares Santos

Resumo

É inegável o impacto e a influência que o cancro exerce na sociedade, que continua a rodear esta doença de mitos e crenças ligadas a representações sociais acerca de uma doença que assume um carácter fatalista, pela sua complexidade, dificil cura e sofrimento associado. Sem sombra de dúvida, são aspectos intemporais e com um impacto significativo na comunicação entre o profissional de saúde e a pessoa com doença oncológica.

Palavras-chave: Cancro; Mitos; Crenças; Comunicação

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Abstract

There is no denying the impact and influence that cancer has on society, which continues to surround this disease with myths and beliefs linked to social representations about a disease which is both fatalistic, because of their complexity, difficulty to achieve a cure and suffering associated. Undoubtedly, aspects these are timeless and have a significant impact on communication between health professionals and the person with cancer.

Keywords: Cancer; Myths; Beliefs; Communication

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Resumen

No se puede negar el impacto y la influencia que el cáncer tiene en la sociedad, que sigue rodean esta enfermedad mitos y creencias relacionados con las representaciones sociales acerca de una enfermedad que es tanto fatalista, debido a su complejidad, difícil curación y el sufrimiento asociado. Sin lugar a dudas, los aspectos son intemporales y tienen un impacto significativo en la comunicación entre los profesionales de la salud y la persona con cáncer.

Palabras clave: Cancer; Mitos; Creencias; Comunicación

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INTRODUÇÃO

Para cuidar de doentes oncológicos os profissionais de Saúde, tem de enfrentar o facto de haver uma doença chamada Cancro, que em alguns casos é curável, muitos doentes podem viver muitos anos com a doença controlada e inevitavelmente outros podem morrer devido a esta.

Como refere SPEESE-OWENS, (1981) se os profissionais de saúde não conseguirem enfrentar os factos desta forma, eles serão de muito pouca utilidade para o doente e família.

Da nossa experiência profissional é frequente verificar como é difícil a comunicação com doentes oncológicos. No serviço de internamento verifica-se, por exemplo como alguns profissionais têm dificuldade em comunicar com o doente ( ou família ) e como essa dificuldade tem tendência a aumentar, com o decurso natural da doença, levando a que em fases complexas ou terminais desta, a comunicação com o doente se limite mais à execução de tarefas, diminuindo de modo facilmente perceptível a expressão verbal e o “ estar junto”, do doente.

Segundo DENTON (1988:4) as nossas atitudes, crenças, pensamentos ou sentimentos acerca do cancro, determinam a forma como nos comportamos, perante ele, seja como doentes, familiares, amigos, membros do público em geral ou como profissionais da Saúde.

Temos constatado na nossa experiência profissional, que por vezes os profissionais de Saúde, nomeadamente os enfermeiros, encaram o cancro envolto nos mitos e crenças dominantes no público em geral: doença incurável, sofrimento prolongado, são conceitos frequentemente expressos nos media e por vezes verbalizados por enfermeiros, com quem temos trabalhado.

Para BROOKS,A (1990) a influência das atitudes no comportamento é tão importante que alguns autores afirmam que se o profissional de saúde não consegue estar junto dos seus doentes, dum modo genuinamente caloroso e convicto, então o melhor é mudar de profissão já que não é possível fingir atitudes.

Para muitos Psicólogos a atitude que temos em relação a um objecto influenciará o nosso comportamento em relação a ele e em geral atitudes positivas levam a comportamentos positivos e vice-versa.

Foi com base nestas referências e nas reflexões que temos feito ao longo da vida profissional, e em situações concretas que vivenciei , que escolhemos este tema, no sentido de conhecer melhor o contexto psicológico do cancro e os mitos e crenças, que o envolvem, para poder melhorar as atitudes no nosso percurso profissional e poder de alguma forma contribuir para desmistificar esta doença.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CANCRO

O cancro é uma doença conhecida desde a antiguidade.

Segundo DENOIX (1988) encontram-se referências desta doença em papiros egípcios do séc. XVII A.C. ; em restos de esqueletos datados de há mais de cinco mil anos, também foi descoberta a existência de tumores. No entanto já antes na pré-história, foi observada, no esqueleto de um dinossauro uma alteração que os cientistas atribuem a um tumor maligno.

Denoix (1977:13) refere que ao longo da história da humanidade foram encontradas múltiplas referências como por exemplo:

  • a seguir à exploração dos túmulos, encerrados nas pirâmides do Egipto
  • no decurso da decifração das tábuas cobertas de caracteres cuneiformes da Biblioteca de Nenive
  • por ocasião da descoberta dos monumentos funerários dos Etruscos
  • depois do estudo das múmias Peruanas

Segundo SONTAG,S (1991:11) o texto mais antigo em que se encontra referência ao cancro, parece ser o papiro cirúrgico Edwin Smith, que dataria de cerca de 2800 anos A.C. e tem sido atribuído a Imuthes, sumo Sacerdote de Heliopólis, o primeiro – ministro do rei Dsojer do antigo Império Egípcio.

DENTON (1988) diz-nos que a denominação de cancro, vem do grego Karkinos e do latim Cancer, cujo significado é caranguejo. Embora se associe com frequência a sua designação à sua forma de propagação, pela semelhança com a destruição que as patas desse crustáceo provocam naquilo que o rodeia quando se movimenta; o médico romano Galero (160 D.C.) atribui-a à semelhança que as veias engurgitadas observadas nas superfícies dos tumores, tinham com as pernas dos caranguejos.

DENOIX (1988) refere que a doença é considerada incurável, de causa desconhecida e misteriosa, desde a Antiguidade e que várias têm sido as concepções científicas e as abordagens terapêuticas que têm a acompanhado.

A medicina Grega, acreditava existirem no corpo, quatro fluidos principais ou humores que determinavam as qualidades físicas e mentais da pessoa: o sangue (vigoroso), a fleuma (fleumático), a bílis branca (colérico) e a bílis negra (melancólico). O cancro era provocado pela bílis negra. As teorias sobre os tumores prevaleceram, em muitos aspectos, até à idade Média. De notar que Hipócrates, o expoente máximo da Medicina grega, reconhecia mesmo que não podia tratar a doença. Galeno médico Romano que viveu no sec. II depois de Cristo, continuou a utilizar a teoria dos fluidos. Ainda segundo o mesmo autor, Galeno desenvolveu uma classificação na qual existiam tumores de acordo com a natureza, tumores excedendo a natureza e tumores contra natureza. Os tumores malignos, o cancro, estavam nesta última categoria.

DENTON (1988) refere que Zacatus Lusitanus (1575-1642) e Daniel Sennert (1572-1637), clínicos influentes da sua época, afirmaram que o cancro era contagioso, conceito que por vezes ainda se faz sentir nos nossos dias.

A constante investigação sobre a doença foi aumentando os conhecimentos com ela relacionados. Segundo o mesmo autor Le Dran, no sec. XVIII, defendia a teoria de que o cancro é no início uma doença localizada, com tendência a propagar-se para os gânglios linfáticos regionais.

Refere ainda que Percival Pott em 1775, faz em Londres as primeiras referências às causas do cancro do escroto, muito frequente nos limpa chaminés da cidade. Associa-o às deficientes condições de higiene, defende que a cirurgia pode curar a doença e estabelece os princípios que transformados em legislação, virão permitir a erradicação da doença em duas gerações.

DENOIX (1988) refere que o reconhecimento das especificidade do cancro enquanto doença, leva à criação relativamente precoce de hospitais e de serviços para cancerosos.

Segundo MIASKOWSKI (1990) em 1740, foi aberto em Reins, França, por Canon Gaderot o primeiro hospital oncológico, considerado um hospital de doenças infecto-contagiosas. DENTON (1988) refere que em 1775 Percival Pott, na sequência dos seus estudos, inaugura o primeiro serviço de cancro, num hospital central de Londres - O Middlessex. Em 1851 William Mars estabelece o primeiro hospital oncológico em Inglaterra – O Royal cancer Hospital. Ainda para o mesmo autor a cirurgia, como terapêutica do cancro veio a colher benefícios, que permitiram o seu desenvolvimento, contribuíram para a descoberta da anestesia e para o avanço da técnica asséptica a partir dos trabalhos de Pasteur sobre a sépsis. Este conjunto de avanços, com os desenvolvimentos ulteriores que desencadearam, permitiram uma maior agressividade na técnica cirúrgica e o desenvolvimento do conceito de cirurgia oncológica.

MIASKOWSKI (1990) refere que em, 1900 com a descoberta das radiações ionizantes por Marie Curie, surgiram novas hipóteses terapêuticas para a doença, geradoras de esperança na possibilidade do seu controle. Para o mesmo autor, a partir da segunda Grande Guerra Mundial, com a descoberta da quimioterapia, do seu desenvolvimento e de técnicas de apoio e um maior conhecimento da biologia celular, grandes foram os avanços no processo terapêutico.

VOLGELSTEIN et al (1988) refere o desenvolvimento das técnicas de biologia molecular, na década de 80, veio permitir o encontro de novos caminhos no estado da doença ao tornar possível, o estudo de alterações a nível do código genético das células. A sua acumulação é responsável pela transformação neoplásica da célula.

Desde a teoria dos humores de Hipócrates ao conceito actual de que o cancro resulta do acumular de alterações ao nível da célula, mediaram muitos séculos ao fim dos quais, apesar dos avanços científicos, o conhecimento da doença se mantém incompleto e fragmentado. Apesar disto tem sido possível melhorar as taxas de cura (pelo menos em muitas formas de doença) e de sobrevivência e aumentar significamente a esperança de vida dos doentes.

Este facto resulta de uma combinação de factores: por um lado o desenvolvimento de técnicas de terapêutica mais eficazes, isoladamente, ou em combinação das diferentes modalidades, por outro o diagnóstico precoce de algumas doenças, que têm vindo a ser possível, não só pela disponibilidades de meios específicos, mas também por um maior esclarecimento e motivação do público, profissionais de saúde e entidades públicas que se têm empenhado neste aspecto, o que tem tido uma relevante importância para estes resultados.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Julgamos pertinente abordar embora de uma forma pouco profunda este aspecto, uma vez que ele está intimamente ligado aos mitos e crenças que integramos.

Abordar esta questão obriga no mínimo a procurar resposta para duas perguntas: o que são e como se constróem e modificam as representações DOISE (1986) refere que a noção de representação social foi introduzida no final do século passado por Durkheim (1898). No entanto só recentemente após a publicação do livro de Moscovi – La Psycahanalyse, son image et son public, (1961), ela foi retomada e utilizada por diversos autores. Citando uma pesquisa efectuada por Jodelet (s.d.) o autor refere que esta mostra que não são sómente os psicólogos sociais que a utilizam. Também os antropólogos, historiadores, filósofos e sociólogos a estudam e discutem os seus domínios específicos.

VALA (1984) cita MOSCOVICI(1969) que afirma que uma representação social compreende um sistema de valores, de moções e de prática, relativa, a objectos sociais permitindo a estabilização do quadro de vida dos indivíduos e dos grupos, constituindo um instrumento de orientação da percepção e da elaboração das respostas e contribuindo para a comunicação dos grupos e da comunidade; e definia como um conjunto de conceitos, proposições e explicações, criadas na vida quotidiana, no decurso da comunicação interdividal. Elas são o equivalente na nossa sociedade os mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais.

Segundo o mesmo autor as representações sociais são teorias implícitas acerca de objectos socialmente relevantes e como tal constituem uma modalidade de conhecimento que serve a apreensão e explicação das ciências colectivas sui generis, pelas quais se procede à interpretação e mesmo à construção das realidades sociais.

VALA (1984) afirma que se se partir do conceito de que se as representações sociais, são um reflexo do mundo exterior, como um reflexo interno de uma realidade externa, as representações serão uma reprodução mental do mundo e do dos outros, sendo o produto de processos psicológicos. Se a partir da perspectiva de que não há corte entre o universo exterior e o interior do indivíduo, de que o sujeito e objecto não são essencialmente distintos, a representação não será entendida como reprodução mas como uma construção.

O mesmo autor refere que a representação é uma criação do indivíduo e não a reprodução rigorosa das qualidades do objecto representado. É a maneira pela qual a pessoa constrói um objecto psicológico e culturalmente significativo.

VALA (1984) afirma que a integração do objecto representado no sistema de pensamento anteriormente existente e as transformações que daí decorem, quer no objecto quer no sistema em que é integrado, ou seja o processo de duplicar a imagem por um sentido é a ancoragem. Assim por exemplo num objecto novo pode ser incorporado num quadro de referencias bem conhecido para o poder interpretar.

VALA (1993) afirma, baseando-se em estudos experimentais, realizados por COBOL (1972) e ABRIC (1987), existirem representações, que os próprios indivíduos controlam e na base dos quais selecionam as respostas que julgam mais adequadas. Acrescenta ainda que, de uma forma controlada ou automática, consciente ou inconsciente, um grande número dos nossos comportamentos, corresponde as nossas representações. Atribui-lhes a designação de comportamentos representacionais, pois são denominados no mínimo pela situação concreta na qual ocorrem e no máximo por factores pré situacionais, que relevam ao nível das atitudes e das representações. Distingue-os dos comportamentos situacionais, nos quais o papel das mediações cognito-avaliativas, nos quais o papel das mediações cognito-avaliativas é mínimo, sendo máximo o dos factores situacionais.

São os comportamentos, representacionais que estão na base do conceito da funcionalidade das representações. A análise da acção põe em evidência o facto das representações permitirem dar um sentido próprio ao comportamento, facultar a sua leitura à luz de uma representação, escondendo muitas vezes a possibilidade da leitura da acção situacional para o tornar um reflexo ou manifestação de uma representação.

Como vimos, as representações, dizem, regra geral, respeito a objectos socialmente relevantes, conceitos onde não haverá dúvidas em incluir o cancro, os seus mitos, crenças e sentimentos.

MITOS, CRENÇAS E SENTIMENTOS

Segundo SONTAG (1991) o cancro, considerado como doença intratável, por não ser compreendida e progressivamente mais frequente, foi sendo rodeado de mitos e concepções que se têm mantido muito semelhantes, sendo mesmo imutáveis, ao longo dos anos.

DENTON (1988) refere que o Oxford English Dictionary apresenta como primeira definição de cancro qualquer coisa que incomoda , corrói, corrompe ou consome lenta e secretamente e define-o actualmente como tumor maligno que tende a disseminar-se indefinidamente e a reproduzir-se; prolifera rapidamente à custa dos tecidos circundantes a menos que tratado precocemente, quase sempre termina em morte.

TORRINHA (1971), no Dicionário de Língua Portuguesa, define-o como tumor que destrói os tecidos e mal que vai arruinando pouco a pouco.

O Grande Dicionário de Língua Portuguesa Machado (1991) atribui-lhe o significado de tumor que corrói as partes em que se envolve. Estes significados atribuídos a palavra cancro traduzem as concepções e os mitos que são sem dúvida, o conceito da doença prevalecente no público.

LOEHRER (1993) efectuou um estudo na população americana, que demonstrou que um terço dos inquiridos achavam que a cirurgia ( por expor o cancro ao ar ) levava à disseminação mais rápida da doença. Esta população acreditava também no tratamento não convencional através de terapêuticas vitaminicas e curas de fé. O autor afirma que as crenças e o conhecimento inadequado acerca da doença são uma determinante importante no comportamento e podem levar a uso inadequado dos sistemas de Saúde. Segundo o mesmo autor, dois terços dos inquiridos acreditava que a doença se podia originar a partir de um traumatismo.

DENTON (1988) refere que o tratamento por radiações veio facilitar a continuidade dos mitos, uma vez que a radiação não se vê, nem se ouve, não se toca nem se pode cheirar e o doente para ser irradiado tem de ser isolado das pessoas.

SONTAG (1991) na sua obra Ilness as Metaphor diz que as fantasias inspiradas pela tuberculose no século passado e pelo cancro nos nossos dias, são resposta a uma doença tida como intratável e caprichosa, não compreendida numa época em que a premissa central da Medicina é a cura para todas as doenças. Segundo a mesma autora o cancro tornou-se numa doença que não bate antes de entrar, sendo por isso sentida como uma invasão impiedosa e secreta, que assim se manterá até que a sua etiologia e tratamento se tornem tão efectivos como os da tuberculose. Para SONTAG (1991) qualquer doença grave, cuja causa seja obscura e cujo tratamento seja ineficaz tende a ser suja em significado. Os factores mais assustadores, mais temidos (corrupção, decadência, poluição, guerra, morte, etc.) são identificados como a doença. Ela torna-se uma metáfora, entendida na sua significação própria ou rigorosa, de uma palavra que é substituída por outra em virtude da relação de semelhança subentendida, ou, mais simplesmente, o emprego de uma palavra em sentido figurado.

Então para SONTAG (1988) o nome da doença, esse horror, é imposto a outras coisas. A doença torna-se assim um adjectivo. Os sentimentos acerca desses horrores (acontecimentos) são projectados numa doença e esta é enriquecida de significados que são projectados no mundo. Assim as metáforas do cancro são múltiplas e inumeráveis e encontram-se no discurso político, económico, desportivo, etc. O cancro representa os horrores da sociedade e é representado por estes.

Para a mesma autora a percepção do cancro, engloba também, muitas vezes conceitos básicos, que condicionam e justificam por vezes comportamentos terapêuticos extremamente agressivos. A expressão de que o tratamento é pior que a doença é frequentemente ouvida nos hospitais oncológicos, pronunciada quer por doentes, quer por profissionais de saúde. O facto de se considerar o doente sob invasão torna lícita todas as formas de contra-ataque que terá de ser mais violento, para ser mais eficaz. Esses conceitos básicos ressaltam também da linguagem correntemente usada: as celulas cancerosas não se multiplicam simplesmente, mas são invasivas; as micrometástases cuja presença é assumida, não podem ser detectadas; raramente as defesas do organismo são suficientemente rigorosas para fazer frente às células destrutivas de um tumor; apesar da cirurgia radical e a vigilância, as emissões são por vezes temporárias e as células maldosas, desencadeiam um novo assalto ao organismo; os doentes são bombardeados com radiação (metáfora de guerra aérea); a quimioterapia utiliza venenos, que procuram matar as células cancerosas sem matar o doente (guerra química).

A doença é assim concebida como um inimigo ao qual a sociedade declarou, guerra e é uma ameaça que espreita o homem sem que este se aperceba, podendo atacá-lo em qualquer momento. Ela é muitas vezes encarada não apenas como uma condição possivelmente fatal, mas tomou o significado simbólico da própria morte, para alguns.

DENTON (1988) refere também que embora muitas vezes a doença seja identificada com a morte a sua consequência mais temida, e ainda antes dela, é a dor, o sofrimento e a mutilação ou amputação de parte do corpo. O autor afirma que o cancro significa para muitas pessoas a destruição de tudo o que é querido, afirmando muitos doentes que o que mais os assusta não é a morte, mas o modo como ela vai ocorrer. Cita o exemplo de um jovem que confrontado com o diagnóstico de metastização da sua doença (demonstrara optimismo e esperança na fase inicial da doença), perguntou é uma morte dolorosa? Como é que vai acontecer?

BROOKS (1979) afirma que a conjugação destes factores ( doença para qual a ciência ainda não encontrou tratamento efectivo, muitas vezes mutilante e agressivo sofrimento até à morte …inevitável) transformou o diagnóstico em algo de dramático, por vezes com consequências graves, na forma como o público reage à doença, levando a que muitas vezes os indivíduos não utilizem adequadamente os recursos disponíveis.

Segundo o autor esta conclusão é clara a partir da análise da curva de Berlyne, segundo o qual os indivíduos agem adequadamente quando o seu nível de consciência se encontra num ponto óptimo. Se eles não estão suficientemente preocupados com a saúde não conseguem agir apropriadamente; o mesmo acontece com os doentes demasiado preocupados. Em termos práticos, o conhecimento dos sinais e sintomas de alarme da doença, dissuadido pela American Cancer Society, se associado a um elevado grau de medo ou ansiedade pode conduzir a comportamentos inadequados ou irracionais.

DENTON (1988) afirma que os avanços tecnológicos no tratamento e diagnóstico precoce do cancro, dos esforços desenvolvidos no sentido de desmistificação da doença, de uma melhoria na técnica cirúrgica e a tendência para que os tratamentos tornem a doença progressivamente menos mutilantes e há um aumento de casos de cura, há ainda autores que afirmam que os mitos associados ao cancro são perpetuados até por profissionais de saúde, o que torna a situação mais preocupante e nos leva a reflectir em estratégias a utilizar para motivar estes técnicos a modificar as suas atitudes e crenças.

CONCLUSÃO

O nosso maior lamento será o de não termos aprofundado mais a temática, visto implicar um texto e análise cientifica de maior dimensão, que aquela esperada no espaço de tempo da realização deste artigo e próprio formato da publicação.

Também gostavamos de ter incluído aspectos relativos às vivências da vida pessoal e profissional de um dos autores deste texto, no entanto há que fazer opções e de facto uma vez mais o tempo não permitiu a abordagem destes aspectos de forma fundamentada.

É interessante verificar como as representações sociais que temos dos objectos ou factos vão incorporar mitos e crenças que temos neste caso em relação a uma determinada doença.

Vemos que ao longo dos anos, muitos mitos permanecem, quase iguais, o que se deve a uma cultura, mas com certeza ainda mais ao caracter da doença, por muito do que há de desconhecido em redor da sua etiologia não obstante os avanços técnicos e avançados conhecimentos cientificos, de que já somos detentores através dos esforços e investigações que sistematicamente se tem feito e terão de ser continuados pois, o cancro continua a ser uma doença que constitui um enorme desafio à ciência e à humanidade. Infelizmente este tema é tão actual como o seria à 20 anos atrás, embora seja nossas firme convicção de que os avanços da ciência e o papel dos profissionais de saúde na desmistificação da doença, venha a contrariar esta tendência tão antiga como a humanidade e que daqui a outros 20 anos possamos estar a falar deste tema em moldes diferentes daqueles aqui demonstrados.

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Jul 27, 2012

Colorectal Cancer Screening

Detección Del Cáncer Colo-Rectal

AUTORES: Vítor Santos, Ana Sofia Santos, Cláudia Gomes, Elsa Menoita

Resumo

Com o objectivo de debater o actual programa de rastreios de cancro colo-rectal, foi efectuada uma recensão crítica acerca de qual a metodologia mais eficaz na prevenção desta patologia, com base num artigo acerca da realidade do sistema de saúde Canadiano. Pretende-se concluir acerca das estratégias mais adequadas a instituir no que concerne a políticas de saúde, bem como salientar o papel do enfermeiro nesta temática.

Palavras chave: Rastreios, Neoplasias do Cólon, Recensão Crítica

Abstract

In order to discuss the current screening program for colorectal cancer, a critical review was made about which method is more effective in preventing this disease, based on a paper about the reality of the Canadian health care system. The aim is to conclude about the most appropriate strategies to establish with regarding health policies as well as highlighting the role of nurses in this theme.

Key words: Screening, Colonic Neoplasms , Critical Review

Introdução

O cancro é uma doença universal, que é conhecida pela humanidade, desde há milhares de anos, havendo ao longo da história várias referências a este tipo de condição. No século 6 antes de Cristo, já era uma doença de tal modo comum e conhecida, em que os gregos foram os primeiros a lhe dar nome, “carcinos”, a palavra grega para caranguejo, que deu origem à designação da doença em muitas das línguas contemporâneas: “cancer” (adaptado de RICHARDSON, 1995, pág.2).

O cancro colo-rectal é a maior causa de morbilidade na América do Norte, Europa Ocidental, Austrália e Nova Zelândia. (GLAUS & RIEGER, 2006, pág. 179). Em Portugal, é responsável por 13% das mortes por doença oncológica e tem vindo a consistentemente a aumentar desde o inicio da década de 80, a uma taxa média anual superior a 4% (SPED, 2006). Pode ser curado se detectado numa fase precoce. É o tumor maligno mais susceptível de ser prevenido, se tiver um método de rastreio adequado.

Assim, de modo a efectuar uma análise completa desta temática foi utilizado como base de trabalho o artigo: “Common sense for a common problem: The question of screening the average-risk population for colorectal neoplasia”, no qual se reflecte acerca da importância de uma politica de rastreio adequada para o cancro colo-rectal. Os autores são profissionais da área, que se deparam com um país, o Canadá, que apesar de um elevado indice de desenvolvimento económico, social e tecnológico, não tem uma poilitica de rastreios definida para o cancro colorectal. É portanto efectuado um ponto da situação recorrendo aos pontos fortes e identificando os pontos fracos da evidência cientifica disponível, acerca do assunto, e são feitas propostas com vista à melhoria da situação actual.

Análise

O artigo, que é alvo desta recensão crítica, foi extraído da base de dados “EBSCO”, seleccionando como base preferencial a “CINAHL Plus”, e utilizando como palavras-chave para pesquisa, “screening” AND “colorectal” AND “neoplasia”, no modo “TI”. O artigo seleccionado encontrava-se na posição 10, dessa mesma pesquisa e foi publicado originalmente em Dezembro de 2005, no “Canadian Journal of Surgery, Vol. 48, no.6”, com o título “Common sense for a common problem: The question of screening the average-risk population for colorectal neoplasia”, apresentando 2 páginas, sendo da autoria de Chris Vinden e Vivian C. McAlister, Médicos do Departamento de Cirurgia da Universidade do Oeste de Ontário (London, Ontário). É um artigo em que dois peritos, nos falam da importância do rastreio do cancro colo-rectal, fazendo uma revisão das várias metodologias de rastreio e qual o estado da arte no Canadá. Trata-se de um artigo de opinião, suportado na revisão de alguns estudos científicos, sem capítulos ou subcapítulos e sem resumo. É um texto bastante interessante, que começa por levantar questões relativas à importância de um rastreio eficaz do cancro colo-rectal e seu impacto económico, fazendo depois o ponto da situação no que respeita às “guidelines” no Canadá. Seguidamente analisa a eficácia dos métodos de rastreio disponíveis, tendo em conta as suas vantagens e desvantagens, e sempre tendo em conta o factor económico e a capacidade do sistema em efectuar os vários métodos de rastreio.

O primeiro aspecto abordado no artigo, é relativo à importância do rastreio do cancro colo-rectal. Os autores começam por referir que existe “uma discrepância entre as orientações a tomar face ao rastreio da população de médio risco para cancro colo-rectal e o conhecimento da sua história natural” (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431), o que levanta uma questão de tom critico, em relação à importância dada ao rastreio do cancro colo-rectal neste país. De acordo com FARMER & MILLER (1983), citados por CRADDOCK (1995, pág.48), o rastreio consiste na “prática de investigar indivíduos aparentemente saudáveis, com o objectivo de detectar doença assintomática, ou pessoas com um risco excepcionalmente elevado de desenvolver doença, e intervir de modo a prevenir a ocorrência de doença ou melhorar o prognóstico quando esta se desenvolve”, sendo que desta forma se pode tirar o melhor partido do conhecimento que se tem do processo da doença, como referiram os autores. A importância do rastreio no cancro colorectal, é de todo inquestionável, pois este rastreio obedece a todos os critérios para rastreio de cancro, derivados da OMS, enumerados por AUSTOKER (1990), citado por CRADDOCK (1995, pág. 50): “ A condição rastreada deve representar um importante problema de saúde; (…) A sua história natural deve ser bem conhecida; (…) Deve existir uma fase precoce ou latente, detectável; (…) O tratamento na fase precoce, deve trazer mais beneficios que na fase tardia; (…) Deve haver um teste ou exame adequado, (…) que seja simples, fácil de aplicar, com grande sensibilidade e especificidade, reproduzível e custo-efectivo, com um rácio baixo de risco benefício; (…) O teste, deve ser aceite pela população; (…) Em doenças de inicio insidioso, o rastreio deve ser repetido a intervalos determinados pela história natural da doença; (…) As instalações devem ser adequadas ao diagnóstico e tratamento de anormalidades detectadas; (…) O risco de dano, deve ser inferior ao risco de benefício; (…) Os custos associados, devem ser pesados face aos beneficios que traz;”. Dos critérios identificados, o único que pode ser condicionante para algumas medidas de rastreio, como as técnicas endoscópicas, pode ser a questão das instalações adequadas, apesar deste obstáculo poder ser resolvido pela valorização do último critério, se forem verdadeiramente valorizados os beneficios que essa técnica pode trazer, em relação aos custos que acarreta.

Os próprios autores reforçam a importância que o rastreio tem nesta patologia, ao afirmar que esta possui “uma fase benigna suficientemente longa e previsivel para permitir a sua prevenção” (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431), o que é reforçado por ATKIN (2003, pág. 13) que refere ser “necessários cerca de 10 anos para um adenoma progredir para carcinoma”, pelo que é verdadeiramente inegável o papel importante de uma metodologia de rastreio eficaz, que permita uma detecção precoce e eliminação atempada. Esta metodologia de rastreio eficaz assume uma importância ainda maior, de acordo com LAGE (2010), quando há agregação familiar, o que ocorre em 20 a 25% dos casos, sendo responsáveis por 3-5% dos casos de cancro colo-rectal. Se tivermos em conta que a população assintomática, com risco padrão (6% de probabilidade de desenvolver cancro colo-rectal, sem outros factores de risco), deve ser rastreada dos 50 aos 70, com sigmoidoscopia de 5/5 anos e pesquisa de sangue oculto nas fezes anualmente. Em indivíduos com parente de 1º grau positivo (e com idade superior a 60 anos) este tipo de rastreio deve começar logo aos 40 anos ou 10 anos antes da idade do parente positivo mais jovem, com idade na casa do 40 anos, quando houver casos positivos em idades inferiores a 60 anos (LAGE, 2010). Os síndromes hereditários seguem por sua vez protocolos específicos.

À parte dos ganhos evidentes para a saúde do doente, os autores referem ainda o impacto económico que uma politica eficaz de rastreio pode ter no cancro colo-rectal, pois “o seu custo inicial (…) de tratamento é várias vezes superior, ao do tratamento dos cancros do colo do útero, mama ou próstata” (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431). Emerge desta afirmação uma questão interessante e muito importante para a saúde pública e sustentabilidade dos sistemas de saúde: Se nós temos uma politica de rastreio fortemente instituida para estes 3 tipos de neoplasia referidos, e que funciona bem, porque não apostar numa politica de rastreio eficaz para o cancro colo-rectal, que nos poderá trazer ganhos evidentes de saúde e uma poupança de recursos financeiros que podem ser aplicados noutros campos da saúde, diriamos mesmo da própria oncologia, de modo a que indirectamente possamos salvar ainda mais vidas? São factos inegáveis, os ganhos são evidentes, para a saúde de todos. VINDEN & MCALISTER (2005, pág. 431), referem mesmo que “ a prevalência da doença e benefício da intervenção, devem ser suficientes para justificar o rastreio de uma população de médio risco”. Os autores reforçam que se trata de uma patologia comum no Canadá, alertando que sem as medidas preventivas adequadas, “6000 em cada 100 000 Canadianos desenvolverão cancro colo-rectal ao longo da sua vida e que a incidência anual aumenta previsivelmente com a idade, sendo 1%, 2% e 3% das pessoas afectadas, nos seus 50, 60 e 70 anos respectivamente” (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431). Também em Portugal, é a neoplasia com maior incidência, com 5000 novos casos por ano e causa de morte para 9 pessoas diáriamente, cerca de 13% de toda a mortalidade por cancro (SOARES, 2006, pág.11).

A metodologia de rastreio, deve ser fiável, sensível e aplicável, sendo que de acordo com os autores, apenas a colonoscopia preenche estes critérios (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431). De acordo com estes mesmos autores, a “Canadian Task Force on preventive health care, não incluiu, a colonoscopia nas guidelines para rastreio do cancro colo-rectal, em 2001, mas sugeriu a inclusão de pesquisa de sangue oculto nas fezes e sigmoidoscopia flexível, no exame periódico de saúde de pessoas assintomáticas com mais de 50 anos de idade”, sendo uma recomendação pouco seguida na prática, o que faz do Canadá um país sem politica de prevenção do cancro colo-rectal (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431), pois este tipo de recomendações, por si só não são suficientes, para mobilizar os serviços de saúde, é urgente que se traduzam em politicas concretas, que representem normas vinculativas, que por sua vez levem à obrigação do seu cumprimento, visto ser evidente o impacto desta doença na sociedade. Por seu lado, actualmente a associação de Cancro Colorectal do Canadá, recomenda a pesquisa de sangue oculto nas fezes + teste imunoquímico das fezes bianualmente, em indivíduos com idade superior a 50 anos, complementado com colonoscopia se os testes forem positivos. O consenso de facto não existe, apenas existem várias recomendações pouco uniformizadas, em que os Estados Unidos, são um exemplo claro, como se pode verificar com as recomendações da “American Cancer Society”, que apontam para o rastreio de homens e mulheres com mais de 50 anos, recorrendo a uma das seguintes metodologias: sigmoidoscopia a cada 5 anos, colonoscopia a cada 10 anos, enema com bário de duplo constraste a cada 5 anos, colonoscopia virtual a cada 5 anos, pesquisa de sangue oculto anual, teste imunoquimico das fezes anual, teste de DNA das fezes sem intervalo definido; No caso de um destes testes positivos, recomendam a colonoscopia. Este tipo de recomendação, apesar da liberdade de escolha de métodos que oferece, carece de uniformização, para termos um rastreio rigoroso e eficaz, aplicável a uma população, ou seja oferece mais incertezas, do que garantias, não constituindo uma medida de fundo para a saúde pública.

O nosso próprio “Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas”, em Portugal, apesar de ter prevista uma politica de rastreio do Cancro colo-rectal, é algo pobre neste campo, pois apenas prevê no seu 5º capítulo, dedicado aos rastreios, a pesquisa de sangue oculto nas fezes, em homens e mulheres dos 50 aos 74 anos, com o qual se demonstrou uma redução da mortalidade em 20%. No que respeita aos doentes com risco de cancro familiar, o plano prevê a referenciação a consultas de risco específico, que tomará as medidas de prevenção adequadas. Serão estas medidas suficientemente seguras para o rastreio desta patologia ou é possível fazer melhor? Em 2006 a Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED), lançou uma proposta de estudo, para rastreio do cancro colo-rectal, com base na colonoscopia esquerda, “em doentes de ambos os sexos, entre os 50 e 70 anos, sem antecedentes de rectorragias nos últimos 6 meses, nem alterações do trânsito intestinal” (SOARES, 2006 pág. 13), tendo como principal objectivo a implementação deste tipo de rastreio a nível nacional, pois um dos fundamentos deste projecto prende-se com uma crescente solicitação deste tipo de exame por parte dos cuidados de saúde primários e com o facto de a técnica endoscópica permitir que o alvo do rastreio seja “o adenoma, o que permitirá reduzir a mortalidade por Cancro Colo-Rectal, em função de uma redução da incidência, o que é susceptível de induzir poupança de recursos ao sistema financiador.” (SOARES, 2006 pág.12). Esta proposta poderá sem dúvida trazer beneficios e ganhos em saúde, pois de acordo com PINTO (2006, pág.10), a utilização de “sigmoidoscopia flexível (SF), tem sido avaliada em estudos de caso-controlo, que demonstraram reduções impressionantes da mortalidade em 80% e da incidência em 50%”, “cobre a área onde cerca de 50% das neoplasias estão localizadas” (Adaptado de HAKAMA et al.,2005, pág.428) sem esquecer que é a técnica que mais se aproxima daquela considerada como “Gold standard”, a colonoscopia total, pois permite a visualização de todo o colon. A pesquisa de sangue oculto nas fezes, tem sido amplamente estudada, com estudos randomizados e tem “demonstrado reduções na mortalidade na casa dos 43%” (Adaptado de HAKAMA et al.,2005, pág.428), podendo no entanto “ocorrer alguns falsos-positivos devido a componentes da dieta” (Adaptado de ATKIN, 2003, pág. 14), assim como também “falha a maioria dos percursores benignos do cancro e muitas das lesões malignas”, (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431), sendo que mesmo com “análise do DNA humano, em vez do sangue, apenas se reduziu o rácio de identificação falhada de lesões, de 89.2% com pesquisa de sangue oculto, para 81.8% “(Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431), o que demonstra uma sensibilidade e segurança duvidosas. De acordo com os autores, mesmo a “sigmoidoscopia falha entre 65% a 35%, dos doentes com neoplasia avançada do cólon” (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431). A associação destes dois últimos métodos é referida por inúmeros autores, mas não existem estudos randomizados que demonstrem a eficácia da sua associação. Como método alternativo emergente e que permite uma visualização de todo o cólon, temos a Colonoscopia Virtual, que apesar de demontrar “sensibilidade para lesões com tamanho maior ou igual a 7 mm, de diâmetro, (…) depende sempre da colonoscopia para a intervenção terapêutica” (Adaptado de HAKAMA et al.,2005, pág.433).

Ainda acerca do tipo de rastreio, os autores referem um estudo efectuado por HILSDEN, et al. (2005, pág. 434), que é extremamente interessante, na medida em que consistiu em descrever as atitudes de peritos na área do rastreio do cancro colo-rectal, face a este. Foram enviados questionários a todos os gastroenterologistas, cirurgiões gerais e Internistas da provincia de Alberta, acerca de qual seria o melhor método de rastreio na sua opinião. Em 70% dos inquiridos, a colonoscopia seria o único método, ao qual eles próprios se submeteriam, apesar das limitações existentes para a generalização da técnica e do facto de não ser contemplada nas guidelines de 2001. VINDEN & MCALISTER (2005, pág. 431 e 432), referem que se trata de um tipo de resposta semelhante à de um estudo em cirurgiões gerais, na qual era perguntado, que método preferiria para si ou para a sua familia. Os autores desenvolvem, explicando que se trata de respostas esperadas, pois estão fortemente influenciadas pelo senso comum destes profissionais. Por seu lado, as guidelines de 2001 e outras existentes em todos os países ocidentais, em que Portugal não é excepção, são fundamentadas na mais recente evidência disponível, que aponta fortemente para o uso da pesquisa de sangue oculto nas fezes e moderadamente para o uso de sigmoidoscopia (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 431). Posto isto, os dados fornecidos pela evidência cientifica, deveriam “pacificar” a questão e levar a uma aceitação da pesquisa de sangue oculto+sigmoidoscopia, como métodos de excelência, no rastreio do cancro colo-rectal, se não fosse a questão de ter sido desvalorizado o facto de a colonoscopia nem sequer ter sido testada, comparativamente aos outros métodos no rastreio do cancro colo-rectal, sob o argumento de que não existe equipamento clinico suficiente para a realização deste tipo de estudo (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 432). HAKAMA et al. (2005, pág.425), na revisão sistemática de literatura que faz acerca deste tema, reforça a inexistência de estudos clinicos randomizados que suportem os beneficios da colonocopia, como ferramenta de rastreio, assim como ATKIN (2003, pág. 14).

Devo dizer que concordo plenamente com os autores, quando estes referem ser impróprio das autoridades de saúde, a permissão deste impasse, que se traduz na falta de uma politica eficaz. De facto, na falta de toda a evidência necessária, para orientar este tipo de politicas, é de todo o interesse adoptar o princípio da precaução, enunciado pela Comissão das Comunidades Europeias, em 2000, tal como defendido por VINDEN & MCALISTER (2005, pág. 432), para se ponderar seriamente na adopção da politica de rastreio por colonoscopia, na população de médio risco, a partir dos 50 anos de idade. De salientar que o principio da precaução de um modo geral, deve ser invocado quando são necessárias medidas urgentes para prevenir dano ao ser humano, apesar dos dados cientificos não permitirem uma avaliação completa do risco (COMISSÃO EUROPEIA DAS COMUNIDADES, 2000, pág. 10).

Apesar de ser considerado o método ideal, os autores identificam alguns obstáculos à implementação deste método de rastreio como o impacto financeiro e a disponibilidade de equipamento endoscópico VINDEN & MCALISTER (2005, pág. 432). De facto trata-se de uma metodologia que envolve uma logistica muito grande e um investimento inicial considerável, que apesar de tudo, deve ser confrontada com “o custo de de tratar a doença, numa população sem rastreio” (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 432). Entrando numa lógica financeira, a decisão também não parece dificil, pois o forte investimento, dilui-se ao longo do tempo, quando comparado com os custos permanentes e prolongados, com a quimioterapia e outras terapias inovadoras, acerca das quais a indústria farmaceutica reclama custos elevados para justificar o seu alto preço. É caso para dizer que a opção por um método de rastreio com bons indicadores de eficácia, pode apontar para um caminho de maior sustentabilidade económica nesta área da saúde. VINDEN & MCALISTER (2005, pág. 432), acerca dos recursos endoscópicos disponíveis, acrescentam que a nível hospitalar, a própria vertente terapêutica da técnica já encara alguns atrasos consideráveis no atendimento à população, pelo que a solução futura, passaria, pelo desenvolvimento desta prática, fora do meio hospitalar. A nível de recursos humanos, os autores consideram que entre cirurgiões gerais e gestroenterologistas, haverá capacidade técnica para o desempenho dos rastreios em grande escala no Canadá. Neste aspecto, não deve haver qualquer tipo de facilitismo, pois se ao optar por esta técnica, estamos a tentar primar pela máxima segurança, esta máxima segurança não deve ser descurada, perante o risco de ser desempenhada por técnicos sem experiência ou qualificação adequadas, sob pena de esta não ser rentabilizada adequadamente, pelo que a certificação técnica adequada, deve ser salvaguardada.

Os autores terminam o artigo, referindo que “o desvio de doentes assintomáticos ou minimamente sintomáticos dos hospitais, actualmente sobrecarregados, trará beneficio ao sistema de saúde, ao se traduzir numa verdadeira redução na necessidade de cuidados curativos para o cancro” (Adaptado de VINDEN & MCALISTER, 2005, pág. 432), o que permite concluir facilmente acerca da importância dos cuidados preventivos, nomeadamente do rastreio, na abordagem ao cancro colo-rectal, que afinal de contas é um flagelo que pode ser melhor combatido, com uma adequada politica de detecção precoce, trazendo beneficios evidentes para a população em geral, no que concerne a ganhos em saúde e para o sistema de saúde, contribuindo para a sua sustentabilidade.

Considerações Finais

A análise crítica deste artigo, devido à sua natureza, envolveu muitos aspectos do campo das politicas de saúde, da fisiopatologia da doença e da caracterização dos métodos de diagnóstico. Emerge portanto a questão: Qual o papel do Enfermeiro no rastreio do cancro colo-rectal? De tudo o que foi exposto ao longo do trabalho, podemos concluir que a Enfermagem tem o seu lugar neste processo, e é bastante relevante, pois somos os profissionais mais bem colocados para fazer os devidos ensinos ao doente e família e alertar para a necessidade dos rastreios. Este papel assume maior relevância, se tivermos em conta que se trata de uma área em que as politicas não estão bem definidas, ou pouco acessíveis à população, pelo que os indivíduos por vezes encontram-se “perdidos” e sem informação acerca do que deve ser feito. É o nosso papel e dever, ajudar a informar e orientar o doente neste campo, capacitando a tomar a decisão que melhor serve os seus interesses, recorrendo a técnicas de “empowerment”, através da educação para a saúde e passando o locus de controlo, para o doente, também com o objectivo de abranger os seus familiares, principalmente no caso de neoplasias com agregação familiar. O enfermeiro deve ser portanto o elo de ligação entre o doente e as politicas de rastreio, pois tal como refere (GLAUS & RIEGER, 2006, pág. 171,172) “ quando o enfermeiro recomenda um rastreio a um indivíduo, existe uma maior probabilidade de adesão a esse mesmo rastreio”, o que reflecte a posição privilegiada na relação que temos com o doente, que permite transmitir confiança e segurança.

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